sexta-feira, setembro 24, 2021

Coisas que o jejum ensina

Temos estado a fazer um pequeno jejum às quintas-feiras para na Igreja da Lapa nos dedicarmos mais à evangelização e oração. Sou um fraco jejuador apesar da forte aparência de o ser. Qualquer escanzelado passa por beato quando o assunto é jejum. A minha experiência em jejuar é ténue mas tem-me ensinado algumas coisas.

Ainda ontem o Filipe Sousa partilhava que, estranhamente, o jejum lhe complica o tempo de oração mas que isso o faz orar com mais intensidade e sinceridade. Portanto, o jejum atrapalha-o mas essa atrapalhação faz com que ele precise mais de Deus e se comporte de acordo com essa necessidade.

E isso leva-nos a um paradoxo interessante do jejum. O jejum quebra a normalidade de sermos pessoas alimentadas. Pessoas por alimentar são pessoas sem futuro. Sem comida morremos. Mas a verdade também é que essa normalidade de estarmos alimentados esconde algumas coisas essenciais acerca de nós. Sem comida temos de nos encarar como gente carente, à rasca, condenada. E quando nos descobrimos gente sem futuro procuramos por um que nos mantenha além do mantimento.

Precisamos de comer mas também somos além do que comemos. Quando uma coisa tão essencial como a comida me falta, o que descubro acerca de mim? Esfomeado sou tudo o que existe além do meu apetite saciado—e há muito que existe em mim além da barriga cheia. O paradoxo do jejum passa por descobrir a vida que existe independentemente de estar alimentado. A tradição cristã ensina que há um conhecimento de nós próprios que só existe na fome.

O jejum mostra-nos que um apetite saciado não tem monopólio sobre a nossa identidade. Não é, por isso, por acaso que a oração do Pai Nosso assuma tão frontalmente que somos criaturas absolutamente dependentes do Criador, não só porque as nossas barrigas precisam de se encher, como até o seu enchimento depende dele. Se sentimos mais que precisamos de Deus no jejum, até a ausência de jejum só acontece porque, precisando do Pai, ele nos dá o pão de cada dia. O paradoxo do jejum é assumires-te nele como mais carente de Deus e, consequentemente, assumires que até quando tens a barriga cheia careceste de Deus para que pão te chegasse.

O jejum alerta-nos. Pão pão mesmo só Deus é. Pão da vida. Desta vida aqui que mesmo saciada é uma fome crescente de Deus. Não é à toa que vamos em direcção a um grande banquete na eternidade.

terça-feira, setembro 21, 2021

50 anos

Uma das melhores coisas que me foi dada é ser filho de uma experiência de fidelidade com agora meio século de idade. Parabéns Papá e Mamã! Deus vos abençoe. Eu, a Rute e a Sara agradecemos muito o vosso exemplo.



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O sermão de Domingo passado, chamado "Temos medo de ser realmente livres", pode ser ouvido aqui (ou no Spotify).

A liberdade é o que começa quando Deus chega até ti

sexta-feira, setembro 17, 2021

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O sermão de Domingo passado, chamado "Aceita o poder de não poderes tudo", pode ser ouvido aqui (ou no Spotify).

segunda-feira, setembro 13, 2021

Quando a tua liberdade é uma fantasia

sexta-feira, setembro 10, 2021

A pobreza de amar o pobre de hoje

Uma das nossas ignorâncias é tomar o pobre de hoje como o pobre de ontem. O pobre de hoje é uma invenção recente. O pobre de hoje tende a suscitar a nossa simpatia precisamente pelo facto de não ser o pobre de ontem. Fosse o pobre de hoje o pobre de antigamente e ninguém se preocuparia em ajudá-lo. Pelo contrário, promoveriam a maior distância dele.

Antigamente o pobre era a pessoa aparentemente maldita, que apenas era pobre, claro está!, pelo facto de estar a colher o que semeou. Desde que o mundo é mundo que instant karma é uma convicção generalizada. Nas civilizações arcaicas a pobreza era, inevitavelmente, um sinal de algum tipo de castigo, fosse mais ou menos relacionado com a acção divina. Nesta medida, era pobre quem merecia pobre ser. Passar pela maldição de não ter era ter alguma responsabilidade nisso.

O pobre de hoje é uma criatura diferente. O pobre de hoje é uma romantização da ausência da responsabilidade que antes lhe era pedida. O pobre de hoje é fundamentalmente alguém que não tem culpa do pouco que tem porque o pouco que tem tem a ver com fundamentalmente tudo excepto ele (entra a causa sistémica). O pobre de hoje é tão facilmente amado pela razão de não ter quase nada a ver com o pobre de ontem: o pobre de hoje é visto como um inocente na mesmíssima proporção em que o pobre de ontem era visto como um culpado.

Qual é uma das implicações práticas disto nos nossos dias? As pessoas que exprimem amor aos pobres podem não exprimir essencialmente nada além do amor aos inocentes. Nessa medida, amar o pobre, sendo amar o inocente, não acarreta nenhum tipo de empenho especial. Naturalmente amaremos todos os que nos parecem livres de culpa. Um inocente merece-nos condenação? Dificilmente.

Mas o pobre de antigamente era visto como mais próximo da culpa do que da inocência. Pobreza era uma espécie de maldição merecida. Amar os pobres, como o judaísmo e o cristianismo sugerem, era realmente contra-intuitivo porque geralmente não é atraente amar culpados. Daí o impacto das palavras de Jesus no sermão do monte, aqui muito parafraseadas: “amar os nossos, que temos como tão bons como nós? Parabéns! Que tal amar os que nos parecem realmente maus? Pois, bem me parecia que essa era outra conversa…”

O que suscita uma inquietação: quem hoje mais ama o pobre não pode, ironicamente, estar a amar-se fundamentalmente a si mesmo a partir de uma idealização da sua própria inocência que, neste caso, estende ao outro? Se eu pensar que maldito é o rico, amar o rico hoje torna-se a actualização de amar o pobre antigamente. Se amar o pobre no passado corresponder efectivamente a não cultivar a indiferença por alguém que me suscitava algum tipo de justa repugnância, então amar hoje quem mais me repugna poderá corresponder ao valor que estava em causa quando antes se amava um pobre.

Diz-me quem te repugna e dir-te-ei quem é realmente o pobre para ti.

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O sermão de Domingo passado, chamado "Nada vês sem Génesis 3", poder ser ouvido aqui (ou no Spotify).

terça-feira, setembro 07, 2021

Juízos

É assinalável que uma época com dificuldade em acreditar no Juízo Final viva em tantos outros tão consecutivos.

segunda-feira, setembro 06, 2021

Nada vês sem Génesis 3

sexta-feira, setembro 03, 2021

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O sermão de Domingo passado, chamado "O poder em ser manso", pode ser ouvido aqui (ou no Spotify).

quarta-feira, setembro 01, 2021

Setembro começou—e a minha leitura anual da Bíblia também!

Quando se lê Génesis 1 vemos o vazio e a ausência de forma ligados às trevas. É neste contexto que criar contornos se torna positivo. E a contornar começa Deus! Há uma maneira certa de separar coisas: uma coisa sendo uma coisa e outra coisa sendo outra coisa. Para uma época assustada com distinções, o Génesis 1 é maravilhosamente assustador.

Curiosamente, o homem é a primeira coisa que, sendo diferente das outras coisas, tem uma semelhança com Deus (v. 26). Sendo como Deus, ele é chamado a exercer domínio. E tudo isto é visto como bom (v. 31).

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Em Génesis 2, a história da criação não é apenas para ser assistida; é para ser vivida—é para isso que o sétimo dia existe. Não descansar é esquecer a história de tudo.

Sem pó não há homem e sem o sopro de Deus não há homem também. Somos essencialmente pó e ar (v. 7).

Vida e conhecimento não são a mesma coisa. A história da criação ensinam uma separação entre ser e saber. Ter fé, a verdadeira forma de saber quem Deus é, virá desta distinção (v. 9).

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Para que o homem não fique sozinho, é preciso que haja uma separação dentro dele: eis a mulher (v. 23)! Não aceitarmos que Deus separe coisas dentro de nós separa-nos dele: torna-se uma solidão eterna. Homem e mulher afirmam o plano de Deus para o que comunhão deve ser.

A mulher, sendo o produto de Deus uma vez mais separar coisas, traz maravilha: Adão não cabe em si mesmo (v. 23)! A história da criação é, neste sentido, um relatório das maravilhas de estarmos juntos através de sermos diferentes.

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When you read Genesis 1 you see void and the absence of form coming hand in hand with darkness. It is in this particular context that creating outlines becomes something very positive. And outlining starts God! There is a good way of separating things: one thing being one thing and another thing being another thing. For an age afraid of distinguishing things, Genesis 1 is wonderfully scary.

Interestingly enough, man is the first thing that, being different from the other things, carries a resemblance to God (v. 26). Being like God, he is called to exert dominion. And all of this is good (v. 31).

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In chapter 2, this creation story is not just to be known; it is to be lived—that is what the 7th day is for. Not resting is to forget the story of everything.

Without dust there is no man and without God’s breath there is no man: we are mostly dust and air (v. 7).

Life is not the same thing as knowledge. The creation story teaches a primal separation between being and knowing. Having faith, the authentic way of knowing God, will come from this distinction (v. 9).

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So that man should not be alone it is needed a separation inside its own nature: enter woman (v. 18). Not accepting that God divides things in us is to separate ourselves from Him: it becomes eternal solitude. Man and woman affirm God’s plan for communion.

Woman, being the product of God once more separating things, brings wonder: Adam is above himself (v. 23)! The creation story is, in this sense, the report of the marvels of being together through being apart.

Insatisfação garantida