sexta-feira, dezembro 31, 2004

Quilometragens
Um lorpa segue à minha frente a dez quilómetros à hora. Leva com os máximos e a buzina. No vidro de trás tem um versículo bíblico colado. Um "o Senhor é o meu refúgio e fortaleza" qualquer. Reconheço a minha fraqueza ecuménica - por vezes o código da estrada ultrapassa o credo dos apóstolos.

quinta-feira, dezembro 30, 2004

Em quatro noites
O bebé arruina três. As suas gengivas são progressivamente dilaceradas pelos dentes. A mãe perde a paciência. O pai o cabelo. É por não aumentar a qualidade de vida que a maternidade se impõe.
Rezas
Falando com o José, meu estimado amigo católico, reconheço que os evangélicos nas suas orações concentram-se sobretudo em ninharias. Pequenas maleitas, congregações mais numerosas, as negativas do miúdo. Nem o próprio Criador deve conviver bem com tanta perícia técnica.
Já uma nova geração de católicos místicos padece do mal inverso. Com preces tão altruístas o exército de Taizé corre o risco de interceder por tudo menos pelo Planeta Terra.

quarta-feira, dezembro 29, 2004

A galinha e o ovo
Os tímidos acreditaram no mal por causa do nazismo. Os outros acreditaram no nazismo por causa do mal.
Na minha igreja
Não existe uma daquelas cabines insonorizadas para mães com bebés que algumas comunidades evangélicas mais sofisticadas já possuem. Logo, a minha cria de quase oito meses torna-se motivo de ruído para o agradável decorrer da liturgia. Com mais frequência do que seria desejável. Eu, que me sento mais à frente que a minha mulher pelo ofício musical que me compete, incomodo-me com a inadequação religiosa da minha prole. A pureza estética das nossas opções espirituais esbate-se com a paternidade.

terça-feira, dezembro 28, 2004

Algumas coisas boas de 2004
Comecei a ler a Spectator indisciplinadamente e a beber mais água, conheci pessoalmente quase todo os articulistas que interessam neste país e iniciei a colecção dos dez primeiros discos dos Iron Maiden.
Observação e pergunta
Uma senhora lá da igreja já perto dos setentas trocou a viuvez por um marido incrédulo. Quando ele a acompanha à casa de oração faz questão de levar má cara. Nem a simpatia da congregação o demove. Pergunto-me se fora dos claustros este marido permanece carrancudo. Será um rosto que só sai à rua engomado com vinco ou um mero coração empedernido?

segunda-feira, dezembro 27, 2004

Ho, ho ho!

When there's no more room in Hell the dead will walk the earth.
Um elogio curioso
Foi-me feito no blogue da Triciclo Feliz. A autora distingue os blogues que gosta de ler e inveja dos blogues que gosta de ler e não inveja. Eu, como é óbvio, faço parte dos blogues que gosta de ler e não inveja. Assombrosa coisa esta! Não me passa pela pia cabeça invejar os escritores dos blogues que admiro. Ainda no outro dia conheci o João Pereira Coutinho e não se suscitou nas minhas vísceras averiguar qual o alfaiate que havia confeccionado o impecável colete que trajava. Invejar, invejo as estrelas do roque-enrole: o Bruce Dickinson e o Rui Reininho. O deslumbramento com a literatura, no caso desta alma que vos escreve, nem sequer chega ao nível do tecido.

sexta-feira, dezembro 24, 2004

Um desejo para 2005
Tornar-me um forte difusor do termo "concupiscência".
O blogue subterrâneo
Feito das notas tomadas que não chegam ao ecrã.
Passo dois dias
Com um grupo de adolescentes da minha igreja. Aquela gente ouve música miserável: Robbie Williams, Evanescence, Nickelback. Faço questão de o assinalar. Não lhes dou alternativas. Pouco interessa alcançar iluminações estéticas na pós-puberdade.

quarta-feira, dezembro 22, 2004

Em quem crerá Bob Dylan?
Deixem-me disputar junto do Nuno Guerreiro a religião do Bob Dylan (já que não cheguei a acordo com o JMF acerca da sua intenção de voto).
O cantor certamente não voltou a gravar álbuns "evangélicos" como o Slow Train Coming mas não abandonou de todo o reportório dessa fase (ver aqui, por exemplo). Mais. A informação que o Nuno oferece sobre o artista frequentando uma sinagoga nova-iorquina também é apontada como um funeral de um familiar, como ele, judeu de sangue.
Pouco me interessa se Dylan é ou não um born again christian como eu sou. Mas se é para ganhar a bicicleta mais vale que estejamos preparados para pedalar.

terça-feira, dezembro 21, 2004

Uma pessoa religiosamente ordeira como eu
Apoia sem rodeios a instituição do matrimónio. Mas uma pessoa religiosamente ordeira como eu deve recordar que, à altura da concepção do menino Jesus, Maria era mãe solteira.
Fundamentações
As pessoas, sendo de direita ou de esquerda, fundamentam as suas posições políticas em grandes nomes, de Hobbes a Chomsky. Ninguém lembra essa grande frase de Mike Muir no primeiro disco dos Suicidal Tendencies:
"I'm not anti-society, society's anti-me".

segunda-feira, dezembro 20, 2004

Ao contrário do que diz a imprensa especializada
Pouco interessa se alguma vez os Kings Of Leon tocaram num serviço da sua antiga igreja pentecostal. Só alguém que nunca entrou numa Assembleia de Deus poderá encontrar ligações entre a religião dos pais destes cabeludos e a música que eles fazem. A diferença entre o roque-enrole e Bach é que o primeiro dispensa notas biográficas.

O problema da medicina moderna
É ter o síndroma de Adão no Éden: quer dar nomes a todos os animais.
Anúncio feito no culto de ontem
"Próxima quarta-feira o departamento de séniores vai a Belém. Belém, Lisboa."

sexta-feira, dezembro 17, 2004

No Natal
Existem duas personagens que devemos lembrar: o menino Jesus e o Rei Herodes, que desejava matá-lo. Não é preciso rigorosamente mais nada para entender tudo aquilo que o advento tem para nos ensinar.
No maravilhoso mundo da economia de mercado
Compra-se na Worten um disco do Howe Gelb por um euro e noventa e nove cêntimos. Sem sombra de culpa.
Na fila do supermercado
Um casal perto dos trinta passa-me à frente de modo sorrateiro. Não digo nada. Lembrando-me da Queda original tento esquecer-me dos tropeções posteriores.

quinta-feira, dezembro 16, 2004

O que é uma bateria?
É aquilo onde bate a Meg White.

quarta-feira, dezembro 15, 2004

A Maria emancipada e o burrinho oculto
É necessário esclarecimento. Um evangélico, ou outro qualquer arraçado de protestante, é instruido a festejar o Natal sem bonecada. Logo não existem presépios na grande parte dos lares religiosamente reformados. Para desgosto do meu falecido avô, pastor baptista na primeira metade do século XX, a minha mulher arranjou cá para casa uma sagrada família. Contudo, sem bichezas. Confirmando os desencontros entre seguidores de Lutero e Maria, a Virgem de barro deste T2 já perdeu uma mão. Por obra e graça da Gata Nuvem, creio. É uma virtuosa mãe maneta educando o seu filho sem o calor exalado pelos quadrúpedes.

terça-feira, dezembro 14, 2004

Update
Entretanto na noite passada aprendi através do noticiário da TVI que cada presépio dispõe de um burro. Lá se vai a teoria de ontem.
Este é o problema de um país maioritariamente católico: pouco se sabe das Escrituras mas as cabeças de gado estão todas contadas.
O bebé que quase chora
A paternidade desenvolve nos sentidos uma propensão mística: por exemplo, na audição oferece-se-nos o choro fantasma.

segunda-feira, dezembro 13, 2004

Um pequeno paradoxo natalício
Neste Domingo na minha Igreja cantou-se muito cântico de Natal. Eu não sou grande apreciador. Por uma razão sobretudo: as músicas da quadra são moles - falam de anjinhos no Céu, de vaquinhas ao lado da cama e de bebés empaturrados de prendas. O Messias até terá começado no meio dos bovinos. Mas na sua apoteótica entrada em Jerusalém montava um asno. E esta é a suprema vitória do cristianismo: ter passado de vaca para burro.


Quem estiver interessado em religiões que maximizam faça o favor de seguir para o guichet do Budismo. Obrigado.
No sapatinho
A Sara fala da "Spanish Bombs" dos Clash. Ora, esta foi a canção que me mostrou que era possível fazer punk rock sexy. Desde essa altura que possuo na vida mais uma meta. Das tais que só raramente cruzo. Mas o que importa é ter um critério.
Prendinha de Natal: o éme-pê-três AQUI (clique direito do rato, save target as).

sexta-feira, dezembro 10, 2004

Dos Apóstolos
Domingo passado estive numa refeição farta em grande companhia. No final, desceram línguas de fogo sobre os comensais.

No velhinho Novo Testamento
As pessoas só atribuem tanta importância ao Fórum Social Mundial porque nunca leram a Epístola de Tiago.
Darrel Abott 1966-2004 *
Os Pantera eram uma grande banda. O saudoso Dimebag Darrel tinha a virtude de gravar nos discos os solos apenas sobre o baixo e a bateria. Sem overdubs mariquinhas. Qualidade rara nos nossos dias.

* Obrigado ao João Moreira Pinto pela informação.

quinta-feira, dezembro 09, 2004

Sem terceira via
Há alturas na vida em que um homem tem de decidir se quer ser os Clash ou os Sex Pistols.
Da abjecta incapacidade de preservar as coisas no seu devido lugar
Alguém devia ser responsabilizado pela capa desse disco chamado "Humanos".

terça-feira, dezembro 07, 2004

Breve manifesto literário
Antes da escrita vem a margem de erro.
Imaculada concepção
Subtraísse o Lemmy uma estrofe às suas canções e moderasse os solos do guitarrista e os Motörhead seriam uma banda sem mancha.
Nota cinematográfica
Aproveito o facto de ter ido ver uma espécie de Blair Witch aquático para referir que me agradam os filmes em que as coisas dão para o torto com grande coerência.

segunda-feira, dezembro 06, 2004

Da domesticação do mal
O problema não é o nome do Diabo ser desconhecido pelas pessoas. O problema é que o tratam por Lulu em vez de Lúcifer.
Sábado de manhã
Encontrei numa banca de livros usados ao lado da Bertrand do Chiado a velha edição portuguesa de 58 dos "Disparates do Mundo" (What's Wrong With The World) do bom Chesterton. Como estava exposta em destaque e a apenas dois euros e meio só me lembrei de agradecer a bênção em oração dois dias depois.

sexta-feira, dezembro 03, 2004

Barradas
Morreu um amigo da minha adolescência. O culpado material de me ter metido no punk-rock. Em 93 o tipo levou um moicano para o Liceu de Queluz e eu soube que queria ser capaz de fazer o mesmo. Nunca o cheguei a fazer.

Deixas saudade, Rodrigo.
Subsídios para a compreensão deste blogue II
A estupefacção perante o engenho humano que permite inventar um acessório automobilístico chamado "chuvento".
Subsídios para a compreensão deste blogue
As capas do Metal dos anos 80.

quinta-feira, dezembro 02, 2004

Golo derradeiro
O fim do blogue A Causa Foi Modificada é de uma crua verdade poética. Quantas são as mortes estúpidas e despropositadas, sem obituário decente para rematar, sem as vacuidades funerárias da praxe para emitir? O blogue do Maradona (perdoem-me mas nomes próprios têm de começar com maiúscula) era dos melhores (senão mesmo o melhor) e conhece um final ridículo e embaraçoso. Uma espécie de ladrão na cruz em que o público não ouve a promessa do Paraíso feita pelo Mestre.
Achar o norte
O último disco de Jorge Palma consegue ultrapassar o facto de por lá se rimar "lençol" com "sol".
Update
Ao pegar no livro do Barnabé apercebo-me através da consulta do seu índice remissivo que se alguma vez quiser que a Voz do Deserto seja publicação literária é imperativo aumentar a quantidade de autores citados. Seguem já cinco: Emmanuel Lévinas, Hans Magnus Enzensberger, Billy Graham, José Augusto Mourão e Charles Spurgeon.