terça-feira, julho 31, 2012

Ouvir
Não somos nós que fazemos pelas viúvas pobres. São as viúvas pobres que fazem por nós, enquanto símbolo perfeito de graça divina, de dar tudo quanto se tem.
O sermão de Domingo passado aqui.

segunda-feira, julho 30, 2012

Da Trindade
Comecei a ler "Da Trindade" do Agostinho (não o português dos gatos que não tinha BI mas o santo) e, como podem calcular, quando se faz silêncio até ouço partes do meu cérebro a ranger. Quando se lê o Doutor Africano não há ferrugem que resista. Ele é um verdadeiro professor da Ressurreição, permitindo que largas porções dos miolos mostrem vida quando nem as conhecíamos activas. Como qualquer pessoa que nos faça pensar, Agostinho surpreende não só pelas coisas que nos parecem novas mas também pelo bom efeito que tira das velhas. Ainda vou apenas no primeiro livro ("Da Trindade" compreende 15 livros) mas o impacto já é grande. Hoje, quando terminava umas quantas páginas, saí quase escandalizado por Agostinho tratar a Bíblia como um sítio onde o leitor só deve parar quando encontra sentido. Pensei: afinal o que separa Agostinho de qualquer comum pregador evangélico? Nada, arrisco.
Se como eu tiverem passado algum tempo aprendendo a desaprender, é natural que se torne chocante cada encontro com pessoas que persistem acreditando que aprender é possível. Não quero cansar com o constante ajuste de contas com o meu passado, refrão tão repetido, mas a verdade é que não consigo resistir a esse ritmo. E também não consigo resistir a dançar com a nova batida. Na prática ainda estranho ler pessoas que acreditam no que escrevem porque passei demasiado tempo a ler as outras. Sem dúvida que o Chesterton foi uma tropa de elite de resgate porque os seus paradoxos atraem quem ainda tem medo de algum tipo de sentido fixo. Mas por isso é tão importante, para quem gosta do Chesterton, prosseguir o caminho para o significado dos seus paradoxos quando esse significado deixa de depender do agradável efeito do paradoxo (isto não quer dizer que há um momento em que o paradoxo perde a sua verdade mas que o valor da verdade de um paradoxo é superior ao facto de se manifestar assim, paradoxalmente). Um dos feitos mais notáveis de Chesterton é abrir-nos para a democracia dos mortos, a expressão com que graciosamente cunhou a tradição, e dar-nos a sede de conhecermos os protagonistas de dois mil anos de raciocínio cristão. Inevitavelmente, espero, teremos de chegar a Agostinho. E, já não nos surpreenderemos que o agudo pensamento do argelino não precise de dispositivos amaciadores como o paradoxo literário, possível mariquice de uma tal época em que o ensino oficial é a desaprendizagem. Ou seja, se vais ler o Agostinho prepara-te para que as palavras que ele usa estarem imediatamente ligadas ao que ele quer dizer. Nós, embasbacados, quase que fazemos xixi pelas pernas abaixo, assustados com uma revolução epistemológica deste calibre a acontecer-nos diante dos olhos. Bárbaro.
Quando comecei a ler aquele que é hoje o meu herói John Piper, lembro-me que foi custoso que a cada parágrafo dos seus livros fosse sugerida uma ideia com sentido. O estilo seco não era propriamente atraente mas o que realmente doía é que John Piper acreditasse tanto que era possível pensar com lógica com tanta frequência. Extrair significado parece-nos um luxo e de repente deparamo-nos com homens que descobrem ouro em qualquer calhau. Já não estamos habituados. A ironia é que ler "Da Trindade" de Agostinho não é muito diferente de ler John Piper. Escritores que pegam em versículos bíblicos para os compreenderem. E com isto não significa que estamos na presença de literalistas. Ainda a semana passada escrevia que Agostinho talvez tenha desequilibrado a leitura bíblica medieval que o seguiu a favor de uma abordagem demasiado figurativa (uma das lições de "Hermenêutica Retórica" de Manuel Alexandre Júnior). Neste exemplo concreto, Agostinho está num dos assuntos tidos como mais complexos da fé cristã, a relação entre Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo, três pessoas distintas que são um só Deus. Soa-nos criminoso que consiga perceber tanto acerca do tema, apenas a partir da Bíblia.  Boa parte da popularidade da palavra "mistério" nos nossos dias vem, creio, de um reconhecimento que o nosso raciocínio tem limites mas também, receio, de uma preguiça intelectual. Se muitos territórios da nossa fé se tornarem misteriosos deixamos de precisar de a defender. É porreiro.
Não sugiro um Delorean para regressarmos ao Passado. Bem sei as vantagens de ler Agostinho tendo o tempo de Agostinho a 1600 anos de distância. Quando no Expresso passo pela página do António Guerreiro não preciso de chorar por Jerusalém (um cronista tão impenetrável quanto inimputável - para cada fenómeno social que comenta declara a destruição de mais um dogma). Conviver com pessoas que são pagas para suspeitar só torna o trabalho dos que vivem para acreditar mais animado. Afinal, crer num sentido das coisas está tão ilegalizado que o negócio se torna bastante tentador. Como diria o transgressor Agostinho: "as Escrituras não falam de um modo que não se encontre na linguagem humana, porque elas falam certamente para os homens." Ler para aprender: quem diria.

sexta-feira, julho 27, 2012

Para este Domingo
Um Messias divino a ir até aos homens esbarra de frente com a expectativa que tinham que seriam eles, aqueles escribas, a reconhecer o Messias humano. Este Mestre mostra-se naquele momento demasiado à vontade com os assuntos que os religiosos cristalizam num futuro desconhecido.

quarta-feira, julho 25, 2012

Hermenêutica Retórica de Manuel Alexandre Júnior
Sabem aqueles lugares tão próximos do sítio onde crescemos que acabámos por nunca visitá-los? Os monumentos que vimos quase diariamente que não chegámos a conhecer? Por exemplo, o Cristo-Rei, visitei-o pela primeira vez há uns meses, trinta e quatro anos depois de olhar para ele. O Samuel Úria tem um exemplo melhor ainda: na casa centenária onde cresceu há uma pequena salinha no sótão em que nunca entrou. Não por medo ou reverência. Porque simplesmente nunca lhe apeteceu entrar. Até eu à terceira visita que lhe fiz estive onde ele acabou por não estar. É mais ou menos o mesmo fenómeno que senti até ler "Hermenêutica Retórica" de Manuel Alexandre Júnior. Para a maioria dos Baptistas portugueses Manuel Alexandre Júnior é o Pastor Alexandre, um dos nossos ministros mais insignes. Trabalhou em algumas igrejas espalhadas pelo País mas nas últimas décadas serve a Igreja Baptista da Amadora. Foi Director do Seminário Teológico Baptista (durante todo o tempo em que o frequentei). Simultaneamente é Professor Catedrático na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, no Departamento de Estudos Clássicos. Talvez por conhecer desde sempre o Pastor Alexandre nunca tinha me dado ao trabalho de ler um dos seus livros, dos quais tinha a noção. Até que há um mês o meu primo Timóteo Cavaco me ofereceu a tal "Hermenêutica Retórica" (da Editora Alcalá que nos deixou tantas saudades). E pensei: é hora, vamos a isso! (Recado para o Sami: por favor entra naquela salinha enquanto podes!)
Se colocamos os termos "hermenêutica" e "retórica" longe dos nossos interesses, vale a pena repensar as distâncias. Falar acerca da nossa relação com um texto é, em último grau, falar acerca da nossa relação com a vida. É isto que acredita toda a gente que se dedica ao assunto, independentemente de poderem chegar às conclusões mais díspares. Quer a Antiguidade Clássica quer a contemporaneidade chamada pós-moderna atribui importância à leitura porque a leitura é parte essencial de nos conhecermos enquanto pessoas vivas. Por alguma razão achamos o analfabetismo um problema. Os cidadãos não morrem à fome por não saberem ler mas vivem pior se não tiverem meio de o fazer. "Hermenêutica Retórica" vale em primeiro lugar por continuar crendo na urgência das letras para uma vida melhor.
É quando começamos a usar palavras como "melhor" que muitos pensadores de agora começam a sentir comichão. E o livro de Manuel Alexandre Júnior está relacionado com essa e outras comichões. "Quando os antigos dizem que a retórica é a arte de bem falar, fazem-no na consciência de que, para se falar bem é necessário pensar bem, e de que o pensar bem pressupõe não só ter ideias e tê-las lógica e esteticamente arrumadas, mas também ter um estilo de vida, um viver em conformidade com o que se crê." O que aqui está em causa é recuperar uma inteireza que a retórica original promoveu, e rejeitar a visão utilitarista que faz dela uma suposta inimiga da sinceridade. Basta vermos a maneira como a empregamos no nosso discurso corrente, tingida de um divórcio entre forma e conteúdo que transforma pessoas bem-falantes em suspeitos de crimes. Manuel Alexandre Júnior empreende um percurso histórico desde os gregos até à era de todos os pós, sugerindo que ainda é cedo demais para desistirmos de acreditar no sentido de um texto. Pelo caminho sugere uma reflexão pertinente e aguda sobre o casamento fértil de Jerusalém e Atenas ("a fecundação mútua do logos grego e da sabedoria hebraica"), o excesso metafórico da leitura medieval (Agostinho, amamos-te mas tiveste alguma responsabilidade nisto), e a zonzura marrona de agora (é impressionante a capacidade que MAJ tem de apontar debilidades a autores como Derrida sem nunca perder a elegância - eu não seria capaz).
Curiosamente tive acesso a algumas partes do texto de "Hermenêutica Retórica" durante o ano que frequentei a cadeira de Hermenêutica do Seminário Teológico Baptista de Queluz, que o próprio Pastor Alexandre dava. Mas naquela altura faltava-me outra tranquilidade e uma maior resistência aos encantos dos porta-vozes do cinismo reinante que o curso de Ciências da Comunicação da FCSH me dava na Avenida de Berna. Este livro deveria ser obrigatório para todos os estudantes de Literatura e afluentes. Manuel Alexandre Júnior é um autor que deveria ser mais conhecido porque aquilo em que acredita promove a inteligência de todos. Numa época que faz da humildade epistemológica uma passadeira para o absurdo, homens que se colocam perante o escrutínio do sentido deveriam ser mais lidos e ouvidos.


terça-feira, julho 24, 2012

Ouvir
Toda a Bíblia é clara na urgência que sugere: é preciso adorar Deus. Mas toda a Bíblia sugere uma suspeita acerca da adoração: até que ponto uma adoração sofisticada se torna inimiga de uma adoração sincera?
O sermão de Domingo passado aqui.

segunda-feira, julho 23, 2012

Crítica literária, passo 1
Nos últimos tempos andamos a fazer um esforço para que a nossa Maria de oito anos leia mais. Não é fácil e basta recordar-me de mim naquela idade, dividido pela leitura me causar tanto prazer quanta preguiça, para reconhecer que é uma tarefa delicada. Mas a Maria mostra efectivamente um inclinação para as letras. Daí ter-lhe pedido que depois de ler "Lote 12, 2º Frente" da Alice Vieira me fizesse uma recensão, para mostrar ao seu Pai o que tinha apreciado no livro e aquilo que talvez não tivesse apreciado. Segue textualmente o que me escreveu:

Título: Lote 12, 2º Frente
gostei: de tudo, em todas as partes em que a Mariana falava, a Rosa, a mãe e o pai.
não gostei: nada, gostei de TUDO!
Maria/Papá
20/06/2012


No que a crítica literária diz respeito, é um começo. Nas minhas maiores aspirações imagino a minha Maria com o talento da Flennery O'Connor e a longevidade da Agustina (o oposto só não seria tão animador porque a Flannery partiu demasiado cedo). Agora é confiar que a Providência tem tudo tratado. Insistindo no tal hábito da leitura e ponderando a possibilidade que o sucesso do seu caminho não dependa necessariamente das letras. O futuro é aberto.

sexta-feira, julho 20, 2012

Dez Anos
A juventude da Igreja Baptista de São Domingos de Benfica que anda a casar neste Julho ambicioso tem escolhido as ilhas gregas como destino de Lua-de-Mel (isto não significa que a nossa igreja tem um pacote de casamento incluindo romance mediterrânico após a boda). Eu e a Rute, que temos tido o privilégio de preparar esses rapazes e raparigas em aconselhamento pré-matrimonial, ficamos quase tão entusiasmados quanto eles quando imaginamos o cenário. Grécia, uau!
Hoje, que fazemos 10 anos de casamento podemos dizer que, mesmo sem nunca termos pisado o solo da Grécia, temos um casamento grego. Um casamento que se alimenta de palavras escritas no velho grego, tantas vezes enviadas a igrejas gregas. Por exemplo, o texto da Carta de Paulo à Igreja de Éfeso (hoje no território da actual Turquia) no capítulo cinco é uma das bases do que tentamos ensinar acerca do casamento. Têm sido dez anos em que o que aí e noutros sítios lemos nos corrige quase continuamente. A alegria do nosso casamento é proporcional à capacidade de ser transformado numa coisa diferente. Cada vez mais próxima da história de amor original que acontece entre Jesus e a Igreja.
Claro que me agrada a ideia de um dia, permitindo Deus, passar do enquadramento greco-teológico do nosso casamento para o enquadramento balnear (que as Escrituras não condenam). Mas se isso não acontecer posso afirmar de antemão que a felicidade que vivemos não deve nada às maravilhas do Mar Mediterrânico. Deus é muito bom e estes dez anos também.


quinta-feira, julho 19, 2012

Histórico
É fácil saber através da nossa imprensa os feitos históricos de Obama. Mas é difícil saber através da nossa imprensa os feitos históricos de Obama que são defeitos históricos. Católicos e evangélicos juntam-se para processar o Department of Health and Human Services. Porque acreditam que the government cannot force Christians to purchase abortion-inducing drugs for their employees.

terça-feira, julho 17, 2012

Ouvir
Os Saduceus são os racionalistas da altura. Fazem uma pergunta a Jesus àcerca de Céu e Casamento, numa de demonstrar que o conceito de Ressurreição é ridículo. De cada vez que os cristãos se enganam sobre o Céu e vivem mal o casamento, ainda que involuntariamente, também acabam por afirmar que a Ressurreição é ridícula.
Um sermão possivelmente duro mas necessário. Pode ser ouvido aqui.

segunda-feira, julho 16, 2012

Deus, a Biografia
A maneira que os americanos têm de publicitar um livro não é muito diferente da maneira que têm de publicitar um filme. Daí que é possível pegar num volume e, passando os olhos pelas citações dos críticos impressas na capa, ficar com a mesma sensação que temos depois de vermos um trailer muito eficaz. "God, A Biography" de Jack Miles vem com um distinto "Winner Of The Pulitzer Price" e remata com a sentença derradeira do New York Times: "A scintillating work of literary scholarship that will forever color, if not donwright alter, our conception of the Bible as a work of art... Dazzling." O leitor mais sugestionável, como eu, fica imediatamente esmagado pela culpa de ainda não ter lido o que só agora acaba de conhecer (a boa publicidade é habilidosa com o remorso). Neste caso, como foi possível estar desde 1995 ignorando este título? Valeu-me o meu fiel amigo e companheiro, Luís de Sá, a estudar nos Estados Unidos para ser um ministro católico, que me ofereceu um exemplar por ocasião da minha Consagração ao Pastorado.
Jack Miles propõe-se apreciar o Velho Testamento (a Bíblia Hebraica, para sermos mais exactos) de uma perspectiva puramente literária. Procura a personagem principal, Deus, para compreendê-la ao longo de toda a acção dos diferentes textos que compõem o cânone. Vai partilhando as suas impressões e tentando descrever a figura, o Criador, nos seus triunfos e percalços. No nosso tempo é mais atraente chamar a atenção para o Senhor a partir de uma observação descomprometida e, nesse sentido, o dispositivo de Miles é terrivelmente competente. Abrir o grande livro sagrado e lê-lo de uma maneira não-sagrada. Toda a aclamação que "God, A Biography" arrebanhou vem da perfeição como mantém esta engenhosa máquina a funcionar. Ler as linhas da Bíblia Hebraica suspendendo o facto daquelas linhas serem a Bíblia Hebraica pode ser para muitos o único modo de relacionamento com a matéria em causa. E é difícil que os fregueses saiam descontentes porque o talento de Jack Miles é irresistível. Até um miúdo crescido nos bancos da Igreja, como eu, se deslumbra com a argúcia dos comentários e com a ironia fina da observação em causa. Com todo o prazer acrescentaria mais um comentário deslumbrado à campanha publicitária que vende "God, A Biography" (e acabo de constatar com surpresa neste momento que o livro já foi editado pela Presença em 1997 - onde tenho eu vivido?).
"God, A Biography" é um exercício mais excelente na opinião do que na ortodoxia. Certamente porque na sua erudição Jack Miles não encontra problemas com muitas teses que são, para um evangélico como eu, problemáticas. Como o próprio autor reconhece, há um risco de psicologização. E uma psicologização fácil redunda em arbitrariedade de mirone. Observar descomprometidamente pode ser divertido mas volta e meia não passa de pura distracção. Quando se olha para Deus como se se olhasse para outra coisa qualquer pode descobrir-se coisas que por vezes a reverência religiosa parece tapar mas, por outro lado, também se pode ficar à mercê da primeira sombra provisória. Quantos de nós não começamos a sentir que os escritores que rejeitam à partida uma teoria prévia acabam teorizando compulsivamente sobre qualquer vírgula? O ponto mais fraco que encontrei em "God, A Biography" é, ao chegar ao fim, calibrar numa leitura muito particular do Livro de Job o núcleo da sua tese. Basicamente Miles afirma que Deus, a personagem principal da Bíblia Hebraica, é imprevisível e algo mutante. Numa espécie de esquizofrenia funcional (um sagrado pós-moderno com que os nossos dias se penteiam embevecidos), a Divindade soma conflitos de personalidade, resultado de um processo antropológico de osmose com outros deuses da zona (babilónicos, persas, etc.). Assim, é claro para Jack Miles que o Deus da Bíblia Hebraica é o Deus que os escritores canónicos mais consciente ou inconscientemente engendraram, tornando-se uma figura única onde o seu final só não termina em tragédia porque a comédia divina o resgata. Para que a teoria de Miles funcione é preciso ler o Livro de Job não terminando com as palavras de arrependimento de Job mas terminando com as palavras de arrependimento do próprio Deus, já um bocado perdido na sua vocação divina. Miles oferece uma argumentação para isso mas, ainda assim, soa algo gnóstica, em jeito de chave leitura resgatada a partir de uma compreensão diferente de uns poucos versículos.
"God, A Biography" é, ainda assim, uma leitura muito recomendável a todos os estudantes da Bíblia. Ler a Bíblia em modo de face-value também faz falta aos que tantas vezes acumulam nos ombros mais a ferrugem que a solidez das boas tradições teológicas. Nessa abordagem algo imediatista é possível sair dos confortos das leituras alegóricas, que suavizam à força as rugas do texto bíblico. "There is always another god to whom, at will, the incompatible may be transferred. It is not so for the devotee of the Lord God. Everything redounds to the Lord's credit. Everything also redounds to his blame. He has no cosmic opponent but himlsef." Miles não domestica o Deus do Velho Testamento e isso é notável. Pega-o de caras porque já não dá para evitá-lo. Sentir-lhe o impacto doloroso pode ser o primeiro passo para louvá-lo.

quarta-feira, julho 11, 2012

O meu primeiro Casamento
 













Começar graciosamente.

A fotografia é da minha mulher.

terça-feira, julho 10, 2012

Ouvir
É a nossa própria definição de dar que é colocada em causa por Cristo. Segundo este texto nós não damos nada. Apenas devolvemos. Toda a nossa relação com as coisas que temos merece uma nova perspectiva a partir do momento em que algumas pertencem a César e outras a Deus.
O sermão de Domingo passado aqui.

segunda-feira, julho 09, 2012

O Casamento da Joana e do Joel
Leitura de Efésios 5:15-33
Às vezes ler a Bíblia assusta-nos quase tanto quanto nos assusta o casamento. E isto não é uma coisa má: que a Bíblia não nos poupe dos sustos. Se eventualmente alguém tem a ideia que a Bíblia é um bom livro para se ler e ficar bem-disposto, para em caso de desespero adquirir uma alegria instantânea, então é porque ainda leu muito pouco a Bíblia. Nas páginas das Escrituras os amantes não correm na praia para os braços uns dos outros em câmara lenta. Talvez não falte quem procure desesperadamente os excertos bíblicos que mais se assemelhem mas a verdade é que quando fala do casamento, a Palavra de Deus não engana ninguém. O casamento aparece tão maravilhoso quanto exigente. Por isso é natural que ao lermos estas linhas da Palavra o tal sobressalto aconteça. Qual é a noção de casamento que o cristianismo defende, afinal de contas?
Ao lermos um texto destes pode acontecer que tenhamos mais medo que o casamento corra bem do que corra mal. Num casamento é fácil que coisas corram mal. Não é preciso muito trabalho para que isso aconteça. Por outro lado, os sinais que aqui na Palavra nos são dados acerca da saúde de um casamento podem parecer, à primeira vista, piores que a doença. Basta voltar a ler. Sujeição uns aos outros (no verso 21)? Submissão ao marido (no verso 22)? Sacrifício pela mulher (no verso 25)? Como nos sentimos animados para uma coisa que parece tão pouco sedutora? O que procuram, afinal, a Joana e o Joel neste dia?
Porque acreditamos que a Bíblia é uma testemunha fiel da vontade de Deus, procuramos nela os contornos do casamento. E do Génesis ao Apocalipse uma coisa é indesmentível: foi Deus que inventou o casamento e o casamento é uma coisa maravilhosa. Se formos ao relato da Criação, logo no iniciozinho, encontramos o Criador a repetir: "isto é bom." Deus cria a luz e diz: é bom. Deus cria a Terra e o Mar e diz: é bom. Deus faz a erva, as árvores e as sementes e diz: é bom. Deus cria o sol e a lua e diz: é bom. Deus cria os peixes e as aves e diz: é bom. Deus cria os animais da terra e diz: é bom. Deus viu tudo o que tinha feito e disse: é muito bom! Deus viu o homem sozinho e disse: não é bom. E resolveu o assunto criando o casamento. O casamento é muito bom, segundo toda a Bíblia, porque é uma ideia de Deus e tira as pessoas da solidão.
Todos os homens que casam com mulheres, independentemente de acreditarem em Deus ou não, usufruem de uma ideia dele. É isso que os cristãos acreditam. A felicidade que um casamento pode oferecer está ao alcance das pessoas que têm fé e das outras também. Mas é verdade que as pessoas que têm fé no Deus na Bíblia olham para o casamento sabendo que a felicidade que ele proporciona tem um objectivo maior. Deus quer que os homens e as mulheres casem porque Deus quer que, num certo sentido, os homens e as mulheres casem com ele. As histórias de amor que celebramos num casamento alcançam o seu significado final quando essas histórias celebram uma história maior: a história de amor entre esses noivos e Deus.
Quando nos juntamos neste dia celebramos mais do que a história de amor da Joana e do Joel, bonita que já é. Hoje não atribuímos um prémio à Joana e ao Joel por esse par elegante e gracioso que eles formam. E não os condecoramos porque os prémios são para o final da carreira, não para o início. Hoje não os felicitamos por um romance notável, aquilo que na maior parte das vezes podemos achar que é a condição necessária de um bom casamento. Talvez por isso sejamos uma geração com tantas dificuldades em viver casada: estamos tão obrigados a ser felizes que a felicidade se torna um fardo. Acontece, como dizia, que um casamento não é o culminar de uma grande história de amor. Apenas o seu começo.
Hoje estamos juntos para celebrar o casamento da Joana e do Joel que, por sua vez, celebra o casamento de Cristo com aqueles que ama, a Igreja. Podemos e devemos celebrar hoje com a Joana e com o Joel porque celebramos Cristo. Nos Jotas de Joel e Joana tem sempre de estar o Jota de Jesus. Por essa razão nós olhamos para estas palavras da Bíblia não como uma tarefa pesada mas como um trabalho que vale a pena. A Joana submetendo-se, como a Igreja perante Cristo. O Joel sacrificando-se, como Cristo pela Igreja. Em tudo submetendo-se mutuamente e servindo um ao outro, como explica o verso 21. A entrada de Cristo neste casamento não é uma intromissão. Jesus não chega para desmanchar o prazer mas para pô-lo a funcionar. É a distância de Jesus o método mais rápido e infalível de matar a alegria de um casamento e, em último grau, matar o próprio casamento.
Os cristãos não acreditam que um casamento se suporta. Acreditam que um casamento se saboreia. O próprio Jesus, que fez o seu primeiro milagre público num casamento, não permitiu que o vinho acabasse. Onde Ele está o paladar fica satisfeito. O cristianismo é a religião dos casamentos. Ansiamos por casamentos! Porque em cada casamento provamos a fidelidade de Deus e antecipamos o maior casamento de todos que viveremos na Eternidade: o da Igreja com Cristo. Estaremos juntos com o Nosso Pai!
Este é um dia de grande alegria porque a Joana e o Joel vivem uma grande alegria. E esta grande alegria deles é apenas uma maquete desta alegria maior que temos em Cristo. Hoje, nós, que os acompanhamos, somos obrigados a esta mesma disciplina bíblica: sermos alegres.

sexta-feira, julho 06, 2012

Aborto
Apercebi-me através de uma pequena reportagem na RTP que ontem o PSD propôs uma taxa moderadora a quem use repetidamente o aborto como método de planeamento familiar (creio que foi isto). A discussão acendeu-se e os ânimos foram pelo mesmo caminho. Provavelmente vi apenas os soundbytes e reconheço que tenho de estar mais atento ao assunto.
Vi que a Teresa Caeiro teve algum destaque no debate tratando a Interrupção Voluntária da Gravidez (o nome político para o aborto, provavelmente uma vitória maior que a própria lei) como um mal necessário. Apesar de admirar o desassombro da Teresa Caeiro no debate, discordo da sua posição. Há pessoas que, como eu, não vêm o aborto como um mal necessário mas como simplesmente um mal. Para nós o facto do aborto ser hoje um direito civil não derreteu a ideia que dele temos como uma coisa terrível. Para ser absolutamente claro: na minha perspectiva ética e de outros, o aborto é um crime que a Lei Portuguesa actualmente possibilita. Porque na nossa apreciação do problema, nenhum sofrimento relacionado com o aborto (e admito o sofrimento das mulheres que abortam) ultrapassa o sofrimento maior da morte das crianças no útero das suas mães.
Suspeito que parte das pessoas que foram contra o aborto sente-se aliviada que a sua posição tenha perdido. Porque a tarefa difícil que é defender convicções na praça pública parece no momento da derrota desnecessária. E todos os que nos envolvemos nesse debate sabemos que custa divergir de pessoas que respeitamos e amamos. Alguns saem meio traumatizados com discussões que tiveram com amigos achando que àquele lugar não querem mais voltar. Mas deixar de lutar por ideias pelo facto de que os nossos amigos que não as têm ficam escandalizados connosco parece-me um modo triste de revelar que essas ideias não são assim tão importantes para nós. As convicções vêem-se no que nos custam junto dos que nos são próximos mas distantes delas. Creio que o mesmo fenómeno acontece em casos como o casamento homossexual, onde muitos do que a ele se opõem estavam ansiosos para que fosse aprovado (e daí o fenómeno absurdo que foi uma direita portuguesa embeiçada pela "Alma Conservadora" do Andrew Sullivan - se Sullivan é conservador eu sou a Fada dos Dentes).
Hoje, que sou Pastor de uma Igreja Baptista, sei o quanto parece que ganho se estes assuntos tidos por ideológicos, não aparecerem. Uma Igreja menos dada aos assuntos politicamente fracturantes parece um lugar mais agradável. Calculem a quantidade de pessoas menos alinhadas com os "valores conservadores" que pode dar aos meus sermões um benefício da dúvida. A partir do momento que afirmo coisas destas, perco. Mas é mesmo suposto perder, acredito. Na minha consciência, o envolvimento de um cristão num assunto como o aborto não é político mas espiritual. Ou melhor, acabará por ser político porque primeiro foi espiritual.
Os nossos adversários não devem admirar-se que queiramos reverter a Lei do Aborto. Isso não é aos nossos ouvidos uma acusação mas um elogio. Um sinal que estamos firmes no que dissemos no Passado. Do mesmo modo como lhes reconhecemos a vitória legítima no Referendo que ganharam, devem oferecer-nos a mesma legitimidade se fizermos que os mesmos cidadãos mudem de opinião. Democracia também é isto. Em termos políticos, não quero persuadir as pessoas a que respeitem a minha convicção contra o aborto. Quero persuadi-las que o aborto é um mal terrível. Tenho a certeza que é uma tarefa árdua mas não é o ódio chispado nos olhos da Isabel Moreira que me vai convencer do contrário.

quarta-feira, julho 04, 2012

Religião para ninguém
A Revista Ler de Julho já está nas bancas. Inclui um texto que escrevi sobre "Religião Para Ateus", de Alain Botton, uma valente pessegada.

O facto de um livro como "Religião Para Ateus", um almanaque de observações empíricas mais ou menos óbvias acerca das religiões, causar tanta animação no mercado editorial só prova o quão pouco se reflecte verdadeiramente sobre religião. Que Alain de Botton consiga adquirir uma aura de pertinência sobre os assuntos da fé está também no domínio do assunto: é um mistério. A leva anterior de escritores ateus que teve sucesso notabilizava-se por agressividade enquanto que Botton surge aclamado porque, por oposição, fala baixinho. Acontece que os agressivos dedicavam-se a acreditar no que escreviam. O excesso de pathos era um ethos, claramente. Botton, está noutra. Abre o texto ao jeito de alquimista: "A pergunta mais desinteressante e inconsequente que se pode fazer sobre qualquer religião é se ela é ou não verdadeira." Ou seja, o critério de verdade serve apenas para os desinteressantes. Aqui o jogo é diferente e o autor quer ser lido independentemente de poder ser avaliado por algum padrão externo a si próprio. Por isso o ateísmo de Botton pode dar-se ao luxo da gentileza: é uma epifania secular em circuito interno. As pessoas que se colocam além de refutação não têm um problema com Deus porque estão demasiado ocupadas em ser Deus. O certo e o errado são coisinhas demasiado pequenas para as poderem limitar. "Religião Para Ateus" baseia-se neste tipo de delírio irracional com modos de serenidade pluralista. Faz-nos ter saudades da salivação furiosa de Dawkins, Hitchens e Harris.
 

terça-feira, julho 03, 2012

Para a História
O dia 1 de Julho de 2012 vai ficar marcado na história da Igreja Baptista de S. Domingos de Benfica. Registará a primeira vez que os vizinhos se queixaram do comportamento das crianças da igreja. Pela insatisfação que nos foi apresentada, soubemos que em Domingo anterior os nossos pequenos empreenderam audível peregrinação pós-litúrgica. Ou seja, depois do serviço de culto dedicaram-se a tocar às campainhas dos prédios circundantes. Se o tema da Escola Bíblica Dominical tivesse sido a conquista de Jericó, sempre podíamos orgulhar-nos de uma vontade imprudente mas real de concretizarem nos nossos domínios urbanos a campanha militar hebraica. Acontece que aparentemente o objectivo não foi mostrar à vizinhança que as trombetas tocaram e demoliram as muralhas para revelar a fidelidade de Deus. Aparentemente o objectivo foi apenas... tocar as trombetas. O único prazer que um pai cristão retira de um delito de um filho é a confirmação da doutrina do pecado original. Há momentos que uma Teologia sólida parece pouco.
Numa nota de outra importância o dia 1 de Julho de 2012 registou para a história da Igreja Baptista de S. Domingos de Benfica o seu primeiro dia de baptismos (foram dois), a primeira vez que mais de cinquenta pessoas se reuniram na Casa de Oração (as cadeiras esgotaram, os degraus serviram de assentos e o ar condicionado ficou-se por um desejo), e a ocasião em que acolheu o maior grupo de visitantes ouvindo pela primeira vez uma pregação evangélica (o ideal para se estrear num culto de uma Igreja Baptista é um culto de baptismos).
Ouvir
Um aviso à nossa atenção: os detalhes são importantes. As coisas que parecem parciais podem ser as que se tornam decisivas. Jesus é quem dá sentido ao que parece pequeno para nos mostrar que tudo depende dele. A distracção pode ser uma forma agressiva de rejeitarmos Cristo.
O sermão de Domingo passado aqui.