terça-feira, abril 30, 2013

Ouvir
Por causa da centralidade de Cristo somos nós quem se reconhece parte dos rostos humanos de uma igreja local, e não a igreja que é escolhida em função do nosso rosto.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).

segunda-feira, abril 29, 2013

"Judeus Errantes" de Joseph Roth
Familiarizei-me com a expressão "judeu errante" quando o Pacheco Pereira a trouxe para a blogosfera em 2003, quando dava conta das suas inúmeras viagens. Dez anos depois leio "Judeus Errantes" de Joseph Roth, acabado de sair pela Sistema Solar. E é como se só agora compreendesse realmente o que Pacheco Pereira queria dizer. Um dos riscos da nossa época é olhar para a errância como um fenómeno de turismo, perdendo o significado da peregrinação. A popularidade da palavra "caminhada" talvez traduza uma saudade que sentimos por um tipo de viagem que nos leva a outros lugares além daqueles que parecem esgotar-se na fotografia da praxe. O livro de Joseph Roth ajuda-nos a recordar a errância como uma categoria espiritual. E isto a partir da experiência dos judeus da Europa oriental.
Não conhecia bem Joseph Roth e não conhecia bem os judeus orientais. Gostei de ambos. À medida que Roth e os judeus orientais se chegam ao Ocidente, apega-se-lhes a memória ao leste. Este leste é uma identidade assinalavelmente distinta daquela dos judeus do Ocidente. Não há saudades da pobreza e da sujidade que lá passavam mas há saudades daquilo que lhes dava sentido além dessa pobreza e sujidade. E isso é essencialmente a sua fé. Esta fé, por comparação, faz parecer os judeus do Ocidente quase pagãos. O leste torna-se também uma resistência religiosa.
Não é surpresa dizer que os cristãos evangélicos tentam ser os melhores herdeiros dos judeus. Talvez por isso sejam criaturas mais patéticas que os cristãos católicos. Os cristãos católicos são gregos em termos de temperamento ao passo que os evangélicos são mais dados ao ridículo porque o ridículo está por todo o lado na vida dos judeus da Bíblia. Esta tese que abraço encontro-a em muitas linhas de Roth: "Ao rezar, [os da cidadezinha judia] indignam-se contra Deus, clamam ao céu, queixam-se do seu rigor e, na casa de Deus, procedem contra Deus, para depois reconhecerem que pecaram, que todos os castigos tinham sido justos e que querem ser melhores. Não há nenhum povo que tenha esta relação com Deus. É um povo antigo e conhece-O há já muito tempo! Experimentou a sua enorme bondade mas também a sua fria justiça, pecou frequentemente e expiou amargamente os pecados e sabe que pode ser castigado, mas jamais abandonado (páginas 52 e 53)."
Ler os "Judeus Errantes" de Joseph Roth é compreender um bocadinho melhor um dos acontecimentos mais tristes da História (o ambiente pré-Holocausto) mas é também compreender um bocadinho melhor um dos acontecimentos mais felizes da História: Deus não abandona aqueles que ama.

quarta-feira, abril 24, 2013

A cama de grades do Caleb
Esta semana trocámos a cama de grades de madeira do Caleb por uma maior e aberta. A emoção dele foi tal que, quando o novo lugar de dormir chegou durante a manhã, transferiu os seus brinquedos para lá e plantou-se voluntariamente no sítio que mais evita até que chegue o primeiro momento de recolhimento obrigatório (a sesta). Se vivêssemos mais a Norte do País, junto a Paços Ferreira – a capital do móvel, poderíamos ter na mudança constante da mobília do quarto dos miúdos a solução para o problema de não quererem deitar-se. Ou isso ou eu tomar o assunto nas minhas mãos e tornar-me carpinteiro. Afinal também foi a profissão do Senhor.
Falo sobre a cama de grades de madeira do Caleb porque acredito que pode ser uma imagem da tarefa de educação dos meus filhos. O Caleb vai fazer três anos em Maio e não me importava que todos os desafios futuros da sua educação se resolvessem com a facilidade com que se troca de cama. Seria um sinal de que pouco mais me seria exigido do que acomodá-lo em lugares à medida do seu tamanho. Uma questão de fita métrica e caixa de ferramentas. Nessa perspectiva educar um filho seria sobretudo um exercício de contê-lo no espaço apropriado. Ora, acho que parte da educação que devo dar-lhe passa também por isto (e os Céus conhecem as dificuldades que por vezes tenho em conter o meu Caleb), mas vai além. Muito além.
Tenho estado a escrever falando apenas em mim e no Caleb. Mas a minha família tem mais a Ana Rute, a minha mulher. O casamento tornou a conjugação do verbo no singular numa realidade colectiva (quando falo em mim, falo em mim e na Ana Rute). E a minha família tem mais a Maria. A Maria vai fazer 9 anos em Maio. E a minha família tem mais a Marta. A Marta vai fazer 7 anos em Novembro. E a minha família tem mais o Joaquim. O Joaquim vai fazer 6 anos em Novembro. E acho que estão todos (pelo menos hoje quando saí de casa éramos seis ao todo, acho). Resumindo, tenho algum trabalho pela frente no que diz respeito à educação dos meus filhos.
Deixem-me mencionar uma dimensão negativa da educação dos filhos, a partir da figura da cama de grades de madeira do Caleb. Por pouco atraente que soe, os pais também são chamados a colocarem os filhos em lugares que os isolem do mundo exterior. Da mesma maneira que a cama de grades de madeira serve para impedir que o Caleb caia dela, somos chamados a educar os nossos filhos impedindo-os de estarem em lugares nos quais ainda não têm maturidade para andar. Sei que hoje estamos todos um bocadinho inclinados para gostarmos de ser os pais que confiam no discernimento dos filhos mas a verdade é que a Bíblia antes de nos ensinar a confiar no discernimento dos nossos filhos assusta-nos para a tarefa de lhes passarmos algum. E é impossível ser bom pai sem proibir. Por amar o Caleb é que também lhe coloco grades na vida.
Mas, graças a Deus, a educação dos filhos tem uma dimensão positiva. Muito positiva. Como explicar o orgulho meio tolo de apreciar o primeiro sono do Caleb na cama sem grades? Como justificar que o meu peito tenha inchado na primeira manhã em que chegou junto a mim tendo saído da cama pelo seu próprio pé? O sabor de vitória nos meus lábios fez daquela caminhada do meu mais pequeno uma maquete do momento em que, se Deus permitir, há-de tirar a carta de condução. Somos também chamados a educar os nossos filhos permitindo-lhes irem a lugares onde nunca andaram antes. E nessas ocasiões sabemos que podemos confiar no discernimento dos nossos filhos porque, pela graça do Senhor, conseguimos passar-lhes algum. E é impossível ser bom pai sem permitir. Por amar o Caleb é que também lhe retiro grades na vida.
Não é casual que as árvores, que me fornecem a matéria para as camas de grades dos meus filhos, sejam ao mesmo tempo um símbolo da vontade que Deus teve para a sua Criação: o crescimento. E da mesma maneira que o Senhor nos chamou a cuidar da Criação, chama-nos ainda mais a cuidar do crescimento do ponto máximo dela: os nossos filhos. É nele que colocamos a nossa esperança de vermos as nossas crianças darem passos seguros até nos lugares onde tantas vezes os adultos caem.

[Este artigo foi publicado no último número da Revista Lar Cristão.]

terça-feira, abril 23, 2013

Ouvir
No cristianismo falar da fé não é uma questão de génio mas de genuflexão. O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).

segunda-feira, abril 22, 2013

Uma mulher a pôr os homens em ordem na Igreja
Eu é que andei distraído. Ler Dorothy Sayers pela primeira vez aos 35 anos é daquelas coisas que pura e simplesmente não devia ter perdão. Mas finalmente deitei mão a "Letters To A Diminished Church" que colecciona textos sobre o cristianismo. Como o próprio título indica, a mensagem agregadora é precisamente essa, da necessidade da Igreja se deixar de delicadezas que a enfraquecem. Dorothy Sayers é daquelas escritoras que reclama mais virilidade para a fé. Ou seja, é uma mulher que também quer que os homens sejam homens. É impossível não querer ouvi-la.
Dorothy Sayers tem muito em comum com amigos dela. Respirou do cachimbo de C.S. Lewis e bebeu da cerveja de Tolkien. O que significa que também recebeu parte da herança de Chesterton. Por isso pratica a mesma modalidade de defesa do cristianismo em regime de imaginação e intrepidez. Com estes britânicos não há um único segundo de tédio. O leitor fica simultaneamente mais devoto e divertido.
Nestes 16 textos há uns quantos que se destacam. "The Dogma Is The Drama", "Creed Or Chaos?" e "Why Work?" são provavelmente os meus preferidos e passam pela centralidade  e criatividade da doutrina, pelas consequências irracionais de uma sociedade sem credo, e pelo sentido e sabor do trabalho. São assuntos que tanto assustam descrentes quanto crentes. Aliás, na escrita de Sayers há uma revolta maior com os cristãos preguiçosos do que com os pagãos cépticos. Talvez porque Sayers escreve primeiramente para quem não está a ir à igreja ao Domingo. Não está interessada em pregar ao côro.
Dorothy Sayers construiu a sua carreira a escrever sobretudo histórias de crime. Porque é cristã no território do diabo faz-nos lembrar Flannery O'Connor. Usa um tipo de humor semelhante tão leve quanto grave. Que pode fazer as primeiras baixas precisamente em cristãos sem graça nem volume. "If the pious are the first to be shocked, so much worse for the pious - others will pass into the kingdom of heaven before them (...) Surely it is not the business of the Church to adapt Christ to men, but to adapt men to Christ." Mas sem dúvida fará baixas também entre os ímpios. "It is a great mistake to present Christianity as something charming and popular with no offense in it. Seeing that Christ went about the world giving the most violent offense to all kinds of people, it would seem absurd to expect that the doctrine of his person can be presented as to offend nobody." É melhor vestirmos os coletes à prova de bala.
Descobri na internet uma imagem de Sayers onde surge graficamente canonizada. Apesar de ser Protestante (e Sayers também, era anglicana) não me parece mal esta iconografia. Até merecia um lugar privilegiado numa parede de nossa casa. Sinto-me refrescado à sua sombra.


sexta-feira, abril 19, 2013

Homosexual Marriage Is Oppression On Gays

[No blogue We're Not Portugal]
 
The first reason why I’m against the so-called homosexual marriage is a christian one: marriage in the eyes of God happens only between man and woman. But there’s a non-christian reason to why I’m against homosexual marriage: marriage between a man and a man or between a woman and a woman forces them to behave heterosexually. And, in that sense, homosexual marriage is a kind of oppression on gays.
Ask a homosexual that has lived the crazy San Francisco seventies if he liked the eighties compulsive arrival of condoms. Nowadays he’ll use them because it prevents greater dangers. It’s something tolerated but never desired. Because condom forced a crazy lifestyle in a not-so-crazy fashion. Homosexual marriage is definitively different from condoms but, in my perspective, follows the same path - toleration of homosexual lifestyle as long as they behave.
We have bright homosexuals opposing homosexual marriage at the same proportion we have dumb christians supporting it. Generally it boils down to monogamy. Why was homosexuality portrayed as a perversion (and a dangerously exciting thing) during the History of the World? Because it could function as an activity practiced within marriage. Homosexuals were outlaws, not refugees. And their charm came out of that too. Homosexual marriage tends to ‘heterosexualize’ homosexuals, giving them something that never belonged to their DNA: monogamy. And I see the proof resting on the fact that unfaithfulness is what in the Bible can get heterosexuals out of marriage, while faithfulness is what naturally homosexuals are claiming so they can be in. However, they’ll have their citizenship broadened and their fun tightened.
Dumb christians support homosexual marriage trying to look progressive while casting the oldest of institutions. If the point is fraternity with the revolution, why not go all the way and get rid of the whole thing? What about our non-married heterosexual brothers? Don’t they deserve the same love from the Church? If we’re into the affirming business let’s not deny the marriage happening when there’s none, in the prestidigitation mode so dear to people inside the cultural conversation.
Monogamy will look good for gays if it surfs on sentimentality. That’s what’s happening culturally. Maybe the ones who have more experience on monogamy (the heterosexuals) could do our homosexual friends a favor and tell them to keep pure from it. Carl Trueman gets it talking about “one of the supreme ironies of the contemporary politics of homosexuality.  A movement originally built upon the idea of transgression, the breaking of taboos and the crossing of boundaries has become one of the most intolerant and conformist movements ever to emerge within liberal democratic societies.” Monogamist homosexuals are the worst kind of persecution over gays. Free them!

quarta-feira, abril 17, 2013

Ouvir
Dorothy Sayers dizia que se os pastores se refreiam de dizer coisas que podem ser mal entendidas então vão acabar a nunca dizer alguma coisa que valha a pena ouvir. O prazer desta igreja também está no perigo que ela abraça.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).

segunda-feira, abril 15, 2013

História Politicamente Incorrecta do Portugal Contemporâneo
[Full disclosure: sou amigo do Henrique Raposo. Lê-lo de coração aceso não deve impedir-me, ainda assim, de ter a cabeça ligada.]

Quando estive no lançamento da "História Politicamente Incorrecta do Portugal Contemporâneo" levávamos os miúdos e por isso o tempo teve de ser dividido entre tomar conta deles na secção infanto-juvenil e tentar escutar alguma coisa da apresentação do livro. Talvez por causa disso não consegui sentir-me muito atraído pelo que os convidados disseram, que me pareceu um bocado fechado nos debates internos da ciência política. Mas cravei o livro ao Henrique porque o Henrique não escreve para aquecer. Ou seja, não é preciso ser sociólogo ou historiador para perceber que quando o Henrique pensa, quer ir a algum lado.
O Henrique aproveitou o formato curto (e muito bem esgalhado pela Guerra & Paz para esta colecção) para uma reflexão sobre o nosso Século XX. Traz cinco teses que apresenta de uma maneira razoável (isto é, com factos). Bem sabemos que apresentar teses de maneira razoável (isto é, com factos) é hoje um desporto tão radical quanto suspeito diante daquilo que me parece ser a Academia (se podemos em paz de consciência chamar Academia aos nossos pensadores fica para outra ocasião). E, aqueles que já conhecem o Henrique, sabem que isso não o dissuade. Pelo contrário, diverte-o. Por isso a adicionar ao facto do Henrique apresentar teses de maneira razoável está o de o fazer com divertimento. O que me parece duas excelentes razões para ler livros. Neste domínios o Henrique anda meio sozinho, creio. O que o destaca.
Salazar não era uma criatura da igreja. Portugal não precisou de Mário Soares para entrar na Europa. Os portugueses ficaram mais ricos durante o Estado Novo. A esquerda também era colonialista. Álvaro Cunhal venceu. Estas são as cinco teses que o Henrique apresenta aparentemente como provocação, na convicção que são prováveis (que se podem provar, não que têm probabilidade de acontecer). No meu caso, destas cinco teses apenas a primeira e a última me seriam familiares, não porque estudei os assuntos mas porque basta ser Protestante em Portugal para entender que a relação do Estado (seja novo ou velho) com o Catolicismo tem mais de conveniência que de convicção, e porque basta não ser de esquerda em Portugal para entender que o poder de Cunhal não precisou de ser político porque se tornou, na imaginação das pessoas, moral. Mas mesmo nestas duas teses aprendi que me fartei. Quanto mais nas outras nas quais era ignorante.
Por último, o Henrique aponta uma palavra para classificar o percurso de Salazar e de Soares, como as duas figuras essenciais do nosso Século passado. Esta palavra revela o talento do Henrique, porque mostra que estudar serve para apresentar teses de maneira razoável (isto é, com factos) mas também para compreender. Quando o Henrique classifica o percurso de Salazar e de Soares com a palavra ambiguidade mostra, a meu ver, que compreendeu bem estes homens mas que compreendeu bem este País. Mais dois ou três Henriques a explorarem o tema da ambiguidade portuguesa e eu prometo que começo a interessar-me por ciência política.


sexta-feira, abril 12, 2013

Forma de Vida
A Forma de Vida é uma revista online esplêndida. Desde o nome, à aparência, ao conteúdo. Junta nomes como a Carla Hilário Quevedo, o Miguel Tamen, Abel Barros Baptista, entre outros. Foi-me dado o privilégio de participar no número 2, acabado de sair. Escrevi a partir de um texto do primeiro número pelo Alberto Arruda. Fui atrás dele continuando a falar de Mateus 26, quando Pedro trai Jesus.

O triunfo de Jesus pede a presença de algumas derrotas. E a derrota presente nesta traição de Pedro (que permite um eco mais subtil mas também mais chocante da outra traição anterior, de Judas) mostra que traem os maus mas traem os bons também. É igualmente por isso que a salvação de Jesus é graça e não apenas conquista por uma mera demonstração de poder divino sobre-humano. Porque os melhores discípulos fazem coisas parecidas com as dos maus discípulos. O cristianismo ajudou o mundo a compreender que a primeira democracia é a da infidelidade.

Vão até (clicar em cima de lá) e usufruam da Forma de Vida.

quinta-feira, abril 11, 2013

Ouvir
Se a nossa experiência do amor não passa também pelo perdão é provável que seja completamente estranha ao amor que a Bíblia fala.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).

quarta-feira, abril 10, 2013

O português atira-se ao Brasil

Quando era miúdo havia duas colunas na minha relação com o Brasil. A primeira era a omnipresença de Brasil na TV portuguesa. Nos anos 80 a telenovela da Globo que passava à noite parava o País e quem não a visse era um eremita. A segunda era a presença frequente de missionários brasileiros nas igrejas baptistas portuguesas. Uns poucos viviam cá e pastoreavam, outros mais passavam e pregavam em púlpitos como os da minha igreja suburbana em Queluz, a poucos quilómetros de Lisboa. Essas duas colunas seguravam o edifício. Crianças como eu gostavam do Brasil porque viam telenovelas (por estranho que pareça, não havia grande condenação ética ao conteúdo delas nas igrejas onde cresci) e conviviam de vez em quando com missionários brasileiros (curiosamente, os que condenavam eticamente e de um modo mais claro o conteúdo das telenovelas que os crentes portugueses consumiam sem grande preocupação). Estrelas das telenovelas brasileiras eram recebidos pelas massas como reis. E pastores brasileiros eram recebidos pelas igrejas evangélicas como reis também. Mas na década de 90 esse amor pelo Brasil mudou nas crianças como eu que agora eram adolescentes.
Essa mudança não foi violenta mas gradual. No início da década de 90 os portugueses começam a conviver com os brasileiros já não como visitantes ocasionais. Um grupo pequeno deles decide viver cá. E continua a ser muito bem recebido porque vem com empregos de boa reputação. Sobretudo publicitários e dentistas. O Brasil, sendo um País mais pobre que Portugal, sempre teve melhor show e melhores dentes. Daí que essas profissões acolhessem pessoas que vinham com experiência e conhecimento (é verdade que do pouco que sei sobre odontologia, lembro que o reconhecimento dos dentistas brasileiros teve alguns problemas burocráticos mas, ainda assim, concretizou-se). Mas o cenário mudou com o avançar da década. No final dos anos 90 a emigração brasileira aumenta vigorosamente e já não traz profissionais qualificados. Os brasileiros que chegam já não dão mais ritmo às nossas tevês ou mais claridade às nossas bocas. Agora estão cá para limpar as nossas casas e nos servirem à mesa. E com essa transformação muda também o coração daqui em relação a lá. Se somarmos a isto o impacto negativo na comunicação social lusitana da chegada da Igreja Universal do Reino de Deus, temos uma alteração definitiva nos braços que os portugueses abriam para os brasileiros (isto porque a IURD se destacou por comprar alguns antigos e importantes espaços de cultura que estavam arruinados para se tornarem igrejas - algo saudavelmente legal mas que causou um estrondo nas emoções do País e que pode ser aferido se googlarem por "Reino de Deus e Coliseu do Porto"). A partir do momento em que o Brasil passou a oferecer empregadas domésticas, trabalhadores de restaurantes, cabeleireiros, prostitutas mais sofisticadas e pastores evangélicos (sei que soa meio rude essa lista mas é verdadeira) o charme de antigamente tornou-se quase lepra. O Brasil deixou de ser chique em Portugal para ficar brega.
Sei que simplifico mas dou um exemplo pessoal. Tenho uma irmã mais velha 5 anos. Aliás, tenho essa irmã mais velha cinco anos e outra mais nova quinze minutos. Mas Deus quis que essa irmã mais velha fosse a última a casar de nós os três. Durante o tempo em que os mais novos já tinham casado e ela não, eu, como irmão metido, aconselhava-a acerca do tipo de homem que devia arranjar. Imaginam a dica que eu dava? Basicamente era: "mana, podes arranjar qualquer um desde que não seja brasileiro." Isso é algo que admito sem orgulho (hoje não diria um disparate desses) mas que espelha bem o que ainda é um sentimento de muitos portugueses. E de muitos portugueses evangélicos. Que sentiram que tiveram de tirar do trono o Brasil mas que ainda não conseguiram despedir completamente o país-irmão do coração. Na minha opinião, os crentes portugueses têm a alma dividida em relação aos seus irmãos brasileiros. Se antes os recebiam com passadeiras vermelhas, agora são profundamente desconfiados deles (aliás, os portugueses são desconfiados por feitio). E creio que deveríamos ser nós, os cristãos evangélicos, a melhorar a hospitalidade aos cristãos brasileiros. E essa hospitalidade pode melhorar por, pelo menos, duas vias. Uma que creio negativa e outra que creio positiva (como bom calvinista, começo pela negativa).
Vou usar apenas algumas imagens simplistas que existem na cabeça de muitos portugueses para ilustrar uma maneira como não devemos receber os nossos irmãos brasileiros. Os irmãos brasileiros são maioritariamente mais animados e prontos que os portugueses. Quando chegam à igreja antes de pensarem em reverência (uma coisa mais europeia) pensam em alegria (uma coisa mais sul-americana). Por isso em menos de um fósforo os brasileiros estão a dirigir a música e a testemunhar fervorosamente nos cultos portugueses. É muito agradável ao início mas quando os ritmos se desacertam (e, acreditem, vão desacertar-se) os portugueses acham os brasileiros pouco sérios e os brasileiros acham os portugueses muito mortos. Na prática significa menos brasileiros nas igrejas portuguesas e muitas igrejas brasileiras em Portugal. Logo a pedagogia negativa que ofereço é: oferecer prematuramente responsabilidades na igreja aos nossos irmãos brasileiros não é saber hospedá-los, é na prática despedi-los. Temos de ter um olhar bíblico que se torne um olhar cultural. A extroversão brasileira não é um dom do Espírito. É um meio e não um fim. O mesmo se aplica à reserva portuguesa. Se são os brasileiros que chegam a Portugal, naturalmente terão de ser eles os primeiros a darem sinais de contextualização. Os portugueses devem ser firmes para não permitirem que os próprios brasileiros construam na sua híper-actividade uma reputação de falta de firmeza na fé. É útil esta pedagogia negativa na nossa hospitalidade.
Mas devemos sobretudo enfatizar a pedagogia positiva no modo como recebemos os irmãos brasileiros. O Brasil fez pelo Portugal evangélico o que só os Estados Unidos como País rivalizam. Devemos muito do que somos ao esforço missionário brasileiro. Começarmos por reconhecer isso é um passo enorme. Da mesma maneira como me ofende o sentimento anti-americano nos cristãos evangélicos portugueses, ofende-me o sentimento anti-brasileiro. E sei do que falo porque já pratiquei abundantemente os dois pecados. Como podemos falar mal das mãos que nos alimentaram? Os evangélicos portugueses têm de ser os primeiros a darem o exemplo de hospitalidade aos brasileiros porque sem eles não seriam os mesmos. Não temos nada a ganhar se acharmos que já não temos nada a aprender com os nossos irmãos brasileiros. E vice-versa. Agostinho, falando da Trindade, explicava-a também em termos de memória, inteligência e vontade. Olhar para o passado é apenas um pequeníssimo contributo para que haja futuro para a presença de brasileiros em Portugal. Porque muitos caminhos se podem abrir a partir do momento em que há memória. Se nós, os portugueses, quisermos ser inteligentes, que procuremos a vontade que encontramos nos nossos irmãos brasileiros. Este texto não tem pretensões de análise profunda com grandes alicerces espirituais em dados antropológicos. Que sirva pelo menos para tirar países do trono porque essa é a maneira de logo, logo os tratarmos como escravos.

[Este texto foi uma encomenda da revista IPródigo. No final apercebemo-nos que o contexto era demasiado restrito para ser compreendido no Brasil. Deus permita que seja compreendido em Portugal.]

segunda-feira, abril 08, 2013

Ebert
Os últimos dias têm sido de mortes (como todos). Hoje foi Margaret Thatcher. Há um par de dias foi o filho do Pastor Rick Warren. E na semana passada o Roger Ebert. Sobre este último gostava de dizer que, apesar de não ser um seguidor rigoroso, volta e meia ia ler-lhe as críticas. Uma das coisas que gostava muito no Ebert era o facto de escrever com entusiasmo acerca dos géneros que são considerados menores. Ebert falava de terror e acção sem ter medo que lhe roubassem a carteira profissional. Claro que não é o facto de ver muito que nos faz ver o que vale a pena mas quando se vê muito acaba por se dizer também que ainda vale a pena ver. Gostava de ler o Roger Ebert porque ele me fazia sentir que o cinema ainda está vivo até nos sítios que são dados como mortos. De algum modo, e permitam-me a comparação forçada, era um crítico crente na ressurreição permanente do que criticava.
Tube



A tal família dos três rapazes, três raparigas e uma gata preta está aqui no youtube (com soluços).

sexta-feira, abril 05, 2013

Man
 












Momento nº1 - andar de bicicleta em 1996 no pinhal de Leiria cantarolando "Sou como um rio" para terapia de um adolescente com demasiado espaço para a introspecção. Momento nº2 - o de anteontem, como o retrato mostra. Man, às vezes ainda não acredito na vida que tenho.

quarta-feira, abril 03, 2013

A preparar o sermão de próximo Domingo
O perdão não existe para impedir que haja queixas. O perdão existe para resolvê-las. Por isso fica implícito que é normal que entre cristãos queixas existam. Do mesmo modo que fica implícito que essas queixas devem ser resolvidas pelo perdão. E a base desse perdão não é uma qualquer: devemos praticá-lo porque foi o mesmo que Cristo fez connosco. Dito de uma forma muito bruta: quem não quer perdoar então que não seja cristão.

terça-feira, abril 02, 2013

Ouvir
Para os gregos o resto mundo era bárbaro, para os judeus o resto do mundo era gentio. Na fé cristã já não há piso para essas fronteiras.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).

segunda-feira, abril 01, 2013

Miguel Ângelo
É impossível ter vivido a última década do século passado em Portugal sem ter esbarrado na popularidade dos Delfins. A maioria de nós tem um disco deles sem que se lembre de o ter comprado. E esta é uma das maneiras de aferir o verdadeiro sucesso de uma banda - a participação individual inconsciente num movimento colectivo. Há poucos nomes da música portuguesa que tenham atingido este patamar.
Claro que com esta entronização massiva veio também o embalo oposto. No final dessa mesma década os Delfins tornavam-se uma piada fácil para a nova geração de humoristas portugueses, que se limitava a dissociar pavlovamente o nome da banda a qualquer tipo de critério audiofónico esclarecido. Ainda hoje se sentem os efeitos desta bipolaridade ficando a música quase sempre para segundo plano.
Lembro-me de gostar do "Desalinhados", descurtir à grande a fase mística seguinte, render-me ao efeito Resistência, fazer pouco do takeover comercial do "Caminho da Felicidade" (porque já tinha a mania que era punk nessa altura, apesar de cantarolar "Sou como um rio"), e surpreender-me com uma actuação da "Sharon Stone" no Herman. Os Delfins chegavam ao fim sendo uma banda menos ouvida e mais sentida como um desconforto. Apesar da minha própria apreciação deles ser irregular, sempre me pareceu que reduzi-los a uma punchline era demasiado gratuito. Hoje conheço razoavelmente bem a discografia dos Delfins e, mark my words, aprecio-a. Deram-nos algumas das grandes canções pop das últimas décadas. Agora mandem a jazz police prender-me que eu não me importo.
Conheci o Miguel Ângelo por volta de 2005, 2006, creio. Quando uma das bandas da FlorCaveira foi tocar ao Lótus Bar, em Cascais. O Miguel era um dos donos e era genuinamente interessado em ouvir o que de novo se andava a fazer. Tivemos uma grande conversa e foi a primeira vez que me apercebi do amor incondicional que o Miguel tem à música. Quando anos mais tarde li o livro dele, "Um Lugar ao Sol", fiquei convencido que antes de ser uma estrela o Miguel é um ouvinte. É essa dedicação que faz com que o Miguel possa ser encontrado nos concertos mais improváveis sem se preocupar com o seu incómodo lastro de popularidade. O Miguel é dos poucos músicos em Portugal que realmente está cá pelo rock'n'roll e que dá corpo à teologia do Lou Reed que declara que é ele, o rock, que salva vidas. Isso fez com que nos voltássemos a cruzar por volta do boom da FlorCaveira na imprensa em 2008, 2009, e que a partir daí nos tornássemos mais próximos.
Em 2011 os Lacraus tiveram uma ideia para um teledisco que envolvia o Miguel Ângelo tornar-se um assassino que esquartejasse o Nuno Markl. Nem um nem outro pestanejaram e deram-nos, perdoem-me a imodéstia, um dos maiores telediscos da música portuguesa. Mais de uma vez o Miguel se juntou em palco aos Lacraus para cantar "Um Peito em Forma de Bala", o que era um privilégio duplo porque crescemos a ouvi-lo e dava-nos uma oportunidade de irritar saloios porque sabemos que a figura do Miguel é uma blasfémia para os saloios que se armam em puristas do punk (e nós amamos irritá-los).
Esta Quarta-Feira vai acontecer o contrário. O Miguel convidou-me para cantar uma música com ele no concerto que vai dar no CCB. É de uma grande generosidade até porque serei uma perfeita desconhecida e desengraçada figura em palco. A ironia feliz é que em níveis de popularidade absolutamente opostos quer ele, quer eu, sabemos que é apenas rock'n'roll. E gostamos.