terça-feira, dezembro 31, 2013

Ouvir
O exemplo de José ecoa nos nossos corações e devemos perguntar: o que estamos nós dispostos a fazer para proteger os nossos filhos?
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).

segunda-feira, dezembro 30, 2013

O ABC de 2013

A. Ano.
Há anos e anos. Alguns deles acabam por destacar-se dos outros. 2013 foi um ano desses pela transformação profunda na Igreja da qual faço parte. Doze meses é pouco? Certamente. Mas dá para abraçar muita mudança.

B. Bíblia.
Na leitura total que fiz da Bíblia este ano destaco o segundo livro de Samuel. É um relato impressionante colocado principalmente em David, na história do seu pecado e consequências dele. Para pessoas religiosas é fácil aceitar o conceito do pecado mas acabar por desvalorizá-lo na prática. A triste ironia é que quando desvalorizamos o pecado acabamos a desvalorizar aquilo que Cristo fez para tratar dele. A Bíblia é o livro errado para quem quer alívio rápido para o mal que fez. A Bíblia faz-nos viver diariamente diante do pecado que cometemos porque o assunto é tão central na nossa vida que mereceu que alguém o resolvesse morrendo. Quem levar Jesus a sério, levará a sério o que levou Jesus à cruz.

C. Cinema
Os filmes que mais gostei este ano foram:
- "Flight" de Robert Zemeckis. Um drama que sabe levantar voo.
- "The Impossible" de  Juan Antonio Bayona. Um melodrama que sabe meter água.
- "Prisoners" de Denis Villeneuve. O único thriller realmente decente que vi nos últimos anos.
- "Captain Phillips" de  Paul Greengrass. Emocionante até ao fim.
- "World War Z". Is not that good and is not that bad.
- "Monsters University" de Dan Scanlon. Uma história inspiradora de amizade e conquista.
- "Frozen" de Chris Buck. Tão gelado quanto magnífico. A Disney está de volta para fazer com os nossos miúdos o que fez connosco.
- "You're Next" de Adam Wingard. Ando a desintoxicar-me da fase de terror mas este vale a pena.
- "Oblivion" de  Joseph Kosinski. Não é preciso ser o "A.I." para ser bom.
- "The Hunt" de Thomas Vinterberg. Mads Mikkelsen é grande num grande filme.
- "All Is Lost" de J. C. Chandor. Robert Redford até como o homem mais condenado do mundo consegue ser o homem mais charmoso dele.

D. Discos.
1. "Introdução a Bruno Morgado" - isto não é para cardíacos. Tinha de escolher este disco (que são oito discos) porque se a FlorCaveira tivesse de existir para publicar apenas um artista, esse artista seria o Bruno. Todos os outros, com mais ou menos esforço, poderiam ser editados noutro lugar. Mas o Bruno é, nesse sentido, o produto mais autêntico da FlorCaveira. Também porque é o mais difícil de amestrar. Ao Bruno não se declara amor, declara-se, quando muito, sobrevivência.
2. "O Grande Medo do Pequeno Mundo" do Sami - tinha-vos avisado já no ano passado.
3. "Yeezus" do Kanye. West é tão insuportável quanto inultrapassável. Reduziu o que faz ainda mais ao osso. Osso do que usa para instrumentos musicais e osso do que escolhe para dizer (apesar de quase sempre detestar o que West quer dizer, reconheço que sabe dizê-lo brilhantemente).
4. "Manuel Fúria Contempla os Lírios do Campo". Dá a ideia que a crítica disse bem do disco do Manel para não ter de se relacionar com ele. Nós, os amantes deste disco, faremos-lhe a justiça que aparentemente a agenda editorial evitou.
5. "Modern Vampires Of The City" dos Vampire Weekend. Não é tão bom quanto o primeiro (e não sei compará-lo bem com o segundo). Mas é um belo disco.
Mais três discos portuguesesque vale a pena referir: o último do Deserto Branco (ainda por editar); "Coração no Chão" do João Só; "Quadro" dos Três Por Cento.

E. Entretenimento.
Uma das descobertas de 2013 é que tenho confundido entretenimento com descanso. São coisas diferentes. Pessoas que levam a sério o trabalho, levam a sério o descanso, como nos ensina a ética judaica. O entretenimento conquistou uma geração, que provavelmente achou que estar relaxada enquanto entretida era descansar. Tenho muito trabalho pela frente para aprender a descansar.

F. Feromona
Os Feromona terminaram. Por que razão uma das melhores bandas de rock no nosso País não sacou do nosso País aquilo que se espera das melhores bandas de rock? Tenho as minhas teorias sobre o assunto. Mas diria apenas que o mais importante ficou, independentemente dos Feromona terem chegado ao fim. As canções estão lá. O que elas fizeram até agora para um número relativamente pequeno de pessoas (que justamente lotaram o Music Box para o concerto derradeiro), pode continuar a ser feito para um número muito maior, desde que tenha o cuidado de descobri-las.

G. Gastronomia.
Este foi um ano de gastronomia na medida em que todos os Domingos (excepto os de Agosto) comi na mesma mesa das pessoas da minha Igreja. Os cristãos também vivem de uma fé de garfo.

H. Henriques.
A Sandra Raquel e o Rui Girão foram os primeiros, dos nossos amigos próximos, a ultrapassarem-nos em número de filhos. Sei que isto diz muito acerca dos evangélicos não serem os procriadores mais briosos mas, aqui e ali, começa a aparecer uma reacção. A Sandra Raquel e o Rui tinham três e no início deste ano a Sandra engravidou de gémeos. Tenho dito que nos ultrapassaram pela direita. Apesar de gostar do estatuto que gozava, é inspirador ver nos outros uma medida maior que a nossa. No outro dia perguntava ao Rui como estava a ser e ele, com muita calma, disse: "Isto é como nos Alcoólicos Anónimos - é um dia de cada vez." Creio que foi a frase mais cheia de graça que ouvi nos últimos tempos.

I. Imoralidade.
A palavra proibida. Ninguém quer ser apanhado a classificar moralmente a realidade. Os cristãos não têm opção. Deus só se preocupa com aqueles que, por serem imorais, precisam de ser salvos. Sou um deles. E por ser um deles não tenho hipótese de não lidar com a realidade naquilo que ela tem de pior: estar cheia de pessoas que, como eu, praticam a imoralidade e não o deviam fazer. Quando as categorias morais desaparecem da discussão pública ficamos rendidos ao pior tipo de pragmatismo: as coisas são apreciadas sobretudo pelo seu funcionamento. Somos seres com funções, certo. Mas temos almas também. Não me lembro de um ano em que a cultura pop vinda dos Estados Unidos fosse tão imoral como a deste. A decadência estética da música, por exemplo, é verdadeiramente assustadora. Uma boa parte das cantoras mais célebres dos Estados Unidos embarcaram numa estética soft-core que deixaria qualquer pessoa de moral e bons costumes de cabelos em pé. Mas espera, isso é aquilo que ninguém quer ser para que todos possamos consumir pornografia em paz de espírito.

J. Justiça.
Poucas coisas têm mudado tanto para mim quanto a visão acerca do que é ou não justo. Muito trabalho de casa pela frente.

K. Keller.
Tenho aconselhado indiscriminadamente o livro "Falsos Deuses". Tim Keller é uma voz verdadeiramente profética. E uma inspiração. Go for him!

L. Livros
- "Center Church" de Tim Keller. O manual para a emoção que é plantar novas igrejas.
- "Canon Revisited" de Michael J. Kruger. Quiseram matar a Bíblia mas a Bíblia não morre.
- "Nenhum Caminho Será Longo" de José Tolentino Mendonça. Num mundo erotizado à força, a amizade é a excitação mais perigosa.
- "História Politicamente Incorrecta do Portugal Contemporâneo" de Henrique Raposo. O Henrique dá cor à nossa cinzenta história política nacional.
- "Every Good Endeavour" de Tim Keller. Descansar é bom porque trabalhar também.
- "A Puritan Theology" de Joel Beeke. Puritanismo só pode ser ofensa para os ignorantes.
- "Explicit Gospel" de Matt Chandler. Ou o evangelho é explícito ou não é evangelho.

M. Mar.
Tenho de reconhecer que fiquei aquém das expectativas. Queria ter ido mais ao mar. Contei 130 dias em que o fiz. O que dá uma média de um encontro com o Oceano por cada quase três dias. A ver se 2014 me traz ainda mais mar. É o nosso futuro nacional, insisto.

N. Natalidade.
A Igreja da qual faço parte, reunida na Lapa, viveu em 2013 uma explosão de natalidade. Cinco bebés já nasceram e esperamos, pelo menos, mais quatro. Quando no princípio do ano, meio a brincar, meio a sério, as nossas mulheres criaram um grupo na internet chamado “Vamos encher a igreja de bebés”, mexeram em pólvora. Por isso estamos agora no meio desta tal explosão. Cuidado com o que dizemos porque Deus, que é omnipresente, ouve. A nossa Igreja tem de ser uma Igreja especialmente dada aos assuntos da paternidade e maternidade porque a nossa vida está a ser transformada por essa maternidade e paternidade.

O. Oliveira, Tiago.
O Tiago Oliveira é o meu cunhado que está a estudar no Reformed Theological Seminary no Mississipi, depois de ter pastoreado a Igreja Baptista da Graça. Uma das coisas mais fascinantes de 2013 é o facto de ter sido um ano em que beneficiei das coisas boas que o Tiago fez em Portugal mesmo estando ele actualmente no EUA. Ou seja, há coisas excelentes a acontecer em Portugal por causa da visão de um homem que agora está na América. Apercebo-me que somos muito precipitados a avaliar o alcance das nossas acções. O nosso tempo não é necessariamente o tempo de Deus e algumas sementes que o Tiago semeou a custo só agora dão fruto. E este fruto relaciona-se com a mudança na vida de pessoas que o meu cunhado pastoreou e com a mudança na vida de pessoas que o meu cunhado não pastoreou mas que lucram do seu empenho. Perceber o que acontece pede alguma espera.

P. Palavra pregada, escrita e cantada.
Preguei cerca de uma centena de vezes (nada de especial tendo em conta o ritmo de muitos Pastores no passado). Agradeço a Deus pelo privilégio de pregar a palavra e pelo prazer de pregar a Palavra. O facto do número de ouvintes ter crescido na Igreja para cerca de duzentos por cento, em relação ao ano passado, e de incluir quase sempre a presença de pessoas que ainda não confessam a fé cristã, torna a tarefa de pregar a Palavra uma aventura mesmo emocionante.
No início de 2013 tinha a ideia que brevemente publicaria o meu primeiro livro, feito de uma colecção de textos de mais de dez anos do blogue. Acabou por não acontecer assim. O "Felizes para Sempre e outros Equívocos Acerca do Casamento", projecto que estava parado há meses, acabou por arrancar graças à persistência aguda do meu inesperado editor, o Fernando Alvim. Não nego que este é um marco simbólico importante para mim, o de publicar um livro. Espero que Deus me ajude a usar essa oportunidade de uma maneira sábia e que sirva o trabalho de falar da minha fé. Defender a fé cristã em livro é hoje uma transgressão na sociedade que mais se desenvolveu à custa do cristianismo ser defendido em livros.
Se contar com a ida ao "5 Para a Meia-Noite", toquei cinco vezes ao vivo este ano. A melhor foi no Coreto da Cordoaria do Porto, com a Xungaria no Céu. A música, continuando a ser uma parte importante da minha vida, assume cada vez mais um papel mais complementar que essencial. Ainda deu para gravar um disco original (o da Xungaria no Céu) e uma mixtape. E tenho planos para 2014 que passam por mais rap xunga, e mais punk rock. Só Deus sabe.

Q. Q&A.
É um americanismo que pode ser irritante. Mas soa melhor que "perguntas e respostas". Começámos a ter um Q&A no final de cada serviço de culto do último Domingo do mês. Tem sido uma experiência formidável. Uma comunidade de fé deve ser um espaço onde o inquérito é bem visto porque o texto sagrado dessa fé também o valoriza. Fazer perguntas e procurar respostas é mais do que debitar opiniões. É levar a sério o que se pensa. O cérebro não se desliga quando se acredita.

R. Reuniões de Pastores.
Foi preciso virem dois Pastores de fora para os Pastores da zona de Lisboa começarem a reunir-se mensalmente. São reuniões razoavelmente informais em que nos juntamos para orar, encorajarmo-nos, ouvir a Palavra. A mim, que serei dos Pastores mais novos e inexperientes do grupo, tem-me impressionado a humildade com que os Pastores mais velhos e experientes partilham das suas necessidades, ansiedades e frustrações. Ser exposto a isto refreia alguns dos excessos naturais dos pastores mais novos, geralmente muito dados a terem soluções simples para todos os problemas que os mais velhos não conseguiram resolver. Precisamos muito uns dos outros. Deus usou o Jónatas Lopes e o Rui Sabino para que isto começasse a acontecer na prática.

S. São Domingos de Benfica.
Este Sábado que passou marcou a última actividade oficial em São Domingos de Benfica da Igreja à qual pertenço. Foram seis anos de SDB, como nos habituámos a resumir-lhe o nome. Não é fácil fazer justiça a tudo o que vivemos naquele lugar. Agora, depois de um ano em que já convivemos com a nossa nova morada - a Lapa, guardamos as melhores recordações de SDB. Naquela cave acanhada fizemos uma toca onde muita coisa aconteceu. Pelos serviços de culto, pelos concertos em condições precárias, pelas palestras de intelectuais ilustres, pelas entrevistas às estrelas do nosso humor, pelo café e bolinhos à chegada, pela visita frequente de reportagens televisivas, pelas nossas crianças a correrem pela rua e a esfrangalharem a paciência dos vizinhos, pela acústica verdadeiramente íntima que agarrava o canto congregacional, pelas canções que lá se gravaram, entre tantas outras coisas. Seremos uma igreja da capital mas o nosso coração não esquecerá SDB.

T. Tavares
Conheci o João Miguel Tavares na Faculdade. Ou melhor, conheci-o a ele mas ele só me conheceu a mim uns anos mais tarde. O João era do ano anterior e já na altura tinha reputação entre os miúdos do curso de Ciências da Comunicação. Fui acompanhando-o depois no DN e depois quando, com o Mexia e o Lombra, integrou a "Geração de Setenta". Fast forward e hoje o João é meritoriamente um nome incontornável na nossa imprensa. Este ano encontrámo-nos umas quantas vezes e nasceu uma amizade entre as nossas famílias. Aliás, mais que uma amizade, nasceu uma admiração dos Cavacos pelos Tavares. A Teresa e o João são o único casal público que conheço que assume a condição da família como exemplo cívico. Não quero teorizar muito sobre isto, até porque eles merecem melhor, mas resumiria desta maneira: os Tavares mostram-se como família sem o pudor imposto por uma cultura que supostamente protege a família não por razões familiares mas por razões individualistas. Com todo o respeito pelos meus amigos que escolhem fazer diferente, creio que esconder as nossas crianças da exibição pública diz mais sobre o que pensamos acerca de nós mesmos do que sobre o que pensamos acerca delas. Pode funcionar como um narcisismo retroactivo, coroados que nos sentimos pelo modo tão sensível como conseguimos separar o privado do público. A partir do momento que somos pais, acreditem, a manutenção da linha que separa o público do privado é seguramente a tarefa menos importante que nos é dada. A partir do momento que somos pais, acreditem, temos uma responsabilidade pública. Se a soubermos viver publicamente faremos muito mais por todas as restantes individualidades. Com isto não sugiro que os pais pespeguem ao segundo a vida das suas criancinhas online, mas que entendam que boa parte da reserva de proteger a família do olho colectivo pode ter mais cinismo que coração. Olhem para o exemplo da Teresa e do João. Sem exagero, é das melhores coisas a acontecer na nossa vida pública. Mostra coragem, uma qualidade muito perdida nos nossos dias tão calculistas.

U. União.
Os Baptistas são mais conhecidos pela divisão que pela união. Durante um ano vivemos na Lapa a união de duas igrejas diferentes. Chegando à fase final desse ano experimental, decidimos confirmar o que o plano apontava: a união numa só comunidade. Muito trabalho foi feito até aqui e muito mais trabalho terá de ser feito daqui em diante. A união não é um sentimento, é um serviço

V. Vaticano.
Roma volta a estar no centro das nossas conversas. Isso é bom na medida em que desperta as pessoas para a importância de falarem acerca dao cristianismo. Tentando fazer justiça à tarefa de acompanhar o Papa em boa-fé, diria que todo este amor por ele não é necessariamente um bom sinal.

W. We're Not Portugal.
Este ano quis ter um blogue em inglês com o meu cunhado, que está nos estados Unidos. Por culpa minha ficámos muito aquém. A ver vamos para o ano.

X. Xungaria no Céu.
Com a XNC concentro-me no muito que é possível fazer com pouco. Basta um micro, um playback e atitude. Não é displicência mas, de algum modo, depuração. Se quisesse fazer música realmente bela aprendia a tocar violino.

Y. You're wrong.
Believe me. Lots of times, we're wrong.

Z. Zeros meus.
A rigor não são zeros porque o zero fala de um estado neutro. A rigor são valores negativos. Em 2014 preciso da ajuda de Deus para ultrapassar as derrotas de 2013. Não as vou enumerar por um misto de vergonha e semi-bom-senso. Lembrem-se de mim nas vossas orações.

terça-feira, dezembro 24, 2013

É Natal


Ouvir
Pode haver mais desilusão para quem espera que o Messias faça determinada coisa do que para aquele que nem sequer espera que o Messias exista.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).

quinta-feira, dezembro 19, 2013

Foi bonito


quarta-feira, dezembro 18, 2013

Uma das coisas que ontem disse no lançamento do livro
Há uns anos um amigo meu estava para casar mas, em cima do acontecimento, resolveu não o fazer. Lembro-me que na altura comentei com alguns dos amigos próximos deste meu amigo, que eram também meus amigos próximos, que não entendia a razão da decisão do meu amigo em cancelar o seu casamento. Afinal, perguntava eu: "quem é que ele se julga que é para achar que não tem de ser tão infeliz como todos nós que já casámos?" Entretanto a minha perspectiva mudou. Hoje não diria uma coisa dessas porque mudou a minha perspectiva sobre a felicidade do casamento e porque mudou a minha felicidade no casamento. O mais fácil não é não casar de jeito nenhum. O mais fácil é casar de qualquer jeito. O mais fácil não é não casar por não acreditar no casamento. O mais fácil parece-me ser continuar casado mesmo tendo deixado de acreditar no casamento. É também por isto que somos mais cínicos, porque estamos dentro de uma experiência de transformação recusando-nos a ela - é isto que endurece a nossa casca.
Ouvir
A fé não é inimiga do inquérito. Jesus respondeu aos anseios do Baptista. É também por causa de textos destes que tentamos ser uma comunidade que valoriza e promove o inquérito como uma maneira das pessoas se encontrarem com Cristo. Quando no último Domingo de cada mês fazemos o período de perguntas e respostas é disso que tratamos. Quando eu enquanto Pastor me disponibilizo para conversar com as pessoas é disso que tratamos. Este espírito de inquérito é um trabalho sério na apresentação do Evangelho. O espaço dado ao inquérito funciona nesta igreja não para a mera conversa mas para a conversão.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui)

sexta-feira, dezembro 13, 2013

Bota na agenda!
A um preço excepcional de doze euros. Com a presença dos seus autores, do editor Fernando Alvim, do ilustrador Pedro Lourenço e do cantor romântico Samuel Úria.

Lendo A Exortação de Francisco, parte 3
Este work in progress de ler a Exortação Apostólica de Francisco I pedirá mesmo muito progress. Esta Exortação é mais longa que, por exemplo, a última Encíclica. Como o meu compromisso com os documentos da Igreja Romana não é de fidelidade mas de exame, e portanto sem a urgência de uma digestão pronta, é possível que a tarefa vá levar mais tempo que julgava.
Esta semana falava com o meu amigo António Marujo sobre esta Exortação. É um privilégio ouvir pessoas como o António. E é um privilégio também por causa da experiência do desacordo. O António perder tempo com os meus pensamentos acerca da Exortação é um exemplo claro de fraternidade. Porque não escondo as minhas divergências profundas quando leio o Papa. Faço um esforço para que o meu espírito não seja belicoso e não me limite a um exercício anti-católico romano, infelizmente um reflexo demasiado pronto entre os evangélicos.
Por outro lado é revelador que num País como Portugal, de maioria católica romana, seja normal toda a gente ter uma opinião sobre o Papa. Opinião essa, na esmagadora maioria das vezes, desprovida de qualquer enquadramento realmente religioso. Ou seja, o Papa é apreciado por ser mais à esquerda, ser mais à direita, por ser tradicional, por ser progressivo, por usar sapatos baratos, por andar de metro, etc. Raramente a perspectiva é teológica (e quando aparece o termo "teológico" é em função das categorias anteriores). Esta é uma característica que julgo própria da cultura católica romana e que a enfraquece. Os católicos romanos, mesmo que não cheguem à conclusão dos reformados, têm de começar a reflectir sobre a sua fé sem ser em categorias sociológicas. A sociologia não salva almas.
Posto isto, e como este trabalho é in progress, fiquei ainda no ponto 67 (que nem a metade chega). Dividi observações positivas das observações negativas.

Vinte uma observações positivas:
1. A insistência na ideia de "uma igreja de saída". Expressões como "uma intimidade itinerante com Deus" são felizes e mostram que cristianismo parado não é cristianismo.
2. A alegria como sinal do evangelho e como manifestação do seu contágio a outros. Isto é muito importante na compreensão da mensagem cristã.
3. A saudável teimosia em dizer à igreja que deve tomar a iniciativa.
4. A chamada aos cristãos a "um desejo inexaurível de oferecer misericórdia, fruto de ter experimentado a misericórdia infinita do Pai e a sua força difusiva."
5. A beleza e arrojo de sugestões como esta: "os evangelizadores contraem assim o «cheiro de ovelha»". Pastores são homens de curral. It's a dirty job and fortunately someone's gotta do it!
6. "A evangelização patenteia muita paciência, e evita deter-se a considerar as limitações." Nem mais.
7. O Papa sabe que biblicamente a Igreja é uma esposa e não uma mãe (como a religiosidade católica romana a trata). "«A Igreja deve aprofundar a consciência de si mesma, meditar sobre o seu próprio mistério (...). Desta consciência esclarecida e operante deriva espontaneamente um desejo de comparar a imagem ideal da Igreja, tal como Cristo a viu, quis e amou, ou seja, como sua Esposa santa e imaculada".
8. O Papa sabe que a autêntica Igreja é uma Igreja permanentemente em Reforma: "A Igreja peregrina é chamada por Cristo a esta reforma perene. Como instituição humana e terrena, a Igreja necessita perpetuamente desta reforma".
9. "A paróquia não é uma estrutura caduca". As igrejas observadas localmente são uma célula essencial do cristianismo. Não é de abstracções que falamos.
10. Uma demonstração que me parece sincera de abrir o papado a uma maior humildade cristã.
11. Uma vontade de tornar a igreja hábil no discurso mediático actual sem mutilar a sua mensagem.
12. A afirmação do "amor salvífico de Deus manifestado em Jesus Cristo morto e ressuscitado" como núcleo fundamental da fé. Esta frase: "se um pároco, durante um ano litúrgico, fala dez vezes sobre a temperança e apenas duas ou três vezes sobre a caridade ou sobre a justiça, gera-se uma desproporção, acabando obscurecidas precisamente aquelas virtudes que deveriam estar mais presentes na pregação e na catequese. E o mesmo acontece quando se fala mais da lei que da graça, mais da Igreja que de Jesus Cristo, mais do Papa que da Palavra de Deus" merece um amén calvinista!
13. Se o Papa sabe que o baptismo é a "porta" para a Igreja, valia a pena atravessá-la com a vontade: entrar na Igreja porque se quer e não entrar na Igreja porque alguém quis por nós.
14. Apesar de não concordar com o tom abstracto do final da frase seguinte, admiro-lhe a sinceridade inicial: "Muitas vezes agimos como controladores da graça e não como facilitadores. Mas a Igreja não é uma alfândega; é a casa paterna, onde há lugar para todos com a sua vida fadigosa."
15. "Não se pode tolerar mais o facto de se lançar comida no lixo, quando há pessoas que passam fome." Grande conclusão e grande frase!
16. Já esta frase é um bom exemplo das virtudes e dos vícios desta exortação apostólica: "A cultura do bem-estar anestesia-nos, a ponto de perdermos a serenidade se o mercado oferece algo que ainda não compramos, enquanto todas estas vidas ceifadas por falta de possibilidades nos parecem um mero espectáculo que não nos incomoda de forma alguma." O seu início revela uma preocupação verdadeira para confrontar espiritualmente o cristão. Mas o seu desfecho tem mais de cliché filantrópico que de rigor factual. "Vidas ceifadas por falta de possibilidades"? Por que o Papa não justifica melhor este tipo de generalizações?
17. "Não a um dinheiro que governa em vez de servir." Sem dúvida. O dinheiro é um meio para, não um fim.
18. "Reconhecemos que, numa cultura onde cada um pretende ser portador duma verdade subjectiva própria, torna-se difícil que os cidadãos queiram inserir-se num projecto comum que vai além dos benefícios e desejos pessoais." Creio que o Papa acerta e deveria ir mais fundo aqui. Desse tanto Francisco I no relativismo moral como dá no capitalismo e tínhamos uma Igreja Católica Romana a exigir mais dos seus crentes e daqueles que ainda não crêem.
19. "Em muitas partes, predomina o aspecto administrativo sobre o pastoral, bem como uma sacramentalização sem outras formas de evangelização." - afirmação corajosa e desarmante.
20. "O processo de secularização tende a reduzir a fé e a Igreja ao âmbito privado e íntimo." - great!
21. O Papa defende corajosamente o casamento: "O matrimónio tende a ser visto como mera forma de gratificação afectiva, que se pode constituir de qualquer maneira e modificar-se de acordo com a sensibilidade de cada um. Mas a contribuição indispensável do matrimónio à sociedade supera o nível da afectividade e o das necessidades ocasionais do casal." Mas ainda assim valia a pena afirmar que o valor máximo do casamento não está na "profundidade do compromisso assumido pelos esposos que aceitam entrar numa união de vida total" mas no facto do casamento ser um reflexo da relação que existe entre Cristo e a Igreja.


Sete observações negativas
1. Frases como "A Igreja evangeliza e se evangeliza com a beleza da liturgia, que é também celebração da actividade evangelizadora e fonte dum renovado impulso para se dar" padecem de uma veia poética tão persistente quanto algo irritante. O que é que o Papa quer mesmo dizer?
2. O exagero do verbo "interpolar". A popularidade do verbo "interpolar" entre católicos romanos, desejando contrariar a alienação dos homens em si mesmos, parece-me revelar um narcisismo retroactivo: as coisas valem não tanto porque nos são superiores mas porque, sendo superiores a nós, relacionam-se connosco.
3. A afirmação de que «os pobres são os destinatários privilegiados do Evangelho» padece de duas fraquezas essenciais. A fraqueza exegética: nas Escrituras dificilmente encontraríamos suporte consensual para essa simplifição. A fraqueza filosófica: a Igreja Católica Romana parece o oposto daquilo que quer inspirar nos seus crentes - demasiado materialista. Sempre que o assunto é pobreza ela aparece muito reduzida ao extracto bancário. A pobreza que a Bíblia fala certamente que passa pela ausência de posses. Mas vai mais longe do que isso. Na fé cristã, evangelicamente fundamentada, a probreza tambem é uma categoria reconhecida a partir de uma perspectiva espiritual, não económica. A pobreza elogiada por Jesus no sermão do monte, por exemplo, é um reflexo disso. Cristo não diz que as pessoas desvalidas monetariamente estão mais perto dele, mas que as desvalidas espiritualmente são aquelas que reconhecerão em Cristo o seu verdadeiro estado de necessidade.
4. "Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida." Certo. Mas sugere-me o óbvio: e o Papa não se preocupa com aquilo que está além das necessidades desta vida? E as necessidades da outra vida? Ou o Papa não acredita na outra vida? E que tal saber se o Papa se inquieta pela hipótese (ainda que pareça remota para Roma) das pessoas se perderem eternamente?
5. "Esta economia mata." A sério? Como? E aqui vale a pena uma nota mais extensa. O maior problema de Roma com o capitalismo não é tanto filosófico mas geográfico. Se Roma fosse tão radicalmente oposta ao capitalismo não haveria romanos ricos às custas dele. Ora, acreditem em mim, há. Aceitem mais da minha parte com benevolência: a maior parte dos ricos em Portugal enriquecem à custa do capitalismo e professam o catolicismo romano. Tenho amigos meus, bons liberais na economia e bons católicos romanos na doutrina, a tentar fazer a quadratura do círculo para acomodar esta contradição. Esse é um problema grande no nosso País. Os romanos ricos sentem-se culpados. Claro que os Protestante não têm problemas com a riqueza porque Deus não tem problemas com a riqueza. Deus tem um problema com a riqueza quando a riqueza substitui no coração dos homens o lugar de Deus. Jesus disse que é difícil um rico entrar no reino dos céus mas não impossível (é nesse texto que Jesus diz que para Deus nada é impossível). O maior problema de Roma com o capitalismo passa pela questão filosófica (Roma não tem uma perspectiva positiva do trabalho e do lucro, como os Protestantes têm) mas sobretudo pela geográfica: o capitalismo é uma coisa dos Protestantes. Roma terá sempre o capitalismo entalado não tanto por uma questão de prática (porque se assim fosse Roma teria de se desfazer de tudo o que tem adquirido através de modos próximos do capitalismo - e não me parece que vá por aí) mas por uma questão do capitalismo ser uma coisa que correu bem aos Protestantes de um modo que mudou o mundo de todos, até de Roma.
6. "Exorto-vos a uma solidariedade desinteressada e a um regresso da economia e das finanças a uma ética propícia ao ser humano." Que economia que propicia uma ética humana é esta que Francisco I deseja um regresso? A época pré-industrial?
7. Acho sempre graça quando um Papa se queixa do fundamentalismo. Ser Católico Romano não é em termos práticos um fundamentalismo? Eu, que sou abertamente (e para facilitar a evolução da conversa com os meus interlocutores não-crentes) um fundamentalista, considero a adesão a Roma um fundamentalismo muito mais exigente (porque por exemplo exerce uma autoridade dogmática, coisas que nenhum dos "fundamentalistas" originais alguma vez reivindicou para si).

quinta-feira, dezembro 12, 2013

Spurgeon é pólvora


quarta-feira, dezembro 11, 2013

Vamos!


terça-feira, dezembro 10, 2013

Ouvir
Um coração arrependido é um coração que anseia por Jesus. Não há Advento sem arrependimento.
O sermão de Domingo passado, pregado pelo Filipe Sousa, aqui (clicar em cima de aqui).

segunda-feira, dezembro 09, 2013

O A.
O meu amigo A. foi preso. Pior que estar preso sendo inocente é estar preso sendo culpado. E o crime que o A. cometeu é daqueles que mais consenso gera acerca de merecer o lugar onde está. O A. não tem uma consciência na qual se possa refugiar porque a sua consciência é a primeira a acusá-lo. A maravilha é que o futuro está nas consciências que acusam e não nas que amnistiam. Só pode haver perdão para os culpados. Os inocentes não precisam de desculpa. O A. ligou-me e ao telefone disse "graças a Deus por estar aqui." Eu tenho alguma experiência de pregar esta mensagem. Mas na hora em que o ouvia, sentia a mensagem que muitas vezes prego. E louvava a Deus por isso e encorajava o A. na sua pena. Para quem se arrepende há esperança. O A. arrependeu-se do mal que praticou e vive do perdão de Deus. Com todas as dificuldades próprias de não ter liberdade. Mas a gratidão, ninguém lhe tira. Lembrem-se dele nas vossas orações.

quarta-feira, dezembro 04, 2013

Entrevista antiga
Há cerca de dois anos a Alessandra e o Alberto fizeram-me esta entrevista para mostrarem no grupo de adolescentes da Igreja Baptista da Orla de Niterói. Bateu saudades deles e da Igreja pequenina em SDB.


terça-feira, dezembro 03, 2013

Notas sobre a Exortação Apostólica do Papa Francisco (um work in progress) II

Pontos 9 e 10. Não tendo nada a obstar, vale a pena perguntar por que o Papa não justifica a necessidade de evangelizar com o próprio Cristo? É o que acontece no Evangelho de Mateus, capítulo 28. "E, chegando-se Jesus, falou-lhes, dizendo: É-me dado todo o poder no céu e na terra. Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo." Fico com a ideia que a Igreja Católica Romana complica sem necessidade - se a Bíblia diz claramente, por que perder tanto tempo com explicações rebuscadas? Jesus disse, baza fazer.

11. Nova manifestação da tal complicadice romana: "crentes, mesmo tíbios ou não praticantes". O que é que crentes tíbios quer dizer? E crentes não praticantes? Aqueles que dizem que crêem numa coisa desde que essa coisa não se manifeste no que praticam? Se assim for, está tudo muito bem. A única chatice é que à luz da Palavra não é possível crer sem que essa crença se intrometa na prática. Roma parece preocupar-se tanto em estar cheia que acha natural reconhecer fé na teoria a quem a rejeita na prática. Céus. É uma pena que um parágrafo acerca da novidade da fé, um facto, se perca com esta ficção.

12. Muito melhor. Doutrina bíblica à séria: amamos porque Deus nos amou; é-nos exigido porque é-nos dado. Há um padrão óbvio: quando o Papa fala a partir das Escrituras o grau de erro diminui.

13. Sem dúvida, o cristão é uma pessoa de memória. A nossa fé encadeia-se na fé dos que nos antecederam.

14. Este ponto é menos estimulante para um cristão não-católico romano é porque é mais do domínio interno. De qualquer modo não resisto a dizer que é incoerente falar em pessoas que não vivem as exigências do baptismo quando foram baptizadas sem que o tivessem exigido. O baptismo de bebés, prática introduzida por volta do século IV, levará sempre a contradições destas. Por outro lado, a frase "A Igreja não cresce por proselitismo, mas «por atracção»" é bonita mas, espremida, dá o quê? Creio que a bem da nossa racionalidade, vale a pena compreender que o valor do proselitismo não está no agente humano que o pratica em relação a outro mas na verdade que é transmitida. No dia em que deixe se der proselitista é sinal que me prego a mim mesmo - que Deus me livre. O mundo tem mais que fazer do que ser "atraído" por mim.

15. Creio que Roma terá um problema em lidar com a evangelização enquanto presumir tão facilmente que os que dela fazem parte assim o estão. Isto também pode acontecer dentro das Igrejas Reformadas, claro. Na divergência tão grande de conceitos de pertença deveria ser o próprio evangelho a esclarecer o que é estar evangelizado.

Dos pontos 16 ao ponto 19. Acho excelente que o Papa se dedique à questão da evangelização. Só a vulgarização do termo já é uma pequena vitória.
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A maneira de estar pronto para o dia do Senhor não é saber quando mas viver como. É a diferença entre futurologia e fé.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).

segunda-feira, dezembro 02, 2013

Notas sobre a Exortação Apostólica do Papa Francisco (um work in progress)

1. "A alegria do evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus" começa o Papa e bem a sua Exortação Apostólica. A alegria não é uma manifestação do cristianismo mas, podemos dizer num certo sentido, a sua própria ética. Os cristãos não ficam alegres por acreditarem em Deus mas acreditam em Deus para serem alegres. Fomos criados para um prazer eterno que é a comunhão com o Criador. Nenhuma outra alegria é comparável com esta. E qualquer outra alegria depende em último grau desta.

2. Concordando com o Papa em ver no ressentimento e no queixume uma amostra do mal em que caem crentes e descrentes, vale a pena perguntar o que quer dizer "fechar-se nos seus próprios interesses", que refere antes. É que se começamos (e bem) falando na alegria de quem crê no evangelho é porque essa alegria torna-se para o crente um interesse próprio. Creio que a melhor maneira de dar seguimento à ideia da alegria que temos no evamngelho é precisamente compreendê-la como o nosso maior interesse. Podemos nesse sentido ser abençoadamente interesseiros porque Deus é a favor da nossa alegria. Aqui receio que o Papa dê com uma mão para tirar com a outra: elogia a vibração da alegria no primeiro ponto para tirar no segundo a naturalidade de procurá-la como um interesse próprio. Quererá o Papa pregar a alegria no evangelho ao mesmo tempo em que afirma que essa alegria se manifesta não procurando nós os nossos próprios interesses? Creio que caímos num conflito entre uma alegria que fica abstracta e um desejo que fica condenado.

3. No ponto 3 as coisas complicam-se de uma perspectiva de fundamento bíblico. Concordo com o convite inicial, em que devemos renovar o nosso encontro pessoal com Cristo. Mas depois pergunto: partindo do princípio que a Bíblia é revelação de Deus (a Igreja Católica Romana assim o crê, mesmo que de maneira diferente que os Evangélicos) onde fundamentamos a premissa de "da alegria trazida pelo Senhor ninguém é excluído"? Não? Todas as pessoas do mundo estão incluídas na alegria do Senhor? Onde é sustentado isto a partir da revelação do próprio Deus? O mesmo se aplica à frase "Deus nunca Se cansa de perdoar, somos nós que nos cansamos de pedir a sua misericórdia." É bonita mas onde encontra fundamento na revelação do próprio Deus? Se Deus nunca se cansa de perdoar, então como lidamos com a afirmação constante que julgará as pessoas de acordo com a sua vida, enviando muitas delas para o Inferno? Se colocarmos esta lógica de pé vale a pena dizer que se Deus não se cansa de perdoar não temos nada de nos arrepender - Ele perdoa por defeito. Chegue-lhe à frente a Madre Teresa ou o Hitler. Se Deus não se cansa de perdoar é porque o pecado lhe é indiferente. É quando o pecado não é indiferente para Deus que o facto de Ele perdoar perdão adquire um custo elevado: a vida do seu próprio Filho. Quando cristãos tentam explicar o conceito de perdão sem fundamentarem que esse perdão se compreende no que Cristo é e faz dá nisto: um gesto despersonalizado que por isso atinge todas as personalidades.

4. O ponto 4 é sem espinhas. Concordo em absoluto.

5. O mesmo se aplica ao ponto 5.

6. "Há cristãos que parecem ter escolhido viver uma Quaresma sem Páscoa." Apesar do conceito de Quaresma não ser tradicional de um evangélico como eu, compreendo esta frase e admiro-a. O Papa sabe que um cristianismo sem alegria é um cristianismo contrabandeado.

7. Não consegui entender a origem da frase seguinte citada pelo Papa mas ela é certeira: "a sociedade técnica teve a possibilidade de multiplicar as ocasiões de prazer; no entanto ela encontra dificuldades grandes no engendrar também a alegria". Reajo um pouco epidermicamente àquilo que me parece uma estetização do catolicismo romano em relação à pobreza (como se ter pouco dinheiro nos ajudasse a ter mais Deus), presente em frases destas: "Posso dizer que as alegrias mais belas e espontâneas, que vi ao longo da minha vida, são as alegrias de pessoas muito pobres que têm pouco a que se agarrar". Mas reconheço verdade no que pretende dizer.

8. Apesar de formulações como "consciência isolada" e "auto-referencialidade" me parecerem vagas, reconheço a pertinência da frase: "Chegamos a ser plenamente humanos, quando somos mais do que humanos, quando permitimos a Deus que nos conduza para além de nós mesmos a fim de alcançarmos o nosso ser mais verdadeiro. Aqui está a fonte da acção evangelizadora. Porque, se alguém acolheu este amor que lhe devolve o sentido da vida, como é que pode conter o desejo de o comunicar aos outros?" A evangelização é inevitável para um cristão, sem dúvida. Um cristão que não evangeliza só mostra quem ainda não foi evangelizado.