sexta-feira, maio 29, 2015

Comecei a ler os Diários do Kafka
Ele mistura nos Diários textos que viriam a tornar-se autónomos (para contos, por exemplo). Fico com a ideia que Kafka é melhor a escrever fora dos livros do que dentro deles. Só li "O Processo" e há uns anos valentes mas guardei a impressão que era mais acerca da tese que propriamente da trama. Os Diários dão-nos o Kafka da vida normal, o que equilibra bastante o facto de Kafka ser o escritor oficial da vida absurda.


quinta-feira, maio 28, 2015

Três razões para ver e gostar de "O Sétimo Selo" de Ingmar Bergman
Por causa desta personagem: Um cruzado angustiado por ter mais mão na espada que na Bíblia e que pergunta: "Por que é que Deus se esconde numa nuvem de meias-promessas e de milagres invisíveis?"
Por causa desta cena: Um espectáculo de circo é interrompido pela chegada de um grupo de suplicantes (gente que se fustigava para purgar os pecados do povo, que acreditavam estar na origem da peste mortífera daquele tempo).
Por causa desta frase: "Não me arrependo de nada mas estou um bocado cansado."


terça-feira, maio 26, 2015

Ouvir
Não matar não significa que tirar a vida é sempre mau e não significa que tirar a vida é apenas um acto físico.
O sermão de Domingo passado, sobre o sexto mandamento, pode ser ouvido aqui (e o download pode ser feito aqui: http://igrejadalapa.pt/?q=multimedia/podcasts/o-sexto-mandamento).


quinta-feira, maio 21, 2015

O evangélico que vai à bruxa - Uma leitura de "Tomando Decisões Segundo a Vontade de Deus", de Héber Campos Jr. - Parte 3 e última

A maior parte dos evangélicos acaba a procurar preto e branco em áreas cinzentas. Esta é convicção do Héber Campos Jr em "Tomando Decisões Segundo a Vontade de Deus". Isto significa que um cristão pode ter opções diferentes e igualmente válidas para a escolha do seu curso, para o seu emprego, e por aí fora. E não se deve sentir em causa por não sentir Deus a orientá-lo especificamente para algo nestes domínios. Claro que isto não significa que estas são decisões que se tomam sem poderem ser auxiliadas por boas perguntas prévias. Perguntas simples e úteis como: será que esta escolha é lícita? Será que esta escolha é benéfica para mim? Será que esta escolha é escravizante? Será que esta escolha é útil para outras pessoas? Será que esta escolha glorifica a Deus?

Pensemos, por exemplo, na área profissional. Quando escolho um emprego, dava jeito perguntar: onde posso utilizar melhor os meus dons? Que posição me oferece mais tentações que devo evitar? Que local me oferece melhores condições de crescimento espiritual (e uma igreja saudável)? Agora imaginem se todos os cristãos pensassem em coisas destas na hora de escolherem um emprego. Pelo menos, tínhamos igrejas de mãos mais bem dadas com o trabalho dos seus membros.

Héber Campos Jr. espicaça ainda a nossa carência de sabedoria. Essa sabedoria não é um processo só individual mas comunitário. Muita da incapacidade de discernir a vontade de Deus tem a ver com a nossa imaturidade. Hoje, é fácil viver com modelos pagãos que depois tentamos cristianizar à pressa. Por exemplo, se estudarmos a História percebemos que até muito recentemente as pessoas não encaravam o seu trabalho como algo sempre a subir. Antigamente as pessoas não albergavam a presunção de terem carreiras em ascensão que eram reconhecidas pelos outros (o mundo era muito diferente). Agora, não há nenhum miúdo que não encare os seus sonhos profissionais sem ser nesta perpectiva de superação constante e imparável. Estamos a educar os nosso filhos para só saberem viver como prósperos cidadãos da Wall Street.

Vivemos ansiosos com o assunto da vontade de Deus porque, no fundo, não queremos largar a ideia que tudo tem de dar certo para nós. "Temos uma expectativa pagã de que a vida tem de ser perfeita, de que devemos ter plena satisfação em tudo que fazemos (pág. 87)." É querer o Céu já aqui na terra. Nesse sentido, quanto mais Céu exigimos aqui, mais separados vivemos aqui dele.

Héber bate depois nos métodos perigosos das portas abertas (se a coisa que nos traz dúvidas prosseguir, então é sinal que é segundo a vontade de Deus), dos testes (avaliar a vontade de Deus sugerindo testes através das circunstâncias), dos versículos bíblicos (abrir a Bíblia ao calhas e partir do princípio que a primeira coisa que lemos é o que precisamos), das impressões (os nossos sentidos orientam-nos para a vontade de Deus, geralmente concentrando-nos numa sensação subjectiva de paz). Estes métodos são maus porque alimentam a nossa preguiça espiritual, estimulam a nossa ansiedade, livram-nos da responsabilidade pelas nossas decisões, e nos escravizam no subjectivismo mais rasteiro.

Precisamos de mais meditação profunda na Palavra. Temos de ser criaturas pensantes pesando prós e contras, sem termos este processo como um processo menos santo. Precisamos de ouvir mais conselhos de pessoas experientes e sábias. Precisamos de suspeitar mais do nosso coração (e a oração é fundamental nisto). Precisamos de saber esperar. Num penúltimo capítulo  "Como Tomar Decisões Segundo a Vondate de Deus", Héber sugere uns exercícios para aplicar tudo isto a decisões importantes na nossa vida (como o casamento ou a carreira). "A expectativa de que Deus nos irá passar o trailer do resto das nossas vidas não é ensinada nas Escrituras (pág. 128)." Fujamos então desse filme. E leiamos estes livro que é bem útil.


terça-feira, maio 19, 2015

Ouvir
O louvor é o combustível e o objectivo das missões.
O sermão de Domingo passado, pregado pelo Mark Bustrum, pode ser ouvido aqui.


segunda-feira, maio 18, 2015

O que aprendi melhor ontem a ouvir um missionário americano

Ontem pregou um missionário na minha igreja. Esse missionário é o Mark Bustrum. A Família Bustrum é americana e tem estado há algum tempo junto de nós, da Igreja da Lapa. Temos sido abençoados por eles e queremos abençoá-los. Os portugueses precisam de toda a ajuda para evangelizarem Portugal. E a Família Bustrum deu a sua vida por essa tarefa. Imaginem o privilégio que é podermos contar com eles.

Uma das coisas que me impressionou quando ouvia o Mark pregar é que ele parte de um princípio que, escandalosamente, nós, os cristãos evangélicos portugueses, não partimos. Que princípio é esse? Respondo dando um exemplo do que o Mark fez. Sempre que o Mark pedia para abrirmos em algum sítio da Bíblia, ele dizia coisas básicas acerca dessa passagem que, à primeira vista, nos poderiam parecer desnecessárias. O Mark pregou sobre o Salmo 67 e foi à pequena introdução que a tradução que ele estava a usar (a Bíblia Para Todos) tinha sobre os Salmos para explicar o que se poderia esperar de lermos os Salmos. O Mark sempre que nos mandava para outro texto bíblico dizia o número da página para quem estava a usar a tradução dele (a Bíblia Para Todos), não assumindo que as pessoas saberiam abrir as Escrituras conhecendo a ordem dos seus livros. Ou seja, o Mark partia do princípio que é normal estar no lugar onde se prega a Bíblia quem não sabe muito dela.

Impressiona-me partir do princípio que é normal estar no lugar onde se prega a Bíblia quem não sabe muito dela, porque eu não fui ensinado a partir desse princípio. Na realidade, mesmo que tenha sido inconsciente, cresci a partir do princípio que só vai ao lugar onde se prega a Bíblia quem já sabe alguma coisa dela. Acontece que este princípio está errado. Muito errado. Porque este é um princípio de um evangelho de mérito e não de um evangelho de graça. Na prática, cresci enquanto cristão a pensar que a igreja é para quem, de alguma maneira, se sente naturalmente a pertencer a ela. Mas a rigor, a igreja nunca foi nem pode ser um lugar de pertença natural. A igreja é um lugar de pertença sobrenatural. Porque só podemos pertencer à igreja por coisas sobrenaturais que Deus fez por nós, e que nós nunca seríamos capazes de fazer por nós próprios. Alguém pode morrer na cruz pelos seus próprios pecados, se não apenas o Senhor Jesus? Alguém pode vencer a morte no seu próprio poder? Alguém cumpriu perfeitamente a lei de Deus? Alguém pode enviar o Espírito Santo por sua livre e espontânea vontade?

De cada vez que vou à igreja sentindo que ela é o lugar onde eu me sinto naturalmente em casa, é como se dissesse que fui eu que morri na cruz, que fui eu que ressuscitei, que fui eu que cumpri a lei de Deus toda, que fui eu que enviei o Espírito. De cada vez que vou à igreja sentindo que ela é o lugar onde eu me sinto naturalmente em casa, eu não somente me armo em Messias como acabo a fechá-la aos pecadores. Aliás, ontem o Mark ajudou-me a perceber que uma das razões porque os evangélicos portugueses não são eficazes a evangelizar é porque neste tipo de coisas íntimas o próprio evangelho ainda não os evangelizou a eles.

Ontem o Mark ajudou-me a perceber que é óbvio que um lugar que prega a Bíblia tem de partir do princípio que as pessoas que lá a estão não têm a obrigação de a conhecer. É suposto que a igreja esteja a atrair pessoas crentes (que, essas sim, têm obrigações crescentes de conhecer a Bíblia) e a atrair pessoas que ainda não crêem, porque o único evangelho verdadeiro que uma igreja tem para pregar é o da graça. Se Jesus não veio para os sãos mas para os doentes (Marcos 2:17), então o que é natural é que as nossas igreja se abram para os que ainda não sabem como é que o medicamento se toma.


quinta-feira, maio 14, 2015

Pôr o campeão de vendas a bater palminhas ao teu rock
Check!

quarta-feira, maio 13, 2015

O evangélico que vai à bruxa - Uma leitura de "Tomando Decisões Segundo a Vontade de Deus", de Héber Campos Jr. - Parte 2 
As Escrituras apresentam conceitos diferentes para o que é a "vontade de Deus". Polanus, teólogo de Basileia do Século XVI, dizia que vontade de Deus é uma mas há bifurcações. Como? "Nem sempre o que Deus quer (uma atitude piedosa) é o que Deus quer (planos e propósitos divinos) (pág. 36)." Nesse sentido, uma coisa é o que Deus deseja (vontade preceptiva), outra é aquilo que ele decreta que aconteça (vontade decretiva).

Parece-me impossível lidar com isto sem uma grande dose de humildade. E quando o digo, quero evitar os alçapões clássicos do debate calvinismo versus arminianismo. O que aqui está em causa leva-me a usar mais uma vez a frase do grande Agostinho (passo a vida a usá-la!) quando diz que "está mais de acordo com a natureza de Deus tirar bem do mal, do que não permitir que o mal exista." Claro que Deus quer o bem, mas Deus, numa sabedoria sua que não nos é completamente acessível, decreta/permite (escolha o verbo que preferir que não é este o assunto relevante para o argumento) que aconteçam coisas más para que se cumpra a sua vontade. No fim, esta sua vontade que cumprirá é bem melhor do que o mal que fez parte do processo de a ela chegar.

"Em escolhas  que não ferem a vontade moral de Deus, há uma variedade de opções potencialmente agradáveis a Deus (pág. 41)." Héber está a sabotar o esqueminha gnóstico que sugere que, ou fazemos daquela maneira ultra-específica de Deus, ou a casa vem abaixo e nunca mais a nossa vida será a do plano inicial. Héber também está a dizer aos evangélicos que acreditam em planos bês que não existem planos bês. E não só não existem planos bês como em muitos domínios existem vários planos ás. Esta é uma discussão que dá pano para mangas e que agora não temos como aprofundar. Mas é uma discussão muito necessária.

Voltemos à questão da vontade preceptiva e da vontade decretiva. Um exemplo da vontade preceptiva de Deus é o conteúdo dos Dez Mandamentos (Deus não quer que tenhamos outros deuses além dele, e por aí fora). Já a vontade decretiva é diferente. "A vontade decretiva refere-se aos decretos pelos quais Deus realiza a sua história (pág. 49)." A vontade decretiva é sempre cumprida (o que Deus quer que aconteça, acontece sempre) e é geralmente secreta. Por sua vez a vontade preceptiva frequentemente não é cumprida (Deus dá livre agência para que os seres humanos não lhe obedeçam) e não é secreta (porque a Bíblia nos revela o que agrada a Deus). Não nos compete conhecer a vontade decretiva (por isso a feitiçaria e a adivinhação foram sempre condenadas nas Escrituras). A vontade decretiva de Deus não nos é revelada precisamente para que possamos viver por fé. Quando sabemos o futuro, não vivemos por fé - vivemos por conhecimento.

"Parecemos mais interessados no nosso horóscopo do que na nossa obediência (pág. 59)." Deus quer a piedade de confiarmos nele precisamente quando não sabemos o que nos vai acontecer. Desejar saber o que nos vai acontecer pode ser, nestes termos, uma maldade concreta. "Queremos conhecimento antecipado para não errarmos, termos uma vida livre de tropeços e contratempos (pág. 61)." Como as nossas vidas seriam diferentes se, de cada vez que nos angustiamos com o futuro, nos apercebêssemos que essa angústia tem mais a ver com o nosso desejo de conforto do que com um conforto completamente diferente que é confiar em Deus não sabendo o futuro.

terça-feira, maio 12, 2015

Ouvir
O fundamental não é louvarmos a Deus pelos pais que ele nos deu (apesar de o devermos fazer também). O fundamental é termos pais que nos levam a louvar a Deus.

O sermão de Domingo passado, sobre o 5º Mandamento, pode ser ouvido aqui.

segunda-feira, maio 11, 2015

O evangélico que vai à bruxa - Uma leitura de "Tomando Decisões Segundo a Vontade de Deus", de Héber Campos Jr. - Parte 1

O meio evangélico celebrizou a frase que diz que Deus tem um plano maravilhoso para a nossa vida. "A sério?", perguntam as pessoas. Se não forem pessoas do contra (como eu tendo a ser) podem sair rapidamente em busca de saber que plano é esse. Ou, por outro lado, apurar se existem planos bês.

Em menos de nada, o encanto é buscar freneticamente pelo tal plano escondido. Tudo aquilo que nos parece escarrapachado tem pouco charme, quando comparado com tudo aquilo que nos parece oculto. Até porque diante das coisas que nos parecem visíveis, a nossa cultura gosta de desconfiar. Como os óculos de sol usados pelo herói do grande filme do John Carpenter, "They Live", gostamos de achar que vemos sempre um bocadinho melhor que os outros, além das aparências óbvias. A população em geral vê a televisão do Estado mas eu, que sou esclarecido, vejo os documentários "Toda A Verdade". Os outros papam a versão oficial, mas eu olho além da conspiração global.

Talvez isto pareça deslocado do assunto da vontade de Deus no meio evangélico. Mas Héber Campos Jr. ajuda-nos a perceber o terreno comum no seu livro "Tomando Decisões Segundo a Vontade de Deus". Uma certa obsessão obsessão protestante com o plano divino para a minha vida não está assim tão longe das teorias da conspiração que qualquer ateu pode abraçar. O documentário "Zeitgeist" não é assim tão estranho quando comparado com certas manias das nossas igrejas.

Na prática, muitas das nossas igrejas começam a viver à moda gnóstica. Para que nos sintamos "no centro da vontade de Deus" aparecem personagens diversas que nos prometem fórmulas especiais para finalmente sintonizarmos o querer divino. Daí vem a espiritualidade que espera "receber confirmação do Senhor", e por aí em diante. Passamos a viver todos mais ansiosos e alienados na subjectividade que usamos para captar a tal vontade de Deus. Um dos efeitos mais sinistros desta ansiedade é que ele nos coloca na mãos de charlatães. A razão porque tantos escroques povoam hoje o ambiente evangélico também é porque os evangélicos confundem fé com futurologia.

Héber diz assim: "A visão confusa que evangélicos têm acerca de descobrir a vontade de Deus passa a noção que Deus brinca às escondidas com a sua vontade (pág. 20)". Um dos piores efeitos é que os nossos miolos se descapitalizaram violentamente no processo de conhecer Deus. Quero ser cuidadoso mas sincero ao dizer isto: em boa parte os evangélicos merecem a reputação de gente tonta quando se comportam como místicos de trazer por casa. Héber Campos Júnior volta a ser certeiro, ao colocar o busílis da questão no sítio indicado: "Se Deus nos responsabilizasse por não cumprir uma vontade escondida de nós, Deus seria mau (pág. 22)." Quanto mais nos cansamos a querer descobrir a tal vontade de Deus escondida, mais o envolvemos na nossa tontura.

O desejo de procurarmos uma vontade que não nos é revelada é tóxico. Isto não quer dizer que um cristão não busca por mais nitidez em muitas áreas da sua vida. Mas significa que essa busca não pode socorrer-se de métodos distantes da obediência aos mandamentos bíblicos e de uma vida de oração. "Quem procura essas coisas passa a viver por vista e não por fé (pág. 25)." Esta afirmação é magistral e da mais importantes neste livro. Nadar continuamente na especulação acerca da vontade de Deus pode ser um modo de a rejeitar na rotina previsível do nosso dia-a-dia. Viver por fé não é ter acesso ao guião do nosso futuro - isso é mais próximo da astrologia. Então por que tantos evangélicos vivem com ganas tão semelhantes ao comum cidadão que consulta a bruxa?




quarta-feira, maio 06, 2015

Alô Porto!


terça-feira, maio 05, 2015

Ouvir
 A igreja dos primeiros séculos tinha no Dia do Senhor um emblema. Os cristãos aburguesados do Ocidente estão-se nas tintas para ele.
O (doloroso) sermão de Domingo passado, sobre o 4º Mandamento, pode ser ouvido aqui.


segunda-feira, maio 04, 2015

Alô, Coimbra!


 "Diário de Preces" de Flannery O'Connor

Se os protestantes tivessem altares em casa, o meu T3 de Nova Oeiras teria certamente um nicho para Santa Flannery O'Connor, patrona dos candidatos a escritores com ânsias desmedidas. Desde 2010 que ela plantou um lugar sólido no meu coração e já não consigo lê-la imparcialmente (a rigor, ninguém lê imparcialmente). Já não leio a Flannery, sigo a Flannery. Ela diz e o meu coração escuta. O que não significa uma infalibilidade porque, por exemplo neste livro, “Diários de Preces” que serve de razão para este texto, custa-me a referência à Senhora do Perpétuo Socorro. Mas pronto, é a Flannery.

Quando comecei a ler “Diário de Preces” comentei para a minha mulher: “tens de ler isto até porque parece mesmo que estamos a ouvir a Ana dos Cabelos Ruivos a orar.” Alguns recordarão que aqui há mais ou menos um ano escrevi como a Ana dos Cabelos Ruivos tinha destronado o Conan, o Rapaz do Futuro no podium dos meus heróis infantis. Pois bem, a Flannery O'Connor que ora em “Diários de Presces” é, nos seus vinte e poucos anos, impressionantemente parecida com a Ana dos Cabelos Ruivos com pouco mais de dez. E isto não é chamar imatura à Flannery mas antes reconhecer que a oração é sempre um processo de permanecermos infantes. Vejam a declaração final do livro: “Hoje demonstrei ser uma glutona - ávida de bolinhos e pensamentos eróticos. Nada mais resta dizer acerca de mim (pág. 49).”

A partir do momento em que Jesus nos ensina a orar dando-nos a obrigação de chamar Pai a Deus, fica tudo dito: o nosso lugar é o das crianças dependentes dos seus progenitores. Talvez o que afaste mais as pessoas da oração não seja tanto o aparente tédio do processo, mas mais uma recusa, ainda que inconsciente, de nos colocarmos numa posição de dependência. Quem gosta de se afirmar como sujeito ao cuidado de terceiros? A verda é que não há oração sem que isso aconteça. Logo, há um pathos infantil que pertence a qualquer prece, pathos esse que neste livro é completamente honrado. Que Flannery pareça acriançada é a melhor garantia que temos que ela está mesmo a orar. “Neste momento sou um queijo, faz de mim uma mística, imediatamente (pág. 48).”

Há uma embirraçãozinha protestante minha com um pormenor do título. “A Prayer Journal” é traduzido como “Diários de Preces” e, de facto, não se pode dizer que seja uma tradução incorrecta. Mas diria que, sendo uma tradução mais tipicamente romana (e Flannery era romana!), não faz justiça a um carácter mais dinâmico que a oração pede, e que creio que é mais bem defendido em países de cultura protestante (e Flannery, sendo romana, era de uma cultura reformada!). “A Prayer Journal” seria num contexto protestante traduzido simplesmente como “Diário de Oração”. “Diário de Preces” acentua mais o lado da coisa que se faz (fiz uma prece), ao passo que “Diário de Oração” acentua mais uma coisa que é feita por necessidade (mais do que fazer uma prece, oro). Um diário de oração não é, neste sentido, muito diferente de um planeamento do que se compra para comer. Orar deve ser menos uma coisa que fazemos, e que caracteriza a nossa lista de actividades, e mais uma coisa da qual dependemos para fazer outra qualquer. O “orai sem cessar” do Apóstolo Paulo em 1 Tessalonicenses 5:17 tem a ver com isto.

Flannery ajuda-nos a perceber que a oração é entrarmos num circuito divino. Como? A determinada altura, Flannery ora assim: “Não Te conheço, meu Deus, porque eu própria Te encubro. Por favor, ajuda-me a arredar-me do caminho. (…) Mesmo ao orarmos, és Tu que tens de orar em nós.” A oração não é fundamentalmente acerca de nós que oramos, mas acerca do Deus a quem oramos. É esta certeza que nos ajuda nos momentos em que não temos vontade para orar. Se a oração fosse acerca da nossa vontade, não só raramente oraríamos, como tínhamos de obliterar a parte “seja feita a Tua vontade” do Pai Nosso.

Num contexto mais romano as pessoas que se emocionam muito com a comunhão com Deus são chamados místicos. Num contexto reformado esta diferenciação soa sempre um bocado artificial. Porque à luz das Escrituras não há eternidade que não seja acerca da comunhão com Deus e, basicamente, ou um cristão deseja Deus ou não é cristão. O céu será um inferno para um cristão pouco excitado com a presença divina. Imaginem passar o resto da vida (que ainda por cima não acaba!) com alguém com quem não temos assim tanto interesse em estar. Por isso uma das necessidades básicas da oração é precisamente reconhecer que o nosso desejo por Deus ainda é demasiado fraco e que precisa de ser acordado. Temos de desejar o desejo por Deus. Flannery ora isto magistralmente: “Concede-me a graça de aguardar com impaciência o momento em que Te verei cara a cara e de não precisar de outro estímulo senão esse para Te adorar.” Eu digo amém!

sexta-feira, maio 01, 2015

Manda vir a época balnear
QUE EU TOU PRONTO!