quarta-feira, fevereiro 28, 2007

A vergonha dos Bandar-log
Deixem-me voltar ao Kipling. O segundo capítulo sobre o rapto do Mowgli pelos macacos é um refrigério. Traz questões valiosíssimas sobre o valor da civilização e recordou-me a razão porque os símios se aproximam tanto dos demónios.
Há duas conversas fantásticas. Uma em que o urso Baloo e a pantera Bagheera divergem acerca da necessidade de castigos físicos para educar uma criança e a outra em que o Baloo explica ao Mowgli por que razão não deve relacionar-se com os macacos. No final de uma grande aventura em que uma aliança com a cobra Kaa é essencial para o resgate (compromissos com gente de pouca confiança são por vezes precisos para metas éticas superiores) o humano em causa entende que actos irreflectidos têm consequências.
Os leitores sabem que sou vulnerável ao encanto de ensinamentos colocados da boca dos animais. "Thou hast been with the Monkey-People - the grey apes - the people without a Law - the eaters of everything. That is great shame".

terça-feira, fevereiro 27, 2007

Outra blasfémia de M. Cavaco
A minha criança maior tranformou o cântico "Sou uma florinha de Jesus" em "Sou uma fuínha de Jesus" e a linha "abre a boquinha para cantar" em "abra-cadabra para cantar".
Apesar de todas as perversões pagãs da infância qualquer criatura que entoa a cantiga permanece para o resto da vida no verdejante jardim do Bom Mestre. Mesmo eu após duas décadas não tenho pretensões de esconder as minhas pétalas.

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Lobito
Pus-me a ler o Jungle Books do Kipling. Ainda não cheguei ao segundo capítulo mas já detecto toques crísticos no Mowgli: habita entre diferentes da sua natureza, é alvo de traição dos seus supostos aliados e há quem deseje a sua morte, apenas para começar.
Serão os meus olhos que encontram o regresso do Messias em qualquer coisa que mexe ou estou mesmo perdido na selva literária?

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Assento
O meu amigo Carlos levou-me à missa na passada quarta-feira de cinzas. Tirando casamentos e funerais eu nunca tinha assistido a um culto católico. Gostei muito da experiência. O meu maior problema foi com as ocasiões em que a congregação se levanta ou senta (o termo congregação é uma coisa um bocado protestante mas à falta de melhor aceitem-no com benevolência). Mais facilmente sobrevivo às heresias marianas ou aos zelos papistas. O meu espinho na carne é mesmo saber quando devo ficar de pé ou quando me posso sentar.

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Ruca e Noddy
Existem duas séries de animação com grande impacto nas criancinhas. O Noddy e o Ruca. O primeiro, mercantilmente imbatível, não é tão acessível em termos visuais e éticos. Ou seja, o Ruca, descrevendo o quotidiano de um menino cheio das perplexidades da infância (não muito diferente de um adulto de trinta e poucos anos, portanto), traz-nos histórias de fácil identificação com o nosso próprio lebenswelt. Socorrendo-se de alguma franqueza confessional (o genérico avisa logo "que giro, olha bem para mim/ às vezes faço chinfrim/ crescer é mesmo assim/ sou o Ruca") o rapazinho não oferece exagerada panóplia pedagógica. É, nesse sentido, moderadamente pós-moderno, mostrando os episódios de Natal alguma ternura pluralista ao colocar o protagonista em contacto com as diferentes tradições religiosa dos seus colegas da escola (o Hanukah, o Kuanza, por aí fora).
Já o Noddy recheia-se de um texto claramente moralista, resultado das mãos firmes de Enid Blyton. Tem aquele sentido de humor britânico que produz enredos irresistíveis (o do sol que não nascia porque o galo havia arreliado parte da população da Cidade dos Brinquedos e por isso estava coercivamente ausente da sua função despertadora, é um exemplo fulgurante) mas fraqueja no elemento visual: a animação digital talvez seja excessiva, proporcionando pouca maleabilidade estética e humana às personagens. Os cenários colocam dificuldades a uma identificação imediata dos espectadores (embora reconheça ter um fraquinho por paisagens artificiais que encenem uma Natureza maximizada, uma debilidade pessoal que talvez seja um bocado fascista da minha parte - Céus, até na relva dos campos dos Teletubbies me apetecia mergulhar!). E não podemos ignorar um elemento frequentemente subestimado no génio de Noddy: o Noddy é taxista (coisa que reparei ao fim de anos). Só uma mente bretã poderia colocar num taxista o mister pedagogo.
Em suma, o Ruca facilita adeptos graças a piscar o olho à preguiça contemporânea mas o Noddy atinge uma efabulação de longe mais meritória.

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Do sermão
Fui um adolescente a muitos títulos insuportável. Recordo que mascarava o facto de não gostar dos filmes de Jean-Claude Van Damme numa posição ética. Depois, inflamado de moralidades, repreendia os gostos cinematográficos dos meus amigos que passavam pelo actor de Bruxelas.
O sermão é um terreno bastante permeável ao delito de personalidade. Por isso os profissionais da religião devem ser duplamente cuidadosos e averiguar se o que estão a pregar é uma convicção pessoal ou uma desculpa para criticar terceiros.

segunda-feira, fevereiro 19, 2007

Saltos
A semana anterior foi cheia de progressos civilizacionais. A mais velha largou as fraldas a meio de um dos programas em que o pai falava na rádio, derrubando inadvertidamente o bacio e espalhando xixi pelo chão da sala. A família e o roque-enrole, a eterna história de dois cães prontos a devorar-se.
De repente tenho de me adequar a uma nova fase da higiene infantil: limpar um pipi que está em pé não é o mesmo que limpar um pipi que está deitado.

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Leite
Por último temos os Pontos Negros. Os Pontos Negros foram uma banda a quem dei de mamar. Num ápice ganharam dentes e hoje deixam-me inferiorizado. Cantam melhor, tocam melhor, têm melhor aspecto e idade, you name it. Ouçam o que vos digo: vão ouvir falar neles.
Ver o vídeo, ouvir a rádio, ir ao concerto (a entrada são uns míseros dois euros e meio com direito a disco - a FlorCaveira não é uma editora, é a Santa Casa da Misericórdia).

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Dos que picam
De volta à cantoria. Hoje com os Lacraus, a banda que põe em risco o meu estatuto de paternidade responsável. Pelas 21h na Antena 3 vão poder ouvir a "Canção para a Margarida Marinho" e uma fantástica versão de uma cantiga dos Heróis do Mar, entre quase meia-hora de música.
Vejam o videozinho, ouçam a rádio e estejam no concerto. E votem Não para todo o sempre.

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Hoje
Há um intervalo de música. Mas recordo o concerto de sexta.
Amanhã, Lacraus à hora e rádio do costume.

terça-feira, fevereiro 13, 2007

E hoje, terça, a telefonia continua a tocar

As Velhas Glórias (Samuel Úria & as Velhas Glórias, no hebraico original) são a banda panque do Samuel Úria (uma regra dos músicos da FlorCaveira é que todos têm de tocar pelo menos numa banda panque). Como não complicam as Velhas Glórias só ensaiam uma vez antes de cada concerto (até porque o Samuel vive em Coimbra). Entre os quatro temas que vão para o ar destaco:

- "Forças de Bloqueio", a primeira cantiga Cavaco Silva-friendly da História da música portuguesa. Diz a primeira estrofe "Com braguilha fechada e presidência aberta se vê/ A boca escancarada que não será tapada à mercê" e ainda "Em tempo de caviar beluga/ A lebre montou a tartaruga".

- Uma improvável versão de "Sempre que o amor me quiser" onde Lena D'Água é substituída por uma voz nasalada mas cheia das emoções certas.

É ver o vídeo, ouvir a rádio e assistir ao concerto (na próxima sexta na Sociedade Guilherme Cossoul).

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Hoje à noite na telefonia


Já aqui muitas vezes mencionei os Ninivitas. Entre as seis músicas que hoje vão para o ar às 21h na Antena 3 destaco:

- "O Cobrador de Impostos" onde se fala da dificuldade de sair do armário. Mateus, um dos discípulos, era um cobrador de impostos, profissão duplamente desprezível aos olhos dos judeus por significar conivência com o invasor político romano. Diz o refrão: "Assumir que o bigode não é/ para todos os gostos/ Sair do armário, poder dizer/ Sou um cobrador de impostos".

- "Desliga a TV" onde se planta nos ouvintes temores maiores que o medo a António Lobo Antunes. Uma trova ao velhinho e sempiternamente credível castigo eterno. Diz uma das estrofes: "O Pessoa pode tornar-te noutra pessoa/ A poesia portuguesa tem muita coisa boa/ Mas e que tal a prosa bíblica ou um salmo, meu irmão?/ O Saramago é bom mas não te dá a salvação."

É ver o vídeo, ouvir a rádio e assistir ao concerto (na próxima sexta na Sociedade Guilherme Cossoul).

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

A luta
Claro que esta história do aborto foi cansativa. Blogosfericamente falando, sobretudo. Não conseguirei ultrapassar a estadia do Maradona naquela coisa do Sim; as curvas semântico-científicas do Vasco; a falta de calma do Zé Mário; a teimosia de funcionário do progresso do Bruno. Custa ver pessoas que admiramos tão longe do lugar onde as mantemos impolutas, sempre prontas para nos encantar. Mas ainda gosto deles por amor, é claro. Deve ser isto a que tantos se referem quando falam dos infindáveis abismos do Outro.
Valeu-me o Pedro, o Francisco, o Eduardo e a Helena. Melhor que o texto do Pedro (que é o meu testamento quanto ao tema) foi ter sabido que ele era do Não, como quando temos de ir sozinhos para um sítio que não nos apetece e nos apercebemos que calhou um amigo estar lá. O Francisco que me meteu no Blogue do Não sem ligar à minha incoerência previamente expressa em não querer fazer parte de qualquer luta. O Eduardo que desmontou sempre o Maradona (não sem sofrimento da minha parte por tão cruel mas necessário uso da razão). E a Helena que mete qualquer mulher do Sim no bolso.
Hasta la victoria siempre, muthafu**as.

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Onde se cita
"We have also discovered the uncomfortable number of ways in which the relativist will insist on inserting subjectivity back into absolutist claims". Simon Blackburn em "Truth, A Guide For The Perplexed".
Meio caminho andado para nos deixarmos de achaques.

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Profissão de fé
Estou oficialmente convertido ao evangelho de JC - Jennifer Connely (muito pelo testemunho deste irmão).

terça-feira, fevereiro 06, 2007

Sobre uma conferência
Ontem a Culturgest encheu-se para ouvir falar sobre o Protestantismo. Tinha à minha esquerda o Secretário-Geral da Sociedade Bíblica de Portugal e à minha direita um bom amigo católico. Acordei com este último um ágil ecumenismo na apreciação de uma jovem com aspecto pouco religioso que se destacava da multidão. Trazia a tiracolo uma mala com caveirinhas, um símbolo que, para todos os feitos, nos remete para o sacrifício vicário do Senhor Jesus no Gólgota.

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Transcendente
A próxima semana neste blogue (a próxima, não esta) será exclusivamente dedicada à minha música e dos meus amigos, através da FlorCaveira (espécie de editora que lança discos artesanais). Aqui há uns tempos o Henrique Amaro da Antena 3 descobriu-nos no MySpace e num gesto de simpatia inesperada convidou-nos a gravar algumas cantigas no conforto de um estúdio profissional.
Como não somos fundamentalistas da baixa-fidelidade, aceitámos.
As experiências foram muito giras. Vão passar na rádio no programa Portugália, mostrando dos Pontos Negros aos Ninivitas, passando pelos Lacraus e pelas Velhas Glórias. Eu que passava a vida a dizer mal da Antena 3 tive que engolir parte do meu orgulho de desalinhado. Mas também é verdade que continuo a preferir gravar discos em casa. Com aquele ruído que oferece à música o colorido biográfico (péssima expressão). As pessoas deviam entender que quando os músicos gravam oferecendo entrada ao ruído é como se estivessem a tocar acompanhados de um convidado-mistério. É a relação possível entre o roque-enrole e um razoável transcendente.
Não somos fundamentalistas da baixa-fidelidade mas andamos lá perto.

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Preferido
Todo o cristão protestante tem um Salmo preferido. Há quem se sofistique escolhendo um menos citado mas eu permaneço elegendo o 23. Tenho até planeado tatuar o primeiro versículo algures no torso.

quinta-feira, fevereiro 01, 2007