sábado, dezembro 31, 2022

O MEU ABC DE 2022

A de Articulista no Observador

Quando o Ricardo Costa sugeriu que os “articulistas do Observador (…) vivem num mundo de aliens”, não contribuindo para o feliz facto de “Portugal ser um país moderado”, senti-me parte de um projecto colectivo com o qual me identifico totalmente.


B de Brasil

Não há volta a dar: Portugal é cada vez mais Brasil. Visitei o Brasil apenas pela segunda vez (desta vez com a Rute) mas cada viagem lá é sentida por mim como um dever. O Brasil também visitou a Família Cavaco de um jeito especial na estadia da nossa amiga Mariana Nogueira cá em casa (que, entre tantos belos passeios de Verão, nos levou à Casa Fernando Pessoa que não visitávamos há uma eternidade). Quanto mais razão reconheço no Pessoa ao dizer que a nossa pátria é a língua portuguesa, mais o Brasil se torna também o meu país—um país novo. Um pequeno exemplo: esta coluna no Observador já me rendeu um contracto do outro lado do mar.


C de Concertos

1. O Manuel Fúria no Centro Cultural de Belém (o Manel gravou um disco chamado “Perdedores”, com o qual estive envolvido desde a audição das primeiras maquetes há dois anos, onde se dedica à perda—uma perda que não é só pose mas também uma vocação cristã).

2. O Miguel Arsénio nas Línguas de Fogo na Escola do Largo no Chiado (o Miguel não é bem cantor nem é bem stand up comedian mas o que faz com piadas tortas, semi-karaokes e confissões destravadas comove-me).

3. O Rui Pregal da Cunha com os Lacraus na Consoada da FlorCaveira no Tokyo Bar, mostrando que o estalo dos Heróis do Mar continua retumbante (baza fazer uma banda, Rui?).


D de Discos

“Os Perdedores” do Manel

“40 oz. To Fresno” dos Joyce Manor

“Éme e Moxila” do Éme e da Moxila

“Jacking For Beats” do N8NOFACE (de 2020)

“Glow On” dos Turnstile (de 2021)


E de Enterros

Em 2022 voltei e fazer enterros. Os primeiros anos do meu ministério pastoral deram-me alguma experiência com funerais e depois, à medida que a Igreja crescia, praticamente desapareceram da minha rotina. Voltaram em 2022. Custou-me especialmente a despedida da nossa Irmã Manuela Correia, com 90 anos. Ela deixou uma nota de despedida à família com indicações práticas, onde estava escrita uma das coisas mais bonitas que já disseram sobre mim: “Contactem [o] Pr. Tiago Cavaco da Ig. Baptista da Lapa onde sou membro. O contacto é  915 XXX XXX. É melhor mandar mensagem se ele não atender logo.” Fui e sou o Pastor da Igreja onde a Irmã Manuela foi membro e, mesmo lento a atender telefonemas, pertenci ao cuidado dela até que Deus a chamasse—a Igreja é a maior invenção do mundo!


F de FlorCaveira

A editora que comecei em 1999 com amigos (o mais conhecido é o Samuel Úria) dispôs-se a trabalhar mais e melhor, agora que ultrapassou 20 anos—ser adulta, enfim. No início do ano experimentámos um pequeno festival evangélico, depois tivemos residência artística na Escola do Largo do Chiado, organizámos outros concertos, lançámos discos, criámos roupa e somos provavelmente a única empresa independente que está no processo de compreender como o negócio da música realmente funciona em Portugal (açambarcadores, tremei!). Fechámos tudo com uma bela Consoada no Tokyo Bar onde o Rui Pregal da Cunha dos Heróis do Mar nos lembrou que “a glória do mundo está no mistério do Senhor” (nada disto teria acontecido sem o nosso miúdo-milagre, o Manuel Ferreira).


G de Gratidão

Se tiver de escolher apenas um motivo que em 2022 arrebita a minha gratidão falaria do meu casamento que fez vinte anos. É ainda melhor estar hoje casado com a Ana Rute do que era em 2002.


H de Homens

Além dos dois homens que me acompanham no pastoreio da Igreja da Lapa, o Filipe Sousa e o Mark Bustrum, tive em 2022 a companhia de outros homens que se aproximaram pedindo mais da palavra pregada. À falta de melhor termo, chamamos mentoria a esse tempo em que investimos espiritualmente uns nos outros. O Newton, o João, o Rodolfo, o Manuel e o Pedro trouxeram um belo recheio aos dias de 2022.


I de Igreja

Amo a Igreja local de que faço parte, a Igreja da Lapa (o nome completo é Segunda Igreja Evangélica Baptista de Lisboa). Pela graça de Deus, este foi um ano de crescimento. Não é nada de explosivo mas é incrível tendo em conta os últimos tempos de encanfuamentos em casa. Em 2023 queremos abrir uma Igreja nova e ajudar antigas. A amizade que recebemos de outra Igreja, a CCLX, pastoreada pelo Pastor Nuno Ornelas, foi especial.


J de Jesus

A letra mais importante de todas na língua portuguesa. Tudo se resume a Jesus.


K de Kierkegaard

A minha obsessão por Kierkegaard é antiga e já inventei o título do livro que quero escrever para honrá-la. “Kierkegaard Para Bateristas” servirá para explicar porque é que o filósofo dinamarquês deve ter impacto na vida de qualquer pessoa do Século XXI que queira viver mais perto de Deus. 


L de Livros

Estes são livros que abençoaram o meu 2022 (a maior parte não é edição deste ano).

“Cinema Speculation” do Quentin Tarantino

“Pardais” da Adília Lopes

“Escuta, formosa Márcia” de Marcello Quintantilha

“Moby Dick” do Melville (finalmente li-o!)

“The Critic As Artist” do Oscar Wilde (a edição é de 2019)

“The Rise and Triumph of the Modern Self” do Carl Trueman (é de 2020)

“Naturalmente Hipócrita” do Nuno Ferro (é de 2014)

“Poesia Reunida” da Adélia Prado (é de 2015)

“Rapt” de Winifred Gallagher (é de 2010)

“Sabrina” de Nick Drnaso (é de 2018)


M de Misticismo Invertido

Aos 45 anos estou ainda mais certo de que o meu cristianismo é anti-místico. O que pode parecer para tantos uma contradição é apenas um amadurecimento da ideia de que a visão maior que é dada ao cristão não é a de Deus mas a das trevas. É o paganismo que vê e pinta o divino com as cores mais luminosas e garridas. Para o cristão tudo funciona no paradoxo de ser no escuro que realmente se olha. O nosso negócio primeiro não é publicitar iluminações mas apagá-las num mundo sôfrego de epifanias precoces.


N de Ninho

Com a entrada da nossa filha mais velha para a Universidade (ver a letra U), o ninho familiar pode ser observado de outra perspectiva. Os nossos pequenos, a Maria, a Marta, o Joaquim e o Caleb, já não são crianças (o Caleb, chegando aos 12, alcançou a idade judaica da responsabilidade moral). Uma das vantagens deste tempo é que vamos conversando com os nossos filhos como os companheiros que eles também nos são: a Maria falando-me das aulas de História Medieval, a Marta feita diva de estilo, o Joaquim a testar a sua esperteza com humor corrosivo, o Caleb tornado meu baterista em ensaios excitantes. Fizemos bebés e, de repente, tornam-se amigos nossos.


O de Oceano

Em 2022 contei 126 que mergulhei no mar. Dá uma média de uma ida ao oceano em cada 2,8 dias.


P de Passe

Metade da pouca paz de espírito que tenho é feita de andar a pé. Se juntarmos a esse hábito e prazer o facto da Família Cavaco usufruir do passe metropolitano, melhor ainda. A cidade abre-se não como um espaço em que se transita mas como um espaço que nos pertence. Deambular por Lisboa com passe é poder reagir à cidade à medida que ela nos impressiona. A pessoa não percorre necessariamente percursos do ponto A ao ponto B (como o carro tende a fazer), mas a pessoa escolhe o comboio, o eléctrico ou o autocarro (a opção de que menos gosto, por se manter na mesma lógica do automóvel) como quem segura a mão que a cidade nos estende.


Q de Quinze

Fez 15 anos que me envolvi na abertura de uma nova Igreja. O que começou em São Domingos de Benfica em 2007 continua hoje na Lapa de 2022. A lógica da familiaridade dos pequenos inícios não é a do desenvolvimento num lugar maior e numa comunidade mais complexa. Não sendo melhor nem pior, é diferente.


R de Redes sociais

Apesar de ter passado menos tempo no Instagram, ainda me sinto demasiado influenciado pela overdose de socialização virtual (sobretudo o Twitter). O Diabo adora este uso masoquista que fazemos da internet porque, na aparência de estarmos ligados, o outro é-nos cada vez mais intolerável.


S de Seminário

Depois de uma década de sonho e planeamento, a abertura de uma nova Escola Teológica em Portugal concretizou-se! O homem do leme é o meu cunhado Tiago Oliveira, Pastor da Primeira Igreja Baptista de Lisboa (ao seu lado estão o Joel Bueche Lopes e o Diego Lopes). O primeiro semestre do Seminário Martin Bucer Portugal iniciou em Setembro e tive oportunidade de ensinar a cadeira de “Cristianismo e Cultura”. Ainda lamento o modo como uma matéria destas é estranhada no ambiente evangélico (como se fosse possível ser cristão sem considerar que, enquanto criaturas, somos resultado do cultivo de Deus—tudo é culto e cultura) mas, a pouco e pouco, o protestantismo português faz pela sua emancipação.


T de Trabalho

Uma das coisas boas de ter 45 anos é que a relação com o trabalho muda. Sinto que preciso de fazer menos para fazer melhor. Explico: sobretudo os trintas tinham um nervo em que trabalhava sem me cansar, quando comparado com os quarentas. Claro que chegou em dia em que me vi cansado por todos os anos em que aparentemente não me cansava. A pessoa adapta-se e aceita os novos limites. Hoje não consigo fazer o que fazia aos trinta mas dedico-me mais vagarosamente e com mais prazer.


U de Universidade

A nossa filha mais velha entrou para a Universidade, provavelmente o facto que mais introduzi à força nas conversas que com qualquer ser humano fui tendo desde Setembro. Leram bem? A nossa filha mais velha entrou para a Universidade.


V de Ver filmes

Uma mão cheia de filmes marcantes em 2022, mesmo tendo em conta que alguns são antigos e eventualmente já tinham sido vistos antes:

“The Fabelmans” do Steven Spielberg

“This Much I Know To Be True” de Andrew Dominik

“O Sétimo Selo” do Ingmar Bergman

“Young Mr. Lincoln” do John Ford

“Fátima” do João Canijo


W de WhatsApp

Viva o WhatsApp! Abaixo o WhatsApp! Nesta relação complicada que temos com o facto de podermos comunicar a toda hora, consolida-se uma certeza pessoal: não há-de ser a tecnologia a determinar a minha resposta. Na nossa essência, não somos o que conseguimos fazer, usando os recursos técnicos disponíveis; somos também o limite que conscientemente impomos a esses recursos. Na era dos WhatsApps sou também o tempo que demoro a responder ou até quem não responde de todo. Além da tecnologia, decido existir.


X de Xadrez

O xadrez é o padrão da música ska. Preto e branco na cor, pretos e brancos na plateia. É fácil tomar o ska como uma música quadrada ou desinteressante pelo facto dos guitarristas tocarem o contratempo de um modo básico. Tenho uma regra pessoal: quem goza com o ska para mim está fora.


Y de Young, Restless and Reformed

Há mais de uma década chamava-se Young, Restless and Reformed ao movimento de evangélicos que se metia pelo Calvinismo a dentro. A moda passou, felizmente, e quem ficou no Calvinismo sentiu-se na necessidade de ir além desse rótulo de jovem, irrequieto e reformado. Num extremo, uns tornaram-se mais calvinistas no sentido de mais rabugentos e quezilentos. Noutro extremo, os que não queriam perder a juventude abjuraram do Calvinismo de todo. Gosto de me imaginar no centro: envelhecendo mas sem esquecer que o que me levou ao Calvinismo não foi a capacidade de manter todos debaixo das regras mas de quebrá-las.


Z de Zeros

Esta fica como trabalho de casa para os leitores: quais foram algumas coisas distintamente negativas de 2022?

terça-feira, dezembro 27, 2022

A Bíblia não elogia dominadores

sexta-feira, dezembro 16, 2022

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O sermão de Domingo passado, chamado "Só o miserável magnifica", pode ser ouvido aqui (ou no Spotify).

segunda-feira, dezembro 12, 2022

Marias há muitas

segunda-feira, dezembro 05, 2022

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O sermão de Domingo passado (o outro, não o de ontem), chamado "Pôr o pé na porta", pode ser ouvido aqui (ou no Spotify).

sexta-feira, dezembro 02, 2022

Quero ser um fósforo (Karaoke No Mundo Das Trevas)