segunda-feira, outubro 31, 2005

A irmã Hortense partiu para o Senhor
Quando há mais de três anos cheguei à Igreja Baptista de Moscavide foi das pessoas que mais se destacou pela hospitalidade, alegria e entusiasmo na partilha da fé. Passava por um momento de reencontro com Deus após muitos anos sem contacto com qualquer comunidade. Integrou o pequeno grupo de três pessoas que mais recentemente se baptizou. Uma queda tirou-lhe nos últimos meses a capacidade de andar. Sem filhos, acabou por ser recebida num Lar de Terceira Idade pouco inspirador. A semana passada foi visitada pelo grupo de senhoras da igreja. No dia seguinte já não acordou.
Foram três anos de convívio com uma crente inspiradora. Deixa saudades e exemplo.

sexta-feira, outubro 28, 2005

Da rotatividade
Um dia o Espírito Santo fez de Saul um homem de respeito. Coroado e tudo. Outro dia fez dele um desgraçado porque saíra da linha. Deus é caprichoso e o Espírito não está para bincadeiras. A coroa marchou direitinha para um pastor de rebanhos.

quinta-feira, outubro 27, 2005

Chô de ar-de-cor

Não se aceita miúdas no mosh pit.
Desconhecer Isaque
A pior ausência de cultura possível no ser humano é ignorar que Deus fez com que Sara desse à luz.

quarta-feira, outubro 26, 2005

Prova
Encontro na rua a Tia Zé, minha professora primária. Lamento o facto de vestir um casaco de fato de treino (um Adidas Ruby, ainda assim) quando há duas horas envergava um blazer cinza que certamente sugeriria mais sobre a minha condição pós-escolar. Para compensar mostro-lhe a filha que acondiciono na cadeirinha do banco de trás do carro. Entre o vestuário e a descendência aguardo uma última positiva nesta avaliação inesperada.

terça-feira, outubro 25, 2005

Uma pergunta retórica
- Não é esta Bate-Seba?*
- Pois com certeza.



* No relato bíblico (II Samuel 11:3-4) o sensualmente torturado David nem coragem teve para responder.
Complicado
Quando entre a meia-noite e as duas da manhã fecho as gatas sobe até ao meu 5º andar e atravessa a cozinha um leve aroma de tabaco. Um vizinho do 4º fuma à janela. É um modo poético de comunicar comigo, penetrando pela janela o que não passa pela porta. Claro que grande parte do delicado efeito estético desvaneceu-se ao aperceber-me que é a mulher da casa, mãe há pouco meses do pequeno Frederico, que emite as baforadas. O lirismo está difícil para a maternidade tabagista.

segunda-feira, outubro 24, 2005

Notas sobre a pregação ouvida ontem
José do Egipto começou por prosperar para seu prejuízo. Só mais tarde prosperou para sua bênção.
O que eu queria mesmo
Era escrever sobre a Christiane Torloni.

sexta-feira, outubro 21, 2005

Oh my!

quinta-feira, outubro 20, 2005

The case for portuguese
Não se trata de descobrir virtudes em cantar em português. Mas de encontrar firmes defeitos em cantar em inglês. No inglês a pessoa não pronunciando nada está mais perto de pronunciar alguma coisa. É um idioma em que o zero e o 100 andam perto. Enrola-se a língua e sai uma frase, espirra-se e disse-se um provérbio. No Português a boca trabalha toda. As sílabas existem e a fonética é vaidosa. Não dá para cantar com bolachas no bucho. Uma canção de amor em inglês é uma rotina. Em português é um statement. Envolve alguma coragem. Pelo efeito acústico de "amo-te" ser pesado é que os portugueses poupam declarações apaixonadas. Fazem bem. Esbanjar "love" pelo mundo é coisa de gente sem peso existencial. Existential weight.

quarta-feira, outubro 19, 2005

Confissão paulina
Ontem ensaiei com as Borboletas Borbulhas. No sítio de sempre: a cave da Igreja Baptista de Queluz. O local tem a humidade de um pântano o que deixa os músicos com crises de tosse convulsa a meio das cantigas (o panque-roque inventou a hepatite). Liguei o microfone a um amplificador de baixo. Irresistivelmente podre, o som. Como exorcizaremos da carne esta decadente paixão?
Inteligente
Quando já se ouvia o clarim de revolta das Intelecto-Amazonas a Carla respondeu-me. Com muita categoria. Não é Bomba quem quer. É Bomba quem pode.

terça-feira, outubro 18, 2005

À repentina destruição
Os comentários nos blogues são o mais vívido sinal que Lúcifer é o Príncipe deste mundo. O modo como as pessoas esbanjam piropos, boas vibrações e esclarecimentos encerram-nos mais profundamente naquilo a que Lutero (ou Calvino? ou Agostinho?) chamou o nosso naufrágio comum. A meio caminho do afogamento final aparecem umas bolsas de oxigénio. No blogue Minha É A Vingança (um dos melhores na actualidade, exclusivamente dedicado a castigar as pessoas que merecem castigo) o autor, Rui Romano, escreve numa das tais caixinhas: "Fox-trotsky. É a dança da moda entre a petizada". Não é uma piadinha semi-maligna com pretensões de reaccionarismo. É uma alocução com toda a tristeza do mundo lá dentro e um copo de Porto erguido no braço direito brindando à repentina destruição. Tomara que eu o conseguisse diariamente neste ecrã amarelo-desmaiado.
Dia do Senhor
Se um Domingo servir apenas para ver as "Recordações da Casa Amarela" pela quarta ou quinta vez já terá valido a pena.

segunda-feira, outubro 17, 2005

Bomba
Leio poucos blogues de mulheres. Na generalidade o que me interessa ler nas mulheres está por oposição ao que me interessa ler nos homens. As excepções são algumas. Apercebo-me da raridade da minha disposição. A Carla Hilário Quevedo escreve: "à partida rejeito qualquer tipo de discussão que contribua para a separação entre homens e mulheres". Não podia estar em maior desacordo. Leio a Bomba Inteligente não por ser meramente um bom blogue (quando chegou já havia muitos) mas por ser um bom blogue de uma mulher (na altura praticamente inédito). Em nenhuma linha da Carla esqueço a característica fundamental que nos distingue.
Tento entender esta fobia pelas diferenças do sexo. Não é fácil. Nunca necessitei de admirar intelectualmente uma mulher para me sentir reconciliado com a Criação. Mais. Uma mulher intelectualmente admirada por um homem parece-me sempre uma criatura diminuída. Alguém a quem se dá cobertor e sopa quente.
Já sei. Não é bonito falar de "mulher" e de "homem", de "criador" e de "criatura", de "humano" e "animal". Fatalidade intelectual a minha.
Deus não apresentou a Adão um compincha. Apresentou-lhe uma mulher. O mais belo abismo de todos os tempos. Mas sempre abismo.

sexta-feira, outubro 14, 2005

Não esquecer de comemorar
O início da Coluna Infame foi há três anos.
Rastilho
Na meia-hora que antecede o culto o Tio Joel arranca do orgão alguns espirituais negros. "Were you there when they crucified my Lord", "Sometimes I feel like a motherless child", "Joshua fit the battle of Jericho", "Nobody knows the troubles I've seen". O benefício que me permite é indizível. Quando a seguir dou o início ao período de louvor já se me acendeu a ignição. Todo o adorador tem um rastilho.

quinta-feira, outubro 13, 2005

Eu queria ter escrito isto

"Quando eu for mais velho e mais corno, talvez participe de pequenas seitas; e adote a pior versão do satanismo, que é sair por aí envergando uma camiseta do américa. Mas até lá, minha religião pessoal é o petróleo." - Dies Irae.

"Tenho horror de budista, que ama a própria mãe com a mesma tranqüilidade com que ama as vítimas de um furacão ou o porteiro do prédio. Podem dizer o que quiser, e em sânscrito, mas isso não é modo de amar a própria mãe." - Alexandre Soares Silva.

"Parece-me que o conceito para o qual a igreja devia estar mais bem preparada é aquele para o qual está menos. O pecado. A igreja não sabe lidar com uma das noções mais elementares do cristianismo." - Deusa do Lar.

quarta-feira, outubro 12, 2005

Lâminas
Jon Bon Jovi fez bem em largar os agudos ao segundo álbum. O facto de se cantar numa banda de hard rock durante a década de 80 não transfere automaticamente flexibilidade às cordas vocais. Pena é que os Bon Jovi tenham perdido as qualidades ao quinto disco ("Keep the faith" tem ainda canções irresistíveis). Os anos 90 tiveram uma ou outra balada eficaz mas nada que recordasse o salvífico despojamento lírico inicial. Quer queiramos ou não, mais uma vez a metáfora bíblica se apropria: Jon não devia ter visto o cabelo ser-lhe cortado. A actualização estética é vezes demais uma mera Dalila travestida de saúde capilar. As lâminas da tesoura permanecem as mesmas. Afiadas e pecaminosas.

terça-feira, outubro 11, 2005

A Cuf
Tem uns quartos para os pacientes que são autênticos T-Zeros. A vista sobre o Tejo é invejável. Com febre o bebé perde o apetite e sou eu quem acaba por consumir as refeições. Dou-me bem com esta comida do hospital. Ao fim-de-semana são tão poucas as pessoas nos corredores que me ocorre a toda a hora o quão apropriado este local seria para um filme de zombies. O parque de estacionamento subterrâneo, gratuito ao Sábado e Domingo, é escandalosamente cinematografável. Só um dos pais pode ser o acompanhante e passar a noite daí que as 22 horas são o meu limite. Quando chego a casa encontro o consolo de duas gatas que excepcionalmente me farão companhia na cama.

segunda-feira, outubro 10, 2005

Ênfase
Nem todos nascemos para descobrir a pólvora. Há quem sirva para festejar a descoberta. Lamento que esta vocação seja tão mal-entendida. Para aqueles que não têm talento para descobrir ou inventar nada resta o consolo de celebrar os dons alheios. Até porque quem descobre e inventa raramente tem vagar para rejubilar decentemente nas suas próprias conquistas.
Comemoramos pouco a doutrina da Trindade. Ouvimos inexpressivamente o "em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo" sem pular de alegria. Puro pecado. Há carência de profetas da ênfase. Baal tem vindo a seduzir os funcionários do progresso. Deus procura agora quem se demore em festas.

sexta-feira, outubro 07, 2005

Campanha eleitoral
Deus mandou Isaías avisar Ezequias que os seus dias chegavam ao fim. Ezequias voltou-se para a parede e chorou como um bebé. De tal modo carpiu que mal Isaías se ausentou Deus mudou de ideias. Deu-lhe mais 15 anos de vida e compôs a situação política do país que não estava famosa.
Paternidade
Para além da mentira o Diabo é o pai também da falta de memória.

quinta-feira, outubro 06, 2005

Ética do índio - a tanatologia reciclada
Hoje é um bom dia para deixar de fumar.
A irmã Lídia perdeu os óculos na praia
"Cem contos esbanjados no oceano", disse. Regressou de férias pitosga mas sempre jovial. É ela quem recebe as pessoas quando entram na igreja. O provérbio desmentido: longe da vista, perto do coração.

terça-feira, outubro 04, 2005

Relaxar
O maior desafio para um cristão é relaxar. Viver na eminência do regresso de Jesus não é coisa fácil. Ser capaz de ver um filme no Nimas enquanto se aguarda a parousia final. Conviver em sociedade sem parecer o homem que não faz xixi desde 1984.
Eu sou tão pró-israelita
Que quando mando a minha filha comer os Cheerios soa sempre a "come os Sírios".

segunda-feira, outubro 03, 2005

Jeitinho
Sou proselitista. Creio que o cristianismo é a única religião verdadeira e que toda a pessoa deve converter-se ao Senhor Jesus. Mas sou um proselitista gentil. Não meto conversa com ninguém para lhe falar das coisas espirituais. É pouco educado e de estilo tem zero (o cristianismo converte com estilo).
O apelo dos evangélicos à conversão dos outros chega a ser abjecto. Uma extrema-unção a meio da vida. Parecem desesperados para que todos emitam a mesma prática litúrgica, mastiguem a mesma hóstia, sincronizem o mesmo aleluia. A vantagem de um proselitista gentil é que sendo calvinista e descrendo do livre-arbítrio, como eu, concede que nem todos nascemos para o mesmo. Que é como quem diz, posso sentir-me bem mas tu podes sentir-te bem sem te sentires bem do modo como eu me sinto bem. Não é relativismo moral. É tratar a vontade das pessoas com jeitinho.
Oh boy!
João e David Bengelsdorff de volta aqui: Small Church.
Samuel Úria de volta aqui: Minha é a vingança.