quarta-feira, janeiro 31, 2007

Habilitações pulpitulares
Um pregador que diga bem da sua época é um candidato ao desemprego.

segunda-feira, janeiro 29, 2007

Saldo
A blogosfera fala pouco sobre os saldos. Talvez um dos sintomas que revela a nossa inaptidão para expressar a felicidade que o dinheiro nos permite. Este é um blogue muito classe média. Conheçam o último achado.

Dezanove euros e noventa e cinco na Zara. A qualidade não se compara com umas Cohibas que comprei há uns anos por cinquenta, num saldo apreciável e numa ocasião em que ainda dispunha de espírito e bolso para investir em confecção. Por exemplo, as últimas calças Levi's que adquiri vestiram-se em pernas solteiras. O casamento levou-me as ousadias monetárias do Pronto-a-Vestir. Hoje o que segura o matrimónio é o conceito de oportunidade.
Devo ressalvar que este par de botins negros oferece uma reminiscência útil e agradável dos Velvet Underground. E sair para a rua julgando reencarnar o Lou Reed de 1968 não está ao alcance de qualquer um.

sexta-feira, janeiro 26, 2007

Desajuste
Em vez de imperativos de consciência encontrar indicativos de impotência.

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Mais um post sobre o aborto
Ando a ouvir o Pet Sounds a toda a hora. No carro, na cama, no bidé, na igreja, com as filhinhas, com os amigos, com os inimigos, quando me visto, quando me dispo, à mesa, ao computador...

Creio que foi a primeira vez que acabei um post com reticências.

quarta-feira, janeiro 24, 2007

Este também é um post sobre o aborto
Nem Dr. House nem Anatomia de Grey, nem Perdidos nem coisa nenhuma. A melhor ficção a passar na televisão portuguesa é o "Abre-te Sésamo" por volta das oito da manhã do Canal 2.

terça-feira, janeiro 23, 2007

Pronto
Vou andar à porrada com os abortistas lá no Blogue do Não.

segunda-feira, janeiro 22, 2007

Meu querido Maradona
Ver-te num blogue colectivo com os méritos do "Sim no Referendo" é uma tragédia da qual nunca me recuperarei. Toma em conta que não é a primeira vez que estás num blogue colectivo. Antes pertenceste ao de apoio ao Cavaco nas Presidenciais (exemplo que segui para te imitar). E tudo fazia sentido nessa causa.
Agora nesta, onde te encontramos em luta por justiça social, o estrago é irreversível. Devias, por manietação à própria reputação que consolidaste, ser impedido de semelhante acto. Repara, já temos alguns brilhantes misantropos que intervalam para o lanche dos Direitos Humanos (até a Rititi suspende o calão para advogar a dignidade feminina).
Fazes falta noutro lugar, meu querido Maradona. Aqui, onde favorecemos a humilhação pública das abortadeiras, de preferência as mais pobres, onde a hipocrisia é acarinhada e os sonhos em prol de uma sociedade mais humana se suspendem.
Aceita a minha tristeza.
Tiago.

P.S. Dando o dito por não-dito, peço clemência aos organizadores do Blogue do Não para me deixarem entrar. Renovou-se-me no coração o compromisso com a Vida.

sexta-feira, janeiro 19, 2007

Beautiful Beatle
Não me agrada gostar dos Beatles (o John Lennon é uma figura lamentável e o Paul Macartney é um feio que ainda hoje me surpreende como conseguiu ser símbolo sexual para as adolescentes britânicas - se bem que a grande maioria dos britânicos também são feios. O que me leva a pensar na minha própria condição. Existe em mim uma fealdade incontornável: faltou-me o aparelho nos dentes na adolescência; no lugar do nariz tenho uma colmeia, escandalosamente rotunda para contraste do aquilino septo nasal do meu pai; o queixo está demasiado recolhido; a minha cor dá mau nome a um desmaio decente; a minha magreza só não faz rir quem assistiu à cena de sexo de João César Monteiro n'"As Bodas de Deus". Ainda no outro dia ao ver um vídeo familiar pensava: "Céus, como sou feio!". Reconheço, no entanto, que me habituei a esta feiúra. O estilo não é irreconciliável com a ausência de beleza natural. E sobretudo tenho pela frente muita margem de progressão.) mas caiú-me nas mãos o "Revolver".

quinta-feira, janeiro 18, 2007

Divididos pelas aldeias
Nunca poderia ser católico. Os evangélicos, chatos por natureza, são-no porque acumulam burrice. Já os católicos são chatos porque através da sua estimável tradição e conhecimento necessitam de iluminar todos os outros. Um evangélico maça-nos como um pedinte mal-cheiroso. Um católico maça-nos como o marrão da turma.

quarta-feira, janeiro 17, 2007

A educação de M. Cavaco
Por defeito, sempre que ouve música cantada em inglês a minha mais velha (ó que felicidade poder usar esta expressão) pergunta se é o Bob Dylan. E eu esclareço-a. Da última vez eram os Led Zeppelin, uma banda que soa sempre bem nos lábios de uma criança.

terça-feira, janeiro 16, 2007

Encontros de bigodes
Andei receoso. Para substituir o lugar da recentemente falecida gata fomos a uma pequena feira de bichos para adoptar. A que trouxemos teve algumas dificuldades a adaptar-se à outra, residente, que assistiu perplexa e pouco hospitaleira à sua chegada. Finalmente, pouco mais de uma semana depois, começam a conviver com alguma diplomacia.
Isto para dizer que nunca havia estado em companhia real de defensores de animais. Confesso que saí matutando: quem defende os animais dos defensores dos animais? E, aproveitando o embalo de discussões recentes no blogue Trento na Língua acerca da pena de morte com amigos católicos óbvia, enjoativa e cegamente opositores à coisa, arrisco também: quem defende os viventes dos defensores da vida? Quem nos defende a nós dos nossos próprios defensores?
Acabo de presenciar, não sem ponta de consternação, que o primeiro encontro das duas felinas no meu colo foi adiado. Tão amigas que elas estavam e tão assanhadas que saíram.

segunda-feira, janeiro 15, 2007

Debater prepúcios
Ontem na Escola Dominical uma jovem de 20 e poucos anos queria debater a inadequação actual da circuncisão. Expliquei que não éramos judeus e que o nosso objectivo ali era comparar os relatos dos quatro evangelhos. À custa da sua hiper-sensibilidade cultural ia-me arruinando a apologia. Tive de dizer que quem mandava era eu e que naquele momento tinha de o fazer de um modo ditatorial. O debate sobre prepúcios deveria acabar.
Os cristãos têm de ter cautela porque grande parte das ocasiões distraem-se do essencial para debater prepúcios.

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Um pedido
Tenho a graça de contar com alguns leitores brasileiros entre aqueles que seguem este blogue. Daí que aproveite para lhes pedir auxílio. Em muitos anos de convívio com crentes evangélicos brasileiros, e passado o tempo anterior à década de 90 em que os que entre nós estavam incorporavam papéis de responsabilidade eclesiástica (missionários, pastores, evangelistas) e tendo em conta que a partir dessa altura os que têm chegado pertencem sobretudo às classes médias e baixas que procura melhores oportunidades económicas e já não ocupam lugares de destaque na igreja, é recorrente a propensão para o canto. Ou seja, não me limito a constatar que a música brasileira é mais vigorosa que a portuguesa, falo antes da necessidade que o crente evangélico brasileiro revela de passar uma parte muito considerável da sua vida a cantar.
O europeu também canta mas com um fervor em nada comparável. Ora, não tenho dedos para o número de evangélicos brasileiros que conheço que ao chegar às igrejas portuguesas vai logo pegando na guitarra. A questão, possivelmente teológica (ou antropológica, para aqueles a quem lhes falta a fé) coloca-se: seria um Jesus mais sinfónico aquele que encarnaria em Belém do Pará?
Agradeço a colaboração dos leitores transatlânticos porque desta maneira entenderei também mais um pouco sobre nós, os portugueses.

quinta-feira, janeiro 11, 2007

Semente
Tenho descoberto que todas as minhas grandes obsessões cinematográficas têm origem no "Conan, o Rapaz do Futuro": o mundo pós-catástrofe global, o exagero dos fenómenos naturais, a vertigem das alturas, a profundidade das catacumbas, a naturalidade da solidão e por aí fora.

quarta-feira, janeiro 10, 2007

Preferível
Conheço um homem que tendo nascido em pleno Século XX resistiu, ainda que involuntariamente, a qualquer processo de civilização. Como quase sempre a recusa da civilização acarreta a inclinação para a reprodução da espécie, quis Deus minorar o estrago concedendo a este homem apenas meninas. Uma mulher selvagem é um mal menor que um homem selvagem.

terça-feira, janeiro 09, 2007

Belinho
Roald Dahl escreve que é possível ser bonito de um modo ossudo. Devo-lhe mais ou menos sessenta e cinco quilos de gratidão.

segunda-feira, janeiro 08, 2007

Alacatrão
Desde há duas semanas que a Igreja Baptista de Moscavide conta com um baixo eléctrico nos períodos de louvor. A verdade é que esteticamente preferia que nenhuma igreja baptista contasse com um baixo eléctrico. Pick-ups Fender e púlpitos de madeiram não combinam. Mas o som sobrepuja o débil alcatroamento do caminho para o Belo. E todo um novo embalo tem ritmado os adoradores nestas últimas semanas.

sexta-feira, janeiro 05, 2007

Um tipo de auto-retrato
Coloque-se a hipótese de João Baptista ter invejado o lugar de Jesus. Transferir-se de mero mensageiro para a própria mensagem. Seria compreensível pelo menos para todos os que, como eu, sentem próximo o pecado da inveja.

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Um lamento
Agora que o Natal passou e o lixo já não se amontoa nas ruas está fora de hipótese respigar nos contentores por eventuais cheques-Fnac perdidos.

quarta-feira, janeiro 03, 2007

Quando a prática anda longe
Nunca gostei muito do George Michael. Calhou ouvi-lo dizer que os Led Zeppelin eram a sua banda de roque preferida porque soavam a pessoas que tinham bom sexo, ao contrário da maioria da música branca que exprime sobretudo frustração carnal. Por isso colocava o R&B enquanto símbolo do som africano como uma melodia que emana de quem é sensualmente competente.
O George não está a envelhecer da melhor maneira: creio que corta o cabelo demasiado curto, ainda não atinou com a dinâmica pêra-bigode e o queixo parece mais proeminente. A somar a isto, homossexualizou-se daquele modo maduro que torna os maricas inevitavelmente ridículos ("encontrei o homem da minha vida, blá-blá-blá" - se fosse para os maricas afirmarem estas coisas o Velho Testamento não se daria ao trabalho de os condenar). Noutra nota negativa acresce que toca ao vivo algumas das suas melhores músicas ("Faith" por exemplo) como se tivesse sido introduzido em palco pela Catarina Furtado. Mas no meio de tudo isto acertou em cheio na questão Led Zeppelin e consequente temática da música negra. No que à teoria sexual diz respeito, está coberto de razão.

terça-feira, janeiro 02, 2007

Começar o ano com despesas fixas
Onde se escreve na página 69:
"A maior invenção da civilização moderna foi tornar selvagem o conceito de bondade. A partir daí todas as crianças são maravilhosas."

Ando especializado da minha filha de dois anos e meio. À outra, de pouco mais de um mês, ainda nem uma mão cheia de fraldas mudei. Ostensivamente mamífera, poucas atenções requer de mim (não vejo a hora de chegar o terceiro). Neste preciso momento soa o intercomunicador e preparo-me para dirigir-me ao berço simular utilidade à minha presença. Por este andar não acabo o quarto capítulo do novo Zizek.