Poste aberto a Eduardo Prado Coelho
Ponto prévio: simpatizo com EPC. Foi meu professor e é uma pessoa socialmente interessantíssima, acessível a estimulante. Relembro uma ocasião que, perguntando-lhe por uma nota, ele me referiu que o trabalho estava bom mas muito mal escrito. A sua gentileza e sentido de justiça permitiram que ouvisse tal frase sem sequer colocar em causa a autoridade do professor para a proferir.
Parece que em determinado círculos falar mal de EPC é garantia de granjear simpatia imediata. Desprezo tal ascensão.
Reconheço que, e sem grandes rigores cronológicos, EPC era, até esta altura, maioritariamente pouco contradito: os
blogues têm vindo a desfazer a aceitação semi-consensual das suas elocuções. Ora, acredito que este facto ganhe ressonâncias emocionais no colunista (porque é da sua humanidade que falo).
Já referi uma vez que Portugal vive simbolicamente sob o espaço permitido pelos seus próprios sacerdotes, ainda que goste ingenuamente de se pensar país laico (a tal ausência da Reforma Protestante faz todo o sentido). A participação política necessita sempre, no nosso país, de um selo conferido pelos agentes desta sacralização externa. Quando a ética calvinista ainda é interpretada como rastilho de
capitalismo desenfreado (seja lá isso o que for) os factos ficam à vista... Ora, os
blogues vieram esbater esta atribuição de crédito consagrada também na imprensa que temos (que se comporta paroquialmente).
Urge perguntar: a partir de que altura estou eu autorizado a escrever sobre o que me apetece? Após completar
tarefas modestas, uma recensão a um livrinho sem importância, um acontecimento musical, a reportagem de uma viagem às Maldivas? Depois de estabelecer o tal um
pacto de confiança com os leitores?
Por exemplo: eu que faço um trajecto estranho à cultura do jornalismo por aqui existente, sendo evangélico e não de esquerda, e sendo este mesmo jornalismo especificamente adverso aos pontos de vista que procuro comunicar (e isto não é teoria da conspiração - deixo-as para os bardos roncadores do socialismo-
chic) como posso ter acesso ao debate das
res publica? (O Pedro Mexia referiu-se com propriedade ao problema no seu artigo do DN de 29 de Julho.)
Agrada-me a prudência de grande parte dos jogos sociais. Desconfio do deslumbramento que reconheço que me tem contagiado esta história dos blogues. Mas o sábado foi criado para o homem e não o oposto.
Termino mencionando o parricídio edipiano sugerido por Lúcia Guimarães que Pedro Rolo Duarte repescou no DNA e aproveitando igualmente a referência a Kierkegaard: considerem esta coisa da blogosfera uma espécie de desforra pelos hipotéticos efeitos sociais nefastos do quase-sacrifício de Isaque por Abraão. Depois dos pais pegarem na faca, é a vez dos filhos.