segunda-feira, maio 31, 2004

Espectáculo diário
No Daily Show de Jon Stewart, Janeane Garofalo (menina da Rádio Liberal AirAmerica) acusa Bush de ser fundamentalista. Afirma que o Presidente crê no criacionismo e no fim do mundo - o homem não descende do macaco mas de Adão e Eva e a Terra tem os dias contados na batalha do Armagedão.
Eu, que com alguma razoabilidade posso ser enfiado dentro do mesmo saco do Presidente Bush, considero que é muito mais fácil acreditar no princípio e no fim do mundo do que no meio. O meu problema é mesmo com o "hoje".
A última página do dicionário
O Pedro parece que que vai de vez. Com muita pena minha. Perde-se um blogue, ganha-se um livro.

sexta-feira, maio 28, 2004

Filme 1 (ou "A alma na ruína")
O que irrita em "O dia depois de amanhã" é não se limitar à destruição. Tenho para comigo que o filme-catástrofe exemplar é aquele que não olha a personagens privadas. Tudo é humanidade a ver o mundo desabar. Sem história de amor pelo meio nem pormenor doméstico.
O método do cataclismo global já foi divino. Agora é sobretudo gráfico e irremediavelmente desinspirado.
Disco 2
O interessante no "The Eminem Show" é o quase impossível equilíbrio entre chamar "cabra" a todas as mulheres no horizonte e fazer juras de amor eterno à filha de 4 anos.
Disco 1
Agradaram-me as duas, três cantigas que ouvi do Quinteto Tati. Calha passar os ouvidos por uma entrevista da banda na Antena 3. "Vida decente", "mercantilismo", "globalização" e "lógica economicista" fazem parte do vocabulário. Às vezes o melhor é ficarmo-nos pelo disco.

quinta-feira, maio 27, 2004

Sinais dos tempos
Há sempre gente com problemas com este homem. É Paulo, apóstolo para uns, São para outros, um incómodo para muitos mais.

Rembrandt, 1627.

quarta-feira, maio 26, 2004

Breve motivo para regozijo
Este disco.
Extemporânea confissão
Eu sinto-me culpado de cada vez que vou para Lisboa de automóvel. Recuso o bom-senso dos transportes públicos. Recalcitro contra os aguilhões, como dizia Jesus a Paulo na estrada para Damasco. Não sou uma alma emancipada. Escavo dentro do meu espírito para atingir a libertação do cativeiro. Maldito abismo de estofos e volante.

terça-feira, maio 25, 2004

Gatos de pernas para o ar
A Quinta Coluna acabou. Mas o AR continua ali e o CC aqui. Há descrições de cadáveres felinos e tudo.
Da liberdade de acesso
Na igreja entram santos e demónios. Felizmente não há segurança à porta.

Emanuel de Witte, Innenansicht der Oude Kerk in Amsterdam.

segunda-feira, maio 24, 2004

Quando os chatos chateiam
O meu amigo Vincent diz que os blogs que compõem a parada orgulho-evangélico são chatos, aborrecidos e detestáveis. São arrogantes como convém a quem sofre de sintomas de abstinência de fama. Neles insere a Voz do Deserto. Como dizes bem, Vincent, a nossa amizade não é para aqui chamada (creio que nunca foi). Mas é graças a ela que sei que para a semana, sob a influência de outra lua literária, mudas de opinião e dás o dito por não dito. Há quem chame a isso de incoerência. A mim não me importa. A angústia pelo sucesso livreiro não faz parte das pragas com que o Senhor me atormenta.
Breve confissão de um pai II
Entrando na terceira semana de paternidade e parafraseando o bom Francisco, aproveito para deixar a questão: a noite, o que é?
Sobre Kleist e sobre o Vincent
O Alexandre escreve, reflectindo sobre o Brown Bunny do Gallo, "Gosto do cinema artesanal, do autorismo levado ao extremo; apoio aqueles que reagem às críticas de umbiguismo elevando esse mesmo umbiguismo ao quadrado". Nem mais.

sexta-feira, maio 21, 2004

O silêncio antes da resposta
As pessoas perguntam-me qual é a sensação de ser pai. Escandalizam-se ante a minha hesitação. Digo-lhes que é como tirar a carta de condução. Só que com a certeza de que agora é mais difícil conduzir seja lá o que for.
O salário do pecado é a morte (Romanos 6:23)
Os piores blogues são os que defendem causas. Quer sejam democratas invictos, maricas inflamados, evangélicos cheios do Espírito, ou vítimas de outra qualquer patologia semi-filantrópica.
Gente que parece que está a ser paga para fazer um bom trabalho não interessa fora do escritório.
Sem perdão
O meu amigo Paulo confessa o pecado da ausência de hábitos de leitura. Um tipo que não lê é uma besta, afirma. E é bem verdade. Não lhe vislumbro indulgência possível.

quinta-feira, maio 20, 2004

Um comentário quase político
Comecei por não apreciar George W. Bush. Na altura preferia as botas texanas de Al Gore. As minhas afinidades ideológicas carecem sempre de um incentivo estético (até porque não creio na ideologia propriamente dita). À medida que as coisas foram azedando foi me dando mais prazer afirmar a minha simpatia pelo presidente americano. Até porque não consigo resistir a afeiçoar-me aos alvos de ódios generalizados pela população.
O Vincent Gallo dizia numa entrevista "Let's talk about what a wonderful president George Bush has been so far". Eu gosto do Gallo. Eu gosto do Bush. A política é muito mais interessante quando não fugimos à sua precária e omnipotente dimensão humana. Não escolho aqueles de quem gosto. Mas escolho bastante aqueles com quem não quero ter nada a ver.
A razão só serve para justificar o nosso amor pelos feios.
Correspondência
Esta carta aberta à Isabel Figueira é imprescindível. O seu autor deseja abraçá-la. Com exploração cordial, de puro empirismo táctil descambado em amizade. Nem de outra forma poderia ser.

quarta-feira, maio 19, 2004

Mais um
Junto-me à petição pela canonização de John Carpenter, sugerida pelo meu amigo Samuel.
No supermercado
Esta canção é das mais eloquentes de todo o mundo ocidental:
"I'm all lost in the supermarket
I can no longer shop happily
I came in here for that special offer
Guaranteed personality
".

terça-feira, maio 18, 2004

O texto de terça-feira
Um dos mais finos traços de carácter da teologia cristã evangélica é a absoluta justeza da condenação universal ao inferno. Sendo o fogo e o enxofre uma figura retórica ou não, certo é que estamos todos destinados à perdição. Altera este estado de coisas a graça divina do sacrifício de Jesus. A ela o homem deve responder com a sua conversão, convém-nos agora abreviar.
Todos na mesma prévia fila indiana, na garantida estadia no hades. Este é o único evangelho que prego e que já muito trabalho me dá. Deveremos pensar em exemplos concretos. Exemplos concretos são coisas esteticamente deploráveis mas bastante úteis aos homens de pouca fé que hoje em dia somos. Na comum condição de seres carentes da Salvação: Herberto Helder, o imaculado poeta; Marta da OK Teleseguro; Alberto João Jardim, o eficaz político democraticamente eleito; Ana Lourenço, a elegante pivot da Sic Notícias; a criancinha do anúncio do pão de forma sem côdea; Farfalha, o pedófilo insular; para enumerar apenas alguns.
Sabemos que os humanista gostam do conforto de julgar que apenas os grandes tiranos e inimigos das liberdades políticas merecem as penas do tormento eterno. Nada mais incorrecto. Por exclusão de partes sugere-se a ideia de que os pobres e os fisicamente incapacitados são criaturas imanentemente benévolas. Ignorância crassa. Há pensões económicas e lugares de estacionamento para deficientes nos domínios de Satanás.
É útil vivermos com pressupostos. Até é possível apreciar poesia partindo de concepções religiosas conservadoras (veja-se o caso de ter há já mais de um ano uma antologia de T.S. Eliot debaixo da Bíblia na minha mesinha de cabeceira). A vida é sempre mais feliz quando se conta logo com o inferno.

segunda-feira, maio 17, 2004

Que se saiba
Os efeitos do pecado são semelhantes a cozinhar lulas num apartamento. Primeiro que o cheiro saia...
Efeméride
O Quinto dos Impérios fez um ano a semana passada. Parabéns!
Uma nota sobre uma carreira musical
Pelo muito pouco que conheço da discografia de Ágata (comprei a semana passada o meu primeiro CD da artista) parece que é sobretudo uma intérprete. Faz-se acompanhar de compositores de talento, como Ricardo, e outros nem tanto, como Toy. Mas no único tema da sua autoria do álbum "Abandonada" Ágata escreve: "Será que ele ainda me ama / ou é só na cama / que me diz que sim? / Será que o seu amor tem chama / ou ele me engana e não gosta de mim". Desconheço se existe aqui autobiografia mas só a sua possibilidade é suficiente para me manter atento à carreira da alva cantora.

sexta-feira, maio 14, 2004

Um esclarecimento conceptual
Existem os cronistas que colocam perguntas pertinentes. Outros dão respostas descabidas. Juro que entre estes dois procuro o equilíbrio.
Da cortesia esquecida
Defendo um proselitismo gentil. Cordial. É abjecto o que certos evangélicos fazem por alturas do 13 de Maio. "Evangelizar" peregrinos católicos no exercício da sua devoção, correcta ou não, é uma violência nojenta. Ninguém gostaria de ver Hare Krishnas saltitantes a barrar-nos a entrada do Pavilhão Atlântico no Dia do Evangélico. Crentes que não respeitam a liberdade dos outros para não crer são gente que não interessa nem ao Menino Jesus.

quinta-feira, maio 13, 2004

Ao léu
Através do Maradona descubro o The Times Literary Supplement online. Encontro um artigo sobre a recente publicação de umas cartas que C.S. Lewis escreveu ao seu irmão. Leio que parece que o escritor possuia uma espécie de misoginia congénita. Haverá para aí muito cristão em prantos. Tentando contextualizar as idiossincrasias do herói.
Eu nem por isso. Assim é que gosto deles. Com os pecados à mostra.
Revista blogosférica
- Os Paletós e o Abrupto comemoraram um ano
- o Ponto e Vírgula tem uma nova aparência bem catita
- o Paulo enterrou a Deusa para se tornar carteirista
- O blogue Serei Bispo? é indispensável
- o Vizinho do Mar está de volta.

quarta-feira, maio 12, 2004

Memória útil
Relembra-se que o indivíduo David, que as Escrituras tão bem descrevem enquanto pastor, músico, poeta, soldado, místico devoto e monarca, entre tantos talentos, ia dando cabo da sua vida às custas de assistir aos banhos das mulheres dos outros.

(Batseba no banho, por Hans Memling.)
A natureza do diferendo
Na TSF o Padre Villas Boas explicava que, por exemplo, os evangélicos tinham o "diferendo Maria" que os impedia de usufruir a comunhão ecuménica mais plena. Eu tenho muitos mais diferendos. Estou cheio de diferendos. Respiro diferendos. Nem tão pouco confio em pessoas com as quais não partilhe uma quantidade razoável de diferendos.
Mais do mesmo
A Igreja Católica anda às voltas com a hipótese de Fátima se tornar um centro de diversidade religiosa. Relembro que não sou católico nem o assunto me diz respeito.
O problema do ideal ecuménico é sobretudo a sua inconsistência filosófica. Esperar que os homens tenham de fazer as coisas em conjunto. A crença no "caminho comum" e semelhantes cantilenas que já nem recém-nascidos adormecem.
Esta semi-teologia romana é como o After-Eight: quer ser chocolate e lavar os dentes ao mesmo tempo. Não se arranja para aí um muro qualquer que caia e com ele o ideal ecuménico? Estava-me mesmo a apetecer derrubar qualquer coisa.

terça-feira, maio 11, 2004

Breve confissão de um pai
Vivo em jet-lag. A filha tem o horário espiritual de Nova Iorque.
Pequena ilustração de Terça-feira
Márcio Judas concluira que havia chegado a altura da sua definição política. Queria sustentar posições que lhe oferecessem a mesma notabilidade que adquirira no seu bairro ao comprar a primeira prancha de surf das redondezas. Manter a vaidade. Ser de esquerda tornava-se improvável. À direita podem sempre dizer-se coisas que impressionam. Ser cínico. Caprichoso e impaciente. Semicerrar os olhos e afirmar às mulheres "politicamente sou um conservador". As grandes causas valem pouco para quem cresce num prédio de sete andares. Um pouco de niilismo fica a matar numa boa toilette.
As ideologias trazem também a medida da cintura.

segunda-feira, maio 10, 2004

No hospital
Passo três dias num hospital que alberga estrelas da tv, gente bem nascida e a classe média suburbana, como eu, que através de seguros manhosos consegue iludir os seus semelhantes em que está bem na vida.
Como as matérias sexuais são o sagrado do tardio século XX, todos os dias uma enfermeira perguntava à minha mulher se "o acompanhante" dormiria com ela no quarto. Raios partam. A minha esposa não é mãe solteira nem eu vivo amigado. O marido, minha senhora, o marido.
Uma semana depois
Entretanto a Maria nasceu. Agradeço a todos os que mostraram contentamento pelo facto. À partida não será matéria bloguística. De seguida vem já um poste razoavelmente reaccionário para mostrar que o tema da paternidade pertence sobretudo à privacidade. Aqui valoriza-se sobretudo a ameaça profética.