terça-feira, julho 30, 2013

Ouvir
Os cristãos quando se examinam não louvam a sua excelência. Os cristãos quando se examinam louvam a excelência do Espírito Santo.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).

quarta-feira, julho 24, 2013

Trinta e duas coisas que gostei de ler e cinco coisas que não gostei de ler na Encíclica "Luz da Fé" de Francisco I
O Papa foi ao Brasil e eu fui ao Papa. Nem ele nem eu fazemos turismo. Na sua primeira Encíclica, Francisco I pega no que já lhe havia sido deixado por Bento XVI e eu gostava de saber melhor o que fez um e o que fez o outro (até para tentar distinguir com mais rigor a diferença entre eles). Aponto as coisas que gostei de ler e as outras. Espero que seja útil para os outros como me foi útil ler "Luz da Fé".

1. Francisco escreve "aos bispos, aos presbíteros e aos diáconos, às pessoas consagradas e a todos os fiéis leigos". Como não os qualifica restritos à Igreja Católica Romana, senti que me podia encaixar no grupo. Primeiro ponto a favor de Francisco: a simpatia de escrever-me sem que eu pedisse que me escrevesse.

2. Francisco critica a arrogância moderna de achar que a fé "já não serve para os novos tempos, para o homem tornado adulto, orgulhoso da sua razão." É efectivamente difícil querermos ser humildes epistemologicamente ao mesmo tempo que achamos a fé uma imaturidade intelectual.

3. Francicso diz que a fé é "olhos novos" para uma "luz duma memória basilar - a vida de Jesus" e "luz que vem do futuro - dado que Cristo ressuscitou". A fé é a melhor inteligência porque é ver mais além.

4. Francisco sabe que "o Senhor não é o Deus de um lugar, nem mesmo o Deus vinculado a um templo sagrado específico, mas o Deus de uma pessoa, concretamente o Deus de Abraão, Isaac e Jacob" e que por isso há "um posto singular ocupado por Abraão". Não é possível gostar do cristianismo sem gostar do judaísmo.

5. Francisco, ao jeito de Tim Keller, condena a idolatria: "o ídolo é um pretexto para se colocar a si mesmo no centro da realidade, na adoração da obra das suas próprias mãos." Talvez o Papa tenha lido os "Falsos Deuses".

6. Francisco valoriza o Velho Testamento porque "todas as linhas do Antigo Testamento se concentram em Cristo: Ele torna-se o «sim» definitivo a todas as promessas." Toca a lê-lo.

7. Francisco sabe que é possível os homens abafarem Deus numa transcendência que não se relaciona connosco. "A nossa cultura perdeu a noção desta presença concreta de Deus, da sua acção no mundo." A encarnação de Cristo garante que "Deus é capaz de cumprir a felicidade que promete."

8. Francisco afirma a importante doutrina da união a Cristo. "Na fé, Cristo não é apenas Aquele em quem acreditamos, a maior manifestação do amor de Deus, mas é também Aquele a quem nos unimos para poder acreditar."

9. Francisco diz que filhos de Deus são aqueles que acreditam nele. "Aquele que acredita, ao aceitar o dom da fé, é transformado numa nova criatura, recebe um novo ser, um ser filial, torna-se filho no Filho."

10. Francisco reconhece que a salvação é pela fé. Parece um verdadeiro Reformado. "Aquilo que São Paulo rejeita é a atitude de quem se quer justificar a si mesmo diante de Deus através das próprias obras; esta pessoa, mesmo quando obedece aos mandamentos, mesmo quando realiza obras boas, coloca-se a si própria no centro e não reconhece que a origem do bem é Deus."

11. Francisco sustenta que a confissão da fé depende do Espírito: "fora da presença do Espírito é impossível confessar Jesus como Senhor." Quase que sinto o cheiro de Genebra no ar.

12. Francisco propõe que o homem se conheça a si mesmo teocentricamente: "o crente aprende a ver-se a si mesmo a partir da fé que professa."

13. Francisco corajosamente aponta as presunções do pragmatismo actual: "Na cultura contemporânea, tende-se frequentemente a aceitar como verdade apenas a da tecnologia: é verdadeiro aquilo que o homem consegue construir e medir com a sua ciência; é verdadeiro porque funciona, e assim torna a vida mais cómoda e aprazível (...) A verdade grande, aquela que explica o conjunto da vida pessoal e social, é vista com suspeita."

14. Francisco confirma que leu 1 Coríntios 13: "É neste entre entrelaçamento da fé com o amor que se compreende a forma de conhecimento própria da fé (...) Se o amor não tivesse relação com a verdade, estaria sujeito à alteração dos sentimentos e não superaria a prova do tempo." Amar não é bom porque é fácil. Amar é bom porque é verdadeiro.

15. Francisco valoriza a escuta da qual fala Romanos 10:17: "A escuta ajuda a identificar bem o nexo entre o conhecimento e o amor." Ouvir a Bíblia é importantíssimo. E isto tem consequências no que se vê.

16. Francisco lembra que a fé é intelectualmente vigorosa: "O encontro da mensagem evangélica com o pensamento filosófico do mundo antigo constituiu uma passagem decisiva para o Evangelho chegar a todos os povos e favoreceu uma fecunda sinergia entre fé e razão." Os cristãos têm dois mil anos de experiência para mostrar à Academia.

17. Francisco observa que este currículo não se arma em esperto: "o crente não é arrogante; pelo contrário, a verdade torna-o humilde, sabendo que, mais do que possuirmo-la nós, é ela que nos abraça e possui." Quase que ouço alguém na congregação gritar "unconditional election!"

18. Francisco mostra que o Deus invisível é visível: "O caminho do homem religioso passa pela confissão de um Deus que cuida dele e que se pode encontrar. Que outra recompensa poderia Deus oferecer àqueles que o buscam, senão deixar-se encontrar a si mesmo?" Dating business.

19. Francisco esclarece que a teologia não é exclusivo dos doutores mas é necessária para todos os crentes: "a teologia está ao serviço de todos os cristãos, visa humildemente preservar e aprofundar o crer de todos, sobretudo dos mais simples."

20. Francisco sublinha a urgência da Igreja: "É impossível crer sozinhos. A fé não é só uma opção individual que se realiza na interioridade (...), verifica-se sempre dentro da comunhão da Igreja."

21. Francisco valoriza o Baptismo: "No Batismo, o homem recebe também uma doutrina que deve professar e uma forma concreta de vida que requer o envolvimento de toda a sua pessoa."

22. Francisco esclarece que o Baptismo é imersão na água: "através da imersão na água, o Batismo fala-nos da estrutura encarnada da fé." Francisco fala como um verdadeiro Baptista.

23. Francisco puxa as orelhas dos pais cristãos para a tarefa de darem uma educação verdadeiramente cristã: "Os pais são chamados não só a gerar filhos para a vida, mas a levá-los a Deus." E mais tarde: "é importante que os pais cultivem práticas de fé comuns na família, que acompanhem o amadurecimento da fé dos filhos."

24. Francisco refresca-nos a memória para uma Eucaristia (comunhão na Ceia do Senhor) que é passado e futuro: "o passado, como um evento de morte e ressurreição, mostra a sua capacidade de se abrir ao futuro, de antecipar a plenitude final."

25. Francisco diz que acreditar em coisas é ser coisas: "Aquele que confessa a fé sente-se implicado na fé que confessa."

26. Francisco não despreza os Dez Mandamentos: "igualmente importante é ainda a ligação entre a fé e o Decaólogo."

27. Francisco escreve que a Igreja é uma esposa: "A integridade da fé foi associada também à imagem da Igreja virgem, com o seu amor esponsal fiel a Cristo."

28. Francisco aproxima-se do fim do seu raciocínio com algo essencial: a igreja "fala sempre em obediência à Palavra originária, sobre a qual se baseia a fé, e é fiável porque se entrega à Palavra que escuta, guarda e expõe." A Bíblia é o fundamento do que sabemos acerca de sermos cristãos. Isso dá-nos muito trabalhinho.

29. Francisco admira a arquitectura do cristianismo porque o cristianismo constrói boas cidades: "o Deus fiável dá aos homens uma cidade fiável."

30. Francisco já olhou para a curva que vem a seguir e sabe que boas intenções só não chegam: "Na Idade Moderna, procurou-se construir a fraternidade universal entre os homens, baseando-se na sua igualdade; mas, pouco a pouco, fomos compreendendo que esta fraternidade, privada do referimento a um Pai comum como seu fundamento último, não consegue subsistir."

31. Francisco prevê que os tempos sejam difíceis para quem afirme a sua fé publicamente: "Porventura vamos ser nós a envergonhar-nos de chamar a Deus «o nosso Deus»? Seremos por acaso nós a recusar-nos a confessá-lo como tal na nossa vida pública, a propor a grandeza da vida comum que Ele torna possível?" Mas não há alternativa.

32. Francisco admira a fé também por ela muitas vezes ser difícil: "é na fraqueza que sobressai e se descobre o poder de Deus que supera a nossa fraqueza e sofrimento (...) O cristão sabe que o sofrimento não pode ser eliminado, mas pode adquirir um sentido." Claramente alguém no Vaticano anda a traduzir os sermões da Lapa para o Papa.

Agora as coisas que não gostei de ler.

1. Francisco desvaloriza a fé quando a relativiza num aparente gesto de simpatia com os que não a têm: "a fé tem a ver também com a vida dos homens que, apesar de não acreditarem, desejam-no fazer e não cessam de procurar (...) Quem se põe a caminho para praticar o bem, já se aproxima de Deus, já está sustentado pela sua ajuda." Crendo eu na graça comum, acessível aos que não crêem, acho no entanto útil dizer que este tipo de afirmações aparecem sem referência de textos bíblicos (coisa que Francisco faz constantemente ao longo da Encíclica) e parecem sobretudo doirar a pílula: criam um nevoeiro grande o suficiente para meter colectivamente na fé quem não o faz individualmente.

2. Francisco, que correctamente tinha chamado à Igreja aquilo que a Bíblia lhe chama ("esposa", ver ponto 27), chama-lhe aquilo que a Bíblia nunca lhe chama ("Mãe"). Ora "mãe" é uma coisa que provavelmente devemos chamar a quem manifestamente o é, correndo o risco de nos fazermos filhos de quem não nos gerou. É uma tradição romana que parece simpática mas que acrescenta o que a Bíblia nunca deu. À luz da Palavra temos terreno firme para chamarmos mãe à Igreja? Não.

3. Francisco abandona o que é seguro dizer sobre o Baptismo (ver pontos 21 e 22) para acrescentar dizer o que não tem fundamento bíblico: "A estrutura do Batismo, a sua configuração como renascimento no qual recebemos um nome novo e uma vida nova, ajuda-nos a compreender o sentido e a importância do Batismo das crianças." Really? How come?

4. Francisco estabelece a sua convicção na sucessão apostólica como uma "garantia da ligação com a origem." E quem define a sucessão apostólica? A própria Igreja Católica Romana ou a Palavra à qual supostamente o magistério obedece (ver ponto 28)? A sucessão apostólica é o facto da Igreja Católica Romana fielmente contar para si Papas desde há dois mil anos ou a fidelidade que os homens da Igreja devem à Palavra revelada?

5. Francisco encerra a sua Encíclica com, rufar de tambores, aquilo que lhe parece lógico para encerrar o assunto da sua fé cristã: Maria. Só com muita ingenuidade me poderia surpreender com este facto. Se Raztinger, que era um Papa pouco dado à mamã não arriscava deixar de trancar os seus raciocínios com esta coerção intelectual mariana, o que haveríamos de esperar de um católico romano sul-americano? Tragam os violinos que Francisco vai mais longe e termina naquilo que tragicamente continua a descrever grande parte do coração católico romano: a reza a Maria. Tanto trabalho que Cristo teve para que Roma sentisse sempre a necessidade desta cereja no topo.

Posto isto, as trinta e duas coisas que gostei de ler e as cinco coisas que não gostei de ler na Encíclica "Luz da Fé" de Francisco I são razão mais que suficiente para convidar todos os católicos romanos fiéis a aprofundarem o que o seu Papa diz de biblicamente firme e questionarem o resto. A fraternidade na fé também vive disto.


terça-feira, julho 23, 2013

Ouvir
A fé é a maior inteligência porque nos dá um entendimento da realidade mesmo quando a realidade parece não se dar a entender.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).

segunda-feira, julho 22, 2013

Vida Portuguesa
Creio que foi a primeira vez: entrar numa loja e ser recebido com a minha própria voz. Tocava "A Febre em 93" nos altifalantes da Vida Portuguesa e eu tive uma súbita vontade de gastar muito dinheiro na loja. Sovina que sou, nem um euro.

sexta-feira, julho 19, 2013

WWZ
Claro que o realizador de World War Z se divertiu a resolver o filme com o contrário da tese de todos os filmes de zombies: mortos-vivos que não querem comer os vivos (a razão não escrevo aqui para não estragar o fim a quem ainda não viu o filme). Mas creio que o de mais criativo arranjou em teoria foi o que de menos conseguiu na prática. Três quartos de World War Z são o Céu de qualquer zombie-addict como eu mas o último quarto, em que a tal solução criativa aparece, é o mais débil. Talvez pela própria escala em que WWZ se desenha.
A escala de WWZ é o sonho de todos o que adormecem perguntando se alguma vez aparecerá outro filme que se coloque ombro a ombro com a derradeira obra-prima zombie que é "Dawn Of The Dead" de George Romero. Porque WWZ consegue levar muito além aquilo que o remake de "Dawn Of The Dead" de Zack Snyder tinha conseguido de extraordinário nos seus primeiros dez minutos. Aquela sensação de desnorte mundial que geralmente os filmes de zombies conseguem mais por sugestão do que por exibição (porque os orçamentos são curtos para filmar o mundo inteiro em caos) é garantida em WWZ durante os tais primeiros três quartos. Assistimos a sequências fulgurantes de caos em Philadelphia, caos em Nova Iorque, caos mais moderado mas eficaz num complexo militar na Coreia do Sul, caos majestoso em Jerusalém e caos arrepiante em acidente aéreo. O problema é ter a pretensão de fechar um filme tão eloquente em confusão numa solução competentemente tensa mas demasiado silenciosa. WWZ deveria vir abaixo com mais estrondo.
Dito isto, é filme para não perder. Funcionará até como uma espécie de revolta dos nerds fiéis ao cânone dos mortos-vivos. Porque o sucesso de bilheteiras que apenas no primeiro fim-de-semana o filme conseguiu afirma finalmente ao nível global aquilo que já sabíamos nas catacumbas: não há indiferença aos que não podem morrer que não acabe por morrer.
Em Julho



A temperatura na Lapa continua alta.

terça-feira, julho 16, 2013

Ouvir
Deus controla. E Deus consola nesse controlo. Deus não anda à deriva com os sofrimentos do mundo.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).

segunda-feira, julho 15, 2013

Última Paragem Massamá
Talvez não seja uma coisa muito ortodoxa de se dizer vinda de um religioso mas os livros que tratam de romances homossexuais tendem a atrair heterossexuais na mesma proporção em que mostram como do estado dos últimos se pode passar para o dos primeiros. Ou seja, não faltam testemunhos de homens que ao contar a história da sua vida explicam que desde sempre gostavam de meninos. Mas os mais emocionantes parecem aqueles que ao contar a história da sua vida nos surpreendem porque desde sempre gostavam de meninas contudo a determinado momento algo aconteceu. Apesar deste dispositivo não ser apresentado como a premissa central de "Última Paragem Massamá" do Pedro Vieira, em grande parte é também isto o que nos agarra ao livro. O elemento de viagem sempre foi um dos trunfos da melhor literatura e eu, que como cristão me afasto da promoção da homossexualidade, consigo ainda assim reconhecer o carácter aventureiro de um homem que navega para outro porto em si mesmo que resulta na mudança da sua natureza física. Esta é a razão pela qual um efeminado como Oscar Wilde obtinha resultados narrativos interessantes e os efeminados de agora nem por isso: Wilde tirava do desvio o ritmo que agora foi tornado reumático pelo gay establishment. O Pedro Vieira não conta a sua história de uma perspectiva Wildeana mas sabe não endireitar as curvas de um percurso sinuoso que prende às personagens do seu livro. E assim se prendem leitores a estas personagens.
Há dez anos, quandos os blogues começaram, os bloggers também se divertiam a partir aos pedacinhos a loiça luzidia da resistente reputação do pós-neo-realismo. O Saramago era um alvo habitual da Coluna Infame, por exemplo, e o António Lobo Antunes dificilmente era elogiado em público pelas novas ciber-vozes. A consciência social não tornava os livros cativantes mas chatos, finalmente dizíamos. Daí que a onda era muito mais anglo-saxónica porque da Europa continental estávamos todos um bocado fartos. O Pedro Vieira, apesar de poder ser associado a esta nova onda de cronistas que vieram dos blogues, não confirma a regra. Em muito preserva o legado da escrita ainda engagé. Seja por aquilo que quer dizer, seja pelo modo como diz. A história da "Última Paragem Massamá" prolonga a vista sobre o universo suburbano-depressivo à Lobo Antunes, e as linhas escritas em modo torrencial necessariamente nos lembram Saramago, para mencionar as duas vacas sagradas.
Nesse sentido, e por eticamente solto que o Pedro pareça (o fascínio pelos abismos individuais, a mordácia constante, as infidelidadezinhas existencialistas das personagens), ele é também pertença de uma tradição. Tradição essa que provavelmente muitos de nós quisemos cedo demais declarar estafada e sem hipóteses de renovação. O Pedro dedica-se com tanto empenho à Linha de Sintra nem tanto porque a quer promover mas porque deseja que Lisboa ganhe coragem de ir além de Benfica. Parece querer buscar menos um lugar literário do que um ideológico. E identifico-me parcialmente com isso. Porque também me chateia o modo condescendente como a capital trata os subúrbios. Aliás, na minha cabeça há um pequeno círculo de novos cronistas que gosto de sobrecarregar com essa obrigação de manterem vivos os subúrbios nas suas penas e sem mistificações: o próprio Pedro Vieira, o Pedro Lomba e o Henrique Raposo (o Lomba tem andado com menos tempo para a tarefa). O facto do Vieira ter começado por "Última Paragem Massamá" é absolutamente promissor e uma concretização das minhas aspirações para o grupo.
A minha maior reserva não é necessariamente estilística. Mas o modo como me parece que os subúrbios continuam a ser matéria literária desde que permitam um retorno em liquidez hiper-dramática. Quando leremos histórias suburbanas sem suicídios nos transportes, sem sacrifícios toxicodependentes ou incestos no condomínio? Não tenho nada contra exageros trágicos porque bons exageros trágicos fazem bons livros. O meu receio é a existência de uma solidariedade cosmopolita desde que exotize à força os supostos encantos narrativos da periferia. Pedro, não te esqueças de onde vieste. Não lhes dês menos do que aquilo que nos foi dado. Da próxima diz-lhes também que sobrevivíamos suburbanos e fixes até porque só de vez em quando sabíamos de tragédias gregas.
 


quinta-feira, julho 11, 2013

Na despedida da Marta da ABLA
A nossa filha Marta não é o nosso primeiro filho a terminar o seu tempo de educação na ABLA. Há três anos tivemos um dia parecido com este quando a Maria deixou também a ABLA. E ainda além da Marta e Maria seguirão, se Deus quiser, o Joaquim e o Caleb, que se prepara para entrar este próximo ano. Por isso creio que fica claro o apreço que temos enquanto família pela Associação de Beneficência Luso-Alemã. Temos confiado que ela nos ajuda a educar todos os nossos filhos.
No outro dia alguém dizia que a educação dos filhos é a nova religião, futebol e política: ou seja, sobre isso não se deve falar. É um assunto que facilmente coloca as pessoas em desacordo e eventualmente chega mesmo a afastá-las umas das outras. A educação dos filhos é agora uma mistura de coisa sagrada e tabu, aquele tipo de tema que quando tocamos podemos enredar-nos. Por vezes cheios de convicções, por vezes cheios de dúvidas. Em algumas ocasiões podemos até construir defesas para as nossas práticas e acusações para as dos outros. É de facto das poucas conversas em que, independentemente se somos pessoas de convicções religiosas, futebolísticas ou políticas, raramente não apresentamos opiniões demarcadas. É fácil concordar com outros quando falamos da educação dos nossos filhos mas diria que é ainda mais fácil discordar. Por isso é preciso cautela. Quando se educa um filho e quando se fala sobre educar um filho.
O meu objectivo não é falar em geral sobre a educação dos filhos mas falar em particular sobre a ajuda que a ABLA tem dado à educação que damos aos nossos. Em nossa casa começámos por ser dois. Quando demos por nós éramos seis. À medida que o número aumentava ganhámos a convicção de que competia a nós educar os que chegavam. A nós, não ao Estado. A nós, não à Igreja. Nós, a família, é que tínhamos a responsabilidade de educar os nossos filhos. E, como somos cristãos, darmos contas disso a Deus. O que não quer dizer que tudo se resuma a nós. Temos vindo a perceber que precisamos, naturalmente, da ajuda de Deus. Mas precisamos também da ajuda de outros, que Deus usa. E isso inclui a ajuda da Igreja e até eventualmente do Estado. E a ABLA, sendo uma escola, tem sido para nós uma ajuda importantíssima na tarefa de educarmos os nossos filhos.
Parte do descanso que sentimos quando deixamos os nosso filhos todos os dias da semana na ABLA tem a ver com o facto dela continuar a dar-lhes aquilo que em casa eles já recebem. A ABLA, como nós, acredita nos valores cristãos e faz deles a plataforma de serviço para os outros, independentemente se as pessoas servidas partilham da mesma fé ou não. Isso tranquiliza-nos porque sabemos que quer nas horas da escola, quer nas horas da casa, caminhamos no mesmo sentido. Os nossos filhos não ouvem uma coisa na sala de aula, e outra na sala de jantar. Gerou-se entre nós e a ABLA uma grande amizade que tem a ver com a confiança que colocamos nela. Nunca nos sentimos traídos. Existe um abraço entre nós, pais, e a ABLA.
Parte do descanso que sentimos quando deixamos os nosso filhos todos os dias da semana na ABLA tem a ver com o facto dela continuar a dar-lhes outra coisa que em casa eles já recebem. A ABLA, como nós, crê que os valores cristãos são servidos aos outros em amor. Isso tranquiliza-nos porque sabemos que os nossos filhos continuam a ser amados na escola. A grande amizade que se gerou entre nós e a ABLA também se deve ao facto dos nossos filhos confiarem nela. Sem nunca se terem sentido traídos. Existe também por isso um abraço entre a ABLA e os nossos filhos.
Hoje comemoramos o final de um ciclo pedagógico dos nossos filhos. Eles preparam-se para entrar daqui a uns meses na antiga Escola Primária, agora chamada de Primeiro Ciclo. Celebramos isso em jeito de festa de formatura. Talvez hoje haja demasiadas festas de formatura e veteranias um bocado precoces. No nosso tempo não me recordo de tantas graduações nem festas. Mas, como sentimos o empolgamento das nossas crianças, é fácil juntarmo-nos ao ritmo da energia deles. Hoje ouvimo-los a cantar e a dizerem-nos coisas que dão contorno aos valores que esta Escola lhes tem transmitido. Por cada apresentação que nos mostram está um recheio que não se vê mas que se sente. Os nossos filhos procuram aprender ao mesmo tempo que querem ser. Querem ser aplicados, bem-sucedidos, companheiros. Não querem desistir, esquecer, ou fugir dos desafios. E por isso queremos mostrar-lhes o gosto que sentimos pelo percurso deles, querermos ser hospitaleiros com os momentos diversos da aprendizagem deles, queremos mostrar interesse no crescimento deles. Todas estas coisas não podem ser medidas por uma régua. Mas são marcas de uma riqueza única. Queremos ser bons administradores dela.
Conheço alguns antigos alunos da ABLA. Geralmente chamo-lhes ABLA kids. E diria que é possível colar-lhes esse título porque identifico uma identidade única neles. Mesmo que já sejam adultos mostram características que associo à Escola que frequentaram. Os ABLA Kids são excepcionalmente abertos à diferença cultural e étnica. Olham um horizonte largo porque na ABLA viveram na prática que o mundo é grande e rico na sua diversidade. Os ABLA Kids são excepcionalmente úteis e prontos em aliviar necessidades físicas e espirituais das pessoas à sua volta. Estão atentos aos problemas porque a ABLA nasceu dessa urgência de servir os outros e continuamente arranja maneiras novas e criativas de a aplicar. Os ABLA Kids são excepcionalmente alegres e vibrantes contagiando os lugares onde estão. São contentes não porque tenham tudo o que desejam mas porque na ABLA experimentaram que há sempre alguém com menos do que nós e isso abre o nosso entendimento para o que é realmente essencial.
A ABLA não é um parque de anjos. É de homens e mulheres que alcançam vitórias e fracassos. Mas não é difícil perceber que é um lugar especial. Já os políticos, os técnicos e os doutores antes o disseram. Eu, como pai, junto-me à festa deste dia com um coração grato. Mesmo que haja uma pontinha de tristeza pelos meus miúdos não poderem ficar sempre nesta escola, a alegria é muito maior pelo que daqui eles levam. Avançam para a nova etapa com a fé que a ABLA ajudou a guardar. Que Deus os abençoe. E a nós também.

[Texto lido ontem na Festa de Graduação da nossa Marta, na Associação de Beneficência Luso-Alemã.] 

quarta-feira, julho 10, 2013

Como diz a minha mulher













A Ria fica-nos tão bem.

segunda-feira, julho 08, 2013

Ver
A Terceira Igreja Baptista de Lisboa ofereceu-me o púlpito ontem, no dia que celebrou o seu 57º aniversário. Lá o hábito é registar não sou o audio do sermão mas o vídeo também. Aqui está ele. Orem pela igreja, Pelo Pastor Joed e família. Foi um Domingo de manhã cheio em que estivemos em casa fora da nossa.


sexta-feira, julho 05, 2013

Cabanas de Tavira não se fica IV

1. A minha irmã Sara e o meu cunhado Nuno tinham razão: as ilhas algarvias são paradisíacas. Fomos até à da Culatra e saí rendido. Se me perguntarem qual o lugar que acho mais bonito em Portugal vou escolher este. Concordo que pode haver um exagero no modo como continentais tendem a açucarar em inocência o isolamento insular, como se os habitantes de ilhas ficassem isentos do pecado original. Não é à toa que nos filmes das catástrofes zombies as ilhas servem geograficamente de abrigos, como se a imensidão do Oceano tivesse como afogar o contágio. Certamente que os habitantes da Culatra serão tão carentes da graça divina como todos os outros (e haverá até alguns pecados espicaçados pela insularidade) mas que naquele dia me pareceram meio iluminados por aquele lugar semi-celeste, pareceram.
2. Não sei se é uma coisa da nossa época mas parece-me mesmo que hoje a praia tem um grande, grande problema com o pudor. Facilmente dirão que o problema é o meu puritanismo cristão. Mas deverei contrapôr dizendo que até numa perspectiva pagã a exuberância com que as pessoas se despem nos areais do País dificilmente dignifica aqueles que têm na Natureza a expressão mais próxima de algo divino. Se nessa perspectiva panteísta há algum tipo de harmonia que a semi-nudez dos cidadãos oferece ao meio ambiente parece-me que o projecto está a sair fracassado. As pessoas não se estão a despir voluntariamente por se acharem mais bonitas mas porque o que é bonito foi despido à força. Com a conversa politicamente correcta que o que interessa é a beleza de cada um aos seus próprios olhos são os olhos de todos que estão a ser agredidos pela falta de beleza de qualquer pessoa. O que aconteceu aos fatos de banho? Desde quando é que o biquini se tornou um consenso nacional? E, caros homens cheio de auto-estima, a sunga teve um período curto de amnistia em 2011 - toca a sincronizar relógios. Não julguem que sustento uma perspectiva maximizadora da beleza humana (caramba, sou um calvinista dos cinco costados). Tão pouco estou certo de helénicos ideais estéticos (caramba, basta verem a minha própria presença desfigurada nuns calções de banho para saberem que tolerar é preciso). Simplesmente por cada passo na determinação em nos emanciparmos fisicamente nas praias do País parece-me haver um atrás no discernimento global.
3. As leituras avançaram bem. Li o evangelho de Mateus e Lucas e convenci-me mais uma vez que os cristãos precisam de ler continuamente os evangelhos. Jesus é um amor que temos nos lábios mas que precisa nunca sair da nossa memória. Li o "Última Paragem Massamá" e "A Vida É Breve" e avancei no "In The Beginning Was The Word". Espero escrever alguma coisa sobre eles em breve.
4. A minha mulher descobriu as maravilhas da piscina coberta. Muito melhor. O sacrifício de levar os miúdos à tarde à piscina foi reduzido por um espaço em que dá para os controlar melhor e sem o ambiente de 1 de Maio no Pingo Doce.
5. De facto fazer em duas semanas aquilo que geralmente se esgotava numa muda-nos o ritmo. Senti-me a passar férias com, céus!, algum relaxamento. Os vinte quilómetros de bicicleta de um dia não tiveram seguimento. Passeei escandalosamente menos. Não corri para a segunda volta na praia mal os miúdos dormiam a sesta. Dormi umas três sestas. Estarei a amolecer?
6. A volta nostálgica à Praia Verde nunca pode falhar. Foi ontem e inclui encher o depósito em Ayamonte (uma actividade muito menos poética) e a fotografia de família da praxe em Cacela Velha (que aqui colocarei mal esteja no computador). A fechar a noite uma caracolada e pizzas no restaurante Dunas com Epás para os miúdos (excepto o Caleb que se queixa dos gelados serem frios). As ameijoas preparadas pela Tia Lena consumidas numa varanda que é um balcão sobre a Ria são também inesquecíveis.
7. Gabei-me a determinada altura de pouco ecrã. Mas fomos ao cinema duas vezes. Uma com os miúdos ver "Os Monstros na Universidade" (que gostei muito) e outra sem eles para o "Homem de Aço" (cansativo na avalanche de efeitos em desgoverno nas mãos de uma equipa de luxo que não soube oferecer nenhum fio à meada de talentos). A determinada altura foi também impossível não seguir as notícias por esta trapalhona crise política em que nos metemos. O que dizer sobre isto? Por enquanto é melhor pedir ajuda a Deus para este Governo que bem precisa dela.
Cabanas de Tavira, over and out!

quinta-feira, julho 04, 2013

After Hours

Acho que a primeira vez que vi o "After Hours" do Scorsese foi numa noite quase tão perdida como a que o filme trata. Explico. Durante anos tive o hábito de ver televisão sem ter na televisão nada que queria ver. Isso significava ficar zonzo em zappings inconsequentes a ver mais coisas más que coisas boas. Em certa ocasião o canal Hollywood estava a passar o After Hours e eu fiquei a vê-lo. A paixão foi à primeira vista.
Agora que o revejo acho que uma das coisas que me agrada seriamente tem a ver com um género. O género de filmes que coloca alguém a querer chegar a um ponto B com grandes dificuldades em abandonar o ponto A. A acção torna-se mais interessante conforme o ponto A que se tenta abandonar seja tão assustador quanto familiar. Em After Hours o protagonista quer voltar para casa na outra ponta de Nova Iorque mas a ponta onde se encontra, sem parecer ameaçadora, impede-o. É por isso também um filme de fuga sendo que o que persegue o herói é uma mistura de pequena multidão crescente de pessoas com quem se incompatibiliza que se confunde com a própria cidade. Talvez seja por isso um filme que realmente assusta porque o monstro é de tal modo temível que não se manifesta pessoalmente - é a própria metrópole nova-iorquina que quer devorar o nosso homem.
After Hours faz-me lembrar "The Warriors", sendo completamente diferente. Sei que o filme de Walter Hill, delícia da juventude dos anos 70 e 80, pode parecer mais uma teen-exploitation que propriamente uma referência cinematográfica. Mas Hill tem o mesmo tipo de desconfiança antropológica de Scorsese e por isso as pessoas se portam tão mal nos seus filmes porque a natureza humana oblige (é verificar o excelente e mais obscuro "Southern Comfort").
Falava com o Sami sobre After Hours e ele dizia que o Scorsese não separa os géneros cinematográficos e que mesmo quando está no território da farsa assusta. After Hours é geralmente descrito como uma comédia negra mas é dos filmes mais genuinamente assustadores que conheço. Talvez porque joga subtilmente com a pequena distância que vai do quotidiano ao terror. É engraçado provocar os calafrios com cabanas abandonadas no meio da floresta. Mas provocá-los a partir das ruas que são percorridas por multidões é só para alguns. Claro que pelo filme há muitos traços de Scorsese que são puro talento (a montagem com aqueles solavancos operáticos, as personagens com uma bipolaridade entre o Bom Samaritano e a sociopatia, as guinadas constantes mas consistentes no rumo dos acontecimentos, a música como um elemento visual palpável e não apenas decorativo - de Mozart aos Bad Brains, entre outros aspectos). Mas o que faz de After Hours o meu provável preferido do Scorsese é aquela economia que subtrai nos vilões (e Scorsese é um realizador de vilões) para valorizar o herói a partir de lutar um adversário que sendo mais imaterial se torna mais perigoso. Quando o vejo tenho medo da cidade e da noite. Com mauzões cruzo-me apenas volta e meia.


terça-feira, julho 02, 2013

Ouvir


Se confiamos somente na nossa capacidade para vencer a dor acabamos por nos tornar o centro do sofrimento. Somos idólatras quando assim é. Afastamos Deus da nossa vida quando a solução do sofrimento é tudo para nós.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).

segunda-feira, julho 01, 2013

Cabanas de Tavira não se fica III
Normalmente a semana em Cabanas de Tavira já teria terminado. Mas este ano foi prolongada a duas. Isso fez com que o ritmo abrandasse e vivêssemos o Algarve com menos urgência.
1. Já peguei na bicicleta. Foi só uma vez mas deu para andar 20 quilómetros a ir a Manta Rota e voltar. Por três vezes saí de cima da bicicleta e fiz a pé aquilo que nos pedais me parecia impossível. Era excelente apresentar um cadastro limpo de percurso sempre ao alto do meu vigor físico mas a realidade é outra. Por outro lado, a roupa que levava e a própria bicicleta constituiam um quadro muito longe de prodígios velocipédicos. Calções de banho azuis claros, t-shirt vermelha, chapéu de palha e Paez às risquinhas azuis numa bicicleta de senhora com cestinho à frente tornariam sempre a minha audácia muscular numa volta de ironia. Quando estacionei a bicicleta mal me conseguia mexer. A ver se lhe volto a pegar nestes próximos dias.
2. A água já não está fria mas a ondulação não brinca. A pessoa quer ficar dentro de água pela temperatura mas a agitação da água não deixa.
3. Levo uma tremenda dose de piscina. Os miúdos sentem-se cada vez mais autónomos lá dentro mas nunca fico descansado. As meninas ensaiam cambalhotas, o Joaquim atira-se com braçadeiras de sítios onde não tem pé, o Caleb flutua de braçadeiras e bóia da Barbie (não achámos outra mais viril) em qualquer sítio. O pai-galinha aqui acaba por passar a vida dentro do tanque, coisa que de bom grado prescindia.
4. Enquanto o Miguel e a Marta cá estavam havia uma espécie de concurso entre mim e a Marta para ver quem era o pai mais galinha. Creio que ganhei destacadamente.
5. Ontem fomos à igreja em Faro. Uma das coisas boas de estar em férias é poder ir ter com os irmãos na fé que durante todo o ano estão à distância. (Acho incrível que os os evangélicos da minha geração assumam que férias é férias da igreja sem se apercerem que o valor do descanso não nos afasta do louvor colectivo ao Criador, antes pelo contrário. A próxima vez que um evangélico venha com a conversa das igrejas consumistas e aburguesadas parto para a violência e pergunto logo se em férias visita a comunidade cristã mais próxima. Na minha geração os evangélicos trocaram o princípio sagrado do sabbath pelo da sorna.) Foi muito bom e ainda deu para almoçar com um casal amigo que raramente encontramos. Que Deus abençoe a Igreja Baptista de Faro, Pastor Neilson e família.
6. Maravilhoso: não ver televisão e não ter visto até à altura nenhum filme inteiro. Há vida além do ecrã.
Até já-á!