sexta-feira, outubro 31, 2003

A cruz e o punhal
Quando me preparo para pagar o disco, os dois pares de meias escuras e os três blocos de notas Castelo no Carrefour, reparo que a senhora da caixa está enfeitada à Halloween. Preparava-me para esbofeteá-la com o meu proselitismo predador de reminiscências de ritos pagãos, com a minha intolerância com adopções mercantilistas de costumes alheios. Mas a estimada funcionária foi simpática para mim (e até sugeriu conversa pela minha escolha discográfica). E eu não resisto à simpatia. É a minha cruz.
Progressos da humanidade
Desconfiemos de quem se preocupa demasiado com os outros. Numa semana apenas dois bloqueios foram removidos das minhas angústias quotidianas: o soalho estragado foi substituído e a instalação do gás aprovada. Após um ano de arreliações. Uma pessoa fica mais aberta à alteridade quando o chão do apartamento é firme e a água sai quente.
Uma visão sobre a ekklesía
Os velhos têm orações demasiado longas. Tenho dificuldades em manter os olhos fechados durante todo o tempo. Esta é a minha igreja.
Golfada
O João Pereira Coutinho já respira.
Ler
O que a Quinta Coluna escreve sobre casamento.

quinta-feira, outubro 30, 2003

A mulher e a música III
Na escola dominical não me educaram para apreciar salmos a caudas. Mas como também passei pela minha estrada de Damasco hoje o horizonte é mais nítido. Da grande Missy Elliot chega: "Love the way my ass go bbompa-bompa-bomp-bomp/ Keep your eyes on my bompa-bompa-bomp-bomp/ And think you can handle this gadong-a-dong-dong". Palavras para quê? A profecia não de discute, aceita-se.
Nota: Os observadores menos ninivitas da Voz assustaram-se quando há uns tempos atrás falei na Missy. Tentaram fazer de mim um Joaquim Letria tardio, eu que serei dos poucos na blogosfera a falar de africanidade redentora. Sem exotismos receosos ou esperteza de cartaz do Bairro Alto.
A mulher e a música II
Jennifer Lopez não tem na frugalidade o seu encanto. Por isso há algo de culpa maquilhada quando frisa: "Don't be fooled by the rocks that I've got, I'm still Jenny from the block". Existe um clamor que atinge os Céus pedindo que sejamos libertos do cativeiro de Rio de Mouro para as celestiais delícias da Quinta da Marinha, mas jamais o fluxo inverso.
A mulher e a música
Vou usar um pouco de uma das minhas maiores virtudes: o paternalismo. Não acreditem quando alguém asseverar aos caros leitores que detesta semelhante atitude. Não fosse esta qualidade e o mundo não teria sobrevivido ao dilúvio. Sejamos prudentes mas avancemos.
É impossível levar completamente a sério o que Karen O. dos Yeah Yeah Yeahs diz quando afirma: "I got a date with the night burnin down my finger". Creio em meretrizes que querem ser donzelas mas nunca o oposto.

quarta-feira, outubro 29, 2003

Sinais dos tempos
Os nossos dias são maus. A Teresa Guilherme perde capacidade discursiva fora dos temas reprodutivos e a publicidade rende-se ao imperativo ético de que todos os homens devem ser apalpados por mulheres. Decresce a possibilidade de uma reacção coerente por parte dos intelectuais. As igrejas sensíveis respondem com o advento dos sacerdotes efeminados. Para quem, como eu, come gafanhotos resta o consolo de que as digestões no deserto são leves.
The hardest button to button
O último teledisco dos White Stripes é fantástico.

terça-feira, outubro 28, 2003

A História que tantas vezes a Teologia esquece
O senhor V. muda o chão cá da casa. Nasceu em Viseu, cresceu em Santarém (de onde nada de bom vem, sentencia), morou no Cacém e agora atingiu a vivenda na Ericeira. Andou pelo mundo da alta finança, um cunhado desgraçou-o, namorou a Causa Monárquica, ganhou manha no negócio de venda de automóveis e actualmente rala-se com a mais velha que lhe chumbou no 8º ano. Ao ouvi-lo enquanto nos nutrimos de vitela com puré lembro que a narrativa é essencial no exercício da Salvação.
Nos labirintos de Babel II
Os estimados leitores conhecem já que a Voz do Deserto despreza poliglotas amoráveis, naquilo que à música diz respeito. Para ter a norma em conta razoável abrem-se umas excepções: Abba e uma ou outra banda de trash dos anos oitenta. Ora, os Tankard inscrevem-se nesta última família. São alemães e cantam no ridículo inglês que os germânicos ganham quando se esforçam. O éle-pê "Two Faced" tem a as letras moralistas que fizeram escola nos menos iluminados carreiros do metal. Mas há um bênção que vem sobre aqueles que acima da estética colocam a ternura.
Lido
A amiga Vírgula escreve com a sabedoria de Salomão: "Os prudentes afligem-se quando são tocados pelo exagero dos outros. Seremos melhores quando soubermos aceitá-lo como uma dávida".
Nos labirintos de Babel
Há um prazer especial em conhecer primeiro o autor e só depois a obra.

segunda-feira, outubro 27, 2003

Atenção
À cantiga nova, acabadinha de sair: "A Estranha Via da Monogamia" (clique direito, save target as).
Já agora, dêem uma vista à Memória Inventada que também há por lá músicas para descarregar (o Ivan é artista e não tinha dito nada!).
Caleidoscópio do Dia do Evangélico
Para além do prazer há uma multidão de boas razões para fazermos coisas para as quais não nos sentimos destinados. Propensões de personalidade ou afirmações ideológicas podem ser trágicas se demasiadamente levadas a sério. Avancei para o Dia do Evangélico no Pavilhão Atlântico, pois claro. Não quero "Transformar Portugal" (como dizia o tema do Encontro) nem quero transformar os evangélicos. Sentei-me no lugar que me estava guardado.
Dentro do seu estilo, a coisa correu muito bem:
- um grupo de gospel do incansável Guy Destino a brincar à Whoopi Goldberg "Do Cabaré para o Convento"
- a banda de louvor num plástico mas competente registo de christian contemporary music
- um pregador demasiado palavroso
- oferta generosa de stands de organizações evangélicas
- uma brasileira em regime semi-operático histriónico
- um número de participantes o sufientemente elevado para levantar a auto-estima evangélica
- possibilitou o reencontro com muitos amigos geograficamente distantes
- como a direcção é sobretudo neo-pentecostal, sente-se um desequilíbrio imprudente em favor do dionysiacu litúrgico carismático - as denominações mais tradicionais têm dificuldade em acompanhar o ritmo
- uma homenagem apropriada ao Irmão José Dias Bravo
- apercebi-me também que há um número razoável de evangélicos a ler a Voz. O que só pode ser muito bom.
Reconhecimento
Hugo, tens razão. O Tony Carreira é mesmo um grande artista.
Há um momento...
... muito bonito na intervenção da Carla no Cabaret da Coxa, sexta passada: quando segreda o nome do seu blogue com o olhar no chão, rápida e embaraçada.

sexta-feira, outubro 24, 2003

De volta
Na segunda-feira.
By the book
Hoje ofereci-me uma boa prenda de aniversário: uma antologia da obra do mui querido Sören. Bem à medida do meu púlpito.
Sena Martins
O Bruno tem um dos melhores blogues que conheço - Avatares de um desejo. O Bruno uma vez leu um poema de Baudelaire num acampamento baptista. O Bruno tem uma 4L. O Bruno é um mulato belíssimo. O Bruno até pode ser de esquerda que eu não me importo. O Bruno pode ser a solução para muitos dos nossos males.
Lebenswelt
Hoje tive de andar de comboio na Linha de Sintra. Sou um nostálgico e um suburbano incurável.
No metro
Uma rapariga lê no Público a coluna do Eduardo Prado Coelho. Outra, um romance do Paulo Coelho. Abriu a época da caça.

quinta-feira, outubro 23, 2003

Retiro
A reflexão devocional de hoje chega-nos via Eurythmics, cantiga "Missionary Man", do éle-pê "Revenge":
"Well I was born an original sinner
I was born from original sin
and if I had a dollar bill for all the things I've done
there'd be a mountain of money piled up to my chin
".
Up The Irons!
Agradeço as palavras do Lourenço Ataíde Cordeiro, no Projecto. Há a construção de uma memória metálica em curso na blogosfera.
Abandonando o plantel na húmida cave do Século XX
O Terras do Nunca fala sobre um debate inter-religioso a que assistiu. Escreve: "Ao esmiuçarem os textos sagrados, a história e as atitudes presentes de cada uma das religiões, os conferencistas deixaram muito claro que, do ponto de vista institucional, cada uma dessas religiões foi construída contra algo, contra outra religião. É uma história de diferenciação e não de comunhão". Nem mais. Chegará o dia em que ao falarmos de espiritualidade não teremos de o fazer num balneário.
A ler
O A Bordo a falar sobre os "Pensamentos" de Pascal.

quarta-feira, outubro 22, 2003

As minhas ímpias semanas
Com dias em que se prefere o "Love in an elevator" dos Aerosmith ao "Love Supreme" do Coltrane.
Novos blogues
- o Mephistofeles ou o Blogue da Bebé Jessica, entalado no poço do seu profundo desejo de chegar à superfície. Depois do Tolentino-fracasso os aprendizes de tentador esboçam demónios adelgaçantes, mais pedagógicos e deslumbrados que sedutores. Gozam que se fartam aqui com a Voz, o que só lhes fica bem. O clímax será quando colocarem em causa a honra sexual das nossas mãezinhas.
- O Grupo do Pato. Interessa-me principalmente o meu amigo Nuno Domingos. Falam do Papa como se fosse um participante costumeiro das RGAs da FCSH e quando mencionam os EUA parece que estão a pintar grafitos nos muros desse estimado estabelecimento de ensino. Mas o ambiente é bom e o café também.

terça-feira, outubro 21, 2003

Citação II
Diz o Pedro, citando Nelson Rodrigues, que a missa é estragada por crentes e padres. Precisamente. No dia em que a igreja não corra o risco de ser estragada é sinal que Deus morreu e a necrologia ainda não avisou.
Citação "adoro quando levas o cachimbo à boca e dizes essas coisas, Lewis!"
"Devemos arriscar-nos a ser iludidos se quisermos alcançar alguma coisa".

segunda-feira, outubro 20, 2003

Nota de vidro
Lidl, nove da noite de Domingo, Marinha Grande - a revisitação das lágrimas hebraicas nas margens dos rios da Babilónia pela memória de Sião.
Poema
Todos os homens deviam engravidar
pelo menos até às dez semanas.

sexta-feira, outubro 17, 2003

A ler
O Latinista Ilustre a falar sobre a felix culpa.
Lista IV
Hoje não será propriamente uma desafinação mas antes um "falsete que incorpora toda a angústia humana": Chico Buarque em "O que será (à flor da pele)", do disco "Meus caros amigos". Convém lembrar que Milton Nascimento o ajuda, nessa canção, a arranhar as oitavas inalcançáveis.
Insegura saudade
O apático Pedro Rios fala de nostalgia da estética panque. Eu também nutro essa saudade - um vírus persistente de querer fazer tudo rápido e sem grandes intromissões alheias. Mas tenho receio. Por muito menos Jonas foi vomitado da baleia.
At the porch
Minneapolis, duas da tarde de um Domingo luminoso. Toca a campainha da porta. Rochelle atende. Confirma-se a pior hipótese: testemunhas de Jeová. Um dos pressurosos crentes apresenta-se: Prince Nelson, ou o artista anteriormente conhecido como Prince. O autor de "Pussy Control" dedica-se agora a tentar convencer judeus e gentios das virtudes do Mundo Celestial por vir. Quando estende a mão não é diamantes e pérolas que entrega mas um tépido e eloquente folheto desdobrável. A vida eterna já não carece de pedras preciosas.

quinta-feira, outubro 16, 2003

Contra a Corrente
O estimado McGuffin fala de hip-hop. Permito-me discordar. De La Soul, Beastie Boys e ainda os aborrecidíssimos Disposable Heroes of Hiphoprasy são óbvias escolhas de rap para brancos letrados. Os restantes, quando muito, ficarão para os pretos, está-se mesmo a ver. Ora, a ponta (perdoem-me a expressão de carácter sexual, mas o assunto obriga) do hip-hop está na sua auto-degerenescência intrínseca. O abdicar de um apriorístico discurso estético, a cedência ao nihil dançável e a misoginia africana são apenas alguns dos elementos constituintes do trabalho do MC e do DJ. E lá está o branco a intelectualizar...
Missy Elliot e Eminem são sinais de vitalidade. Quando agradarem ao exigente público intruído tornar-se-ão apenas mais um capricho exótico da prudência caucasiana. E todos sabemos que o Senhor já abandonou o jazz há muitos anos.
Preferência
A Rádio Marginal mudou. Onde se ouvia os inenarráveis Linkin Park escuta-se agora a Billie Holiday. O ouvinte deixou de ser o do 1º esquerdo e passou a ser o do 5º direito. Entre um púbere pulante e um burguês de segunda prefiro um roedor de grandes incisivos.
Fiesta
O BQ-81-53 deixou de ser meu. Nunca consegui fixar a matrícula até ao dia em que o entreguei. Tinha quase 20 anos, uma pintura vermelha demodé e entregava-me o privilégio de me colocar em oposição em relação ao mundo. É que nestes dias possuir um carro velho é uma ofensa à criação.
Não tenho afeição por automóveis, séria semi-iconoclastia no domínio da Linha de Sintra. O apego às coisas é o princípio da idolatria. Por isso Deus não tem nome (é aquele que é). Mas sobra a memória das cantigas gravadas (os estofos proporcionavam uma acústica ideal), o cheiro teimoso à borracha dos tapetes e um quase despiste na CREL por causa de uma suspensão dissoluta. "O Senhor o deu, e o Senhor o tomou: bendito seja o nome do Senhor" (Job 1:21).

quarta-feira, outubro 15, 2003

Violent Pacification
Hoje prossigo a minha via iconográfica ao som litúrgico dos DRI.
Efeméride
Há precisamente um ano atrás era escrito o primeiro poste na Coluna Infame. Só a descobri uns meses mais tarde mas a partir daí nunca mais as coisas foram as mesmas. Impressões massivas para o papel, surpresa com a identificação ideológica, despertamento para determinados assuntos e muito divertimento na leitura daquelas linhas foram alguns dos ingredientes que me levaram a querer fazer uma coisa igual.
A existência da Coluna Infame foi uma das coisas que mudou o ano de 2003 deste bendito país. Nem mais nem menos. Sei que há algo de palerma em festejarmos aniversários mas junto-me à festa: parabéns Pedro, Pedro e João!

terça-feira, outubro 14, 2003

Cangalheiro
A generalizada afeição pela soul music é mais um dos enlevos fecais que a populaça tanto aprecia. A música negra americana não tem berço no enfastiado ideário filantrópico da classe média. Nasce num terreno de conflito onde não há lugar para boas disposições ou joie de vivre.
Cantam os Staple Singers em "Will The Circle Be Unbroken" (tema que se ouve agora num anúncio a um automóvel):
"I said to that undertaker
Undertaker please drive slow
For this lady you are carrying
Lord, I hate to see her go
".
O meu comentário político da semana
Prefiro de longe Teresa Gouveia a Martins da Cruz.
Bach e o Padre Borga
A ler o artigo de hoje do João Miguel Tavares no DN. Para abrir o apetite: "mais depressa se encontra um professor universitário capaz de explicar o Tractatus Logico-Philosophicus de Wittgenstein do que de acertar no número dos evangelhos". Apenas uma nota: não é correcto dizer que Jesus se esteve nas tintas para as questões da moral sexual. O próprio sermão da Montanha tal contraria.
Too Fast For Love
O melhor do primeiro disco dos Motley Crue não é o corrupio de ameaçadores bustos femininos ou as vertigens líquidas de Gomorra. É o seu lado de pedinte romeno nos semáforos. O epidérmico-rasurado Tommy Lee precisava mais de uma Pamela que o convidasse a um sono tranquilo do que a video-delírios rítmicos.

segunda-feira, outubro 13, 2003

Opção pessoal
Na vida decidi afastar-me de três tipos de pessoas: das que esperam pelo tempo apropriado, das que dizem "esforço hercúleo" e das apreciadoras de gastronomia.
Sobre o oitavo capítulo do Evangelho de João
Elsa Raposo pede desculpas na têvê aos homens que seduziu indevidamente no passado. Luisa Castel-Branco, sua confessora contigente, não a absolve no ecrã. Nem escrevinha na areia do chão. Menos ainda lhe aconselha: "vai e não peques mais". A contemporaneidade livra as mulheres das pedras mas abandona-as ao pesar pela ausência do Messias.
Nota sobre a fé
A irmã P. tem um filho preso. Quando participa nos programas que o grupo de senhoras mais velhas organiza em determinados cultos é geralmente a mais trémula. A voz sai débil e as frases repletas de curvas fechadas. Temos orado pedindo que a irmã P. sinta a coragem e a paz para não encontrar no seu lar um lugar de desespero.
A Igreja Baptista de Moscavide não é um albergue de desditosos. De gente sem agenda social ou com iluminação ideológica fundida. Os que adoram em conjunto encontram na sua fé um país de esperança que não educa para saudades do futuro. Uma satisfação por completar mas que sabe que "basta a cada dia o seu mal" (Mateus 6:34).
Lista III
O blogue Apatia contribui com mais uma "desafinação que incorpora toda a angústia humana": "The Sun Highlights The Lack In Each" dos Palace (de Bonnie 'Prince' Billy). Óptima sugestão - Will Oldham é terra fértil para esta colheita.

sexta-feira, outubro 10, 2003

Até
Estamos de regresso lá para Domingo à noite ou segunda-feira.
Eternidade conciliadora
Uma leitura possível de "Herói" de Zhang Yimou: amantes com posições políticas divergentes só se encontram no Porvir.
Assim a Voz justifica a sua via profética
"The Puritans developed a comprehensive theory of personal spiritual record-keeping, with the journal as the key instrument" (artigo completo aqui).
Aquisição com sabor a roubo
A economia de mercado esmera-se: o éle-pê dos Yeah Yeah Yeahs comprado por €1,99 na Worten.
Noite
Hoje amanheci virado para grandes baladas. Kenny Rogers em dueto com Sheena Easton dizem "We've got tonight, who needs tomorrow?". Logo de seguida, Beverly Craven responde: "I'll be home soon". Às vezes penso que a minha grafonola usa de excessivo relaxamento emocional.

quinta-feira, outubro 09, 2003

Constatação
Uma pessoa sabe que é suburbana quando num automóvel com o rádio ligado na canção certa se torna capaz de recuperar a heroicidade das grandes narrativas gregas.
Um deslize na colectividade
Depois de um momento de tão quente koinonia (perguntem à Bomba o que significa) sosseguemos ante as palavras de Joey Ramone: "I Wanna Be Well!".
Revista blogosférica
Nunca me seduziu o discurso metabloguístico. Não vejo muito interesse em falar do medium e repelem-me os discursos técnicos (deve ter desabado sobre mim uma caixa de Lego na infância). Porque o que acho relevante são as pessoas por trás do ecrã alinho hoje umas breves notas sobre três blogues que aprecio.

- A Flor de Obsessão: O Pedro Lomba é o melhor a escrever sobre angústias. Não o faz na tradição condescendente de niilista-das-meias-altas que é por estas bandas tão bem sucedida. O seu blogue é inteligente, sensível e comovente.

- Os Bengelsdorffs: o Escala Estantes escreve agora acompanhado dos seus irmãos. Conheço bem a família e sei que o Pastor Leal (um dos meus mestres privados) é um homem abençoado na perspectiva do Salmo 127 ("Como flechas na mão de um homem poderoso, assim são os filhos da mocidade. Bem-aventurado o homem que enche deles a sua aljava"). São pessoas que nunca precisaram de pertencer a um grupo para afirmar a sua individualidade. Reconheço-lhes integridade e a simplicidade dos homens de bem.

- A Deusa do Blog: o Paulo é um panque, embora seja do metal. Os seus desenhos estão numa fase imperdível. Não cita Chomsky, veste-se sempre de preto e está-se nas tintas para os intelectuais.

quarta-feira, outubro 08, 2003

Salmos frescos
Há cantigas e homilias novas na coluna de linques. Este é um blogue melódico e recto aos olhos do Senhor.
Doutrina sensual
Há um miado específico para quando o gato se prepara para caçar uma mosca. Uma mistura de ansiedade e profissionalismo que tornam a mera rotina de um instinto numa prova que Deus dotou a sua criação de uma carácter erótico.
Tarde pagã
Não quero quebrar o primeiro mandamento mas esta tarde tive de me entregar a uma idolatria pessoal: a compra de um número especial da Uncut sobre o Dylan fez-me sentir um hebreu embriagado correndo em círculos infinitos à volta do bezerro dourado. Tento ler rapidamente pois já ouço no monte os passos acelerados de Moisés.
Uma questão de palavras
Os ateus americanos querem ver-se livres da componente negativa do termo que descreve a sua falta de crença (do grego a-theós, sem Deus). Por isso sugerem "bright" como uma hipótese que opera o que "gay" ofereceu aos homossexuais. É possível ler mais sobre esta questão neste artigo.
Parece-me bem. Não defendo que a exclusividade da alegria e esperteza resida nos que têm fé.

terça-feira, outubro 07, 2003

Esclarecimento
A companhia dos gatos não é uma amizade entre espécies. É um sinete profético de que o mundo a qualquer altura pode ronronar.
Lista II
Mais uma "desafinação que incorpora toda a angústia humana": Tom Waits em "Johnsburg, Illinois", no "Swordfishtrombones".
Algumas notas sobre a "exclusividade da Salvação por parte da Igreja Católica"
Tentando responder ao leitor Gustavo Nogy.
A “exclusividade” da salvação por parte da Igreja Católica é feita de algumas subtilezas. Da minha rápida visita ao Catecismo e da convivência social com a doutrina romana entendo que:
- Não é afirmado que apenas esta administra a salvação (artigos 169, 780).
- Mas apenas a IC entrega a fiel pregação do Evangelho, não havendo verdadeira igreja fora dela (artigos 100 e 816). É uma assunção qualitativa clara.
- Este selo de garantia é atribuída pela “sucessão apostólica”, fenómeno que as igrejas protestantes e evangélicas não reconhecem (supostamente Pedro foi o primeiro elo do sacerdócio intacto que até hoje permanece no velho Wojtyla - a afirmação da verdade dependente dos depósitos humanos).
- O artigo 97 equipara a tradição às Escrituras, coisa que protestantes igualmente não consideram.
- A IC não vê os protestantes como condenados (artigo 818), considerando que a salvação também é aí possível.
De referir ainda: a face mediática da IC é notoriamente distante do catecismo, que é a firmação básica da fé romana. Os curas da tv são criaturas que citam autores mais delgados, têm manas que queimaram os soutiens em 68 e aprendem mantras orientais às escondidas.
Um eixo que separa a perspectiva dos evangélicos dos demais é a sua concepção fragmentária da igreja. Uma assembleia da fé que não carece de um cordão institucional que projecte uma imagem iconográfica coesa para o exterior. Somos, nesse aspecto, um filme de poucas audiências. Desconfiamos de grandes ecrãs, vivemos sem placas da lei e pouco choramos por não ter almoços com todos os membros da família.

segunda-feira, outubro 06, 2003

Missy Elliot
São sublimes as contradições que nos chegam da outra margem do Atlântico. Ela é preta. Ela é gorda. Mas ela sabe que é a melhor.
Citação entre cobertores
Se não tivermos um judeu por perto é sinal que o Senhor já pouco pode fazer por nós. Por isso mantenho o Cohen aconchegado na minha cova do deserto. Diz o hóspede: "Todos nós desejamos ser místicos chineses, viver em cabanas com telhado de colmo, mas sem nunca abdicar do sexo".
Lista
Tenho uma incompatibilidade filosófica com um programa como a "Operação Triunfo". Decido estabelecer um inventário de desafinações que incorporam toda a angústia humana", tema que mencionei a semana passada.
Sugiro hoje a de Dylan em "You're a big girl now", no "Blood On The Tracks". Aceitam-se contributos para o e-mail do costume.
Quase
Este será o template final. Aguardam-se uns últimos retoques.

sexta-feira, outubro 03, 2003

Até
Voltamos Domingo. Divirtam-se com coisas como o bestial videoclip "Señorita" do Justin Timberlake.
Passagens bíblicas para o fim-de-semana
Todas as que envolvam bodas, vestes formais e vinho (sem falta).
Para a semana
Há temas em atraso que ficam para a semana: notas sobre a igreja primitiva e os evangelhos (via Cruzes) e uma questão sugerida pelo leitor Gustavo Nogy acerca de um aspecto da doutrina católica. Juntar-se-á a importância do "foleiro" na compreensão da obra escrita da Voz do Deserto.
Novo
Mais um blogue a visitar com conteúdo religioso: o Guia dos Perplexos (muito bom nome).

quinta-feira, outubro 02, 2003

Citação "Adoro quando te levantas e dizes coisas dessas, Chesterton!"
"Men are blaming universal suffrage, merely because they are not enlightened enough to blame original sin".
Intra
Tenho andado a pensar nos últimos tempos na questão da procriação. Insectos há que após participarem da fecundação lhes resta uma sobrevivência ziguezagueante. Apesar de também esperarem curvas ao Homem, a paternidade ergue-se para além da surda fatalidade biológica. E a mim, receptor de sobrecargas decibélicas suspeitas, ainda me resta audição suficiente para tentar descodificar os sons do útero.
Iluminação musical
Existem desafinações que incorporam toda a angústia humana. Quando o DeeDee Ramone, Deus o guarde, irrompe pela "53rd and 3rd" entendemos que aqueles quatro nova-iorquinos exprimiam mais que simples ânsias de espancar fedelhos mal-comportados.
Recomendação
A ler o A Bordo falando do Inferno.
Um valor cromático mais alto se levanta
A Voz do Deserto torna-se agora mais cinzenta. Ao sétimo mês, o Senhor quis fazer diferente.

quarta-feira, outubro 01, 2003

Súbita falta de fôlego
A ler o post do Zé Mário "Breve Nota Sobre Os Maratonistas Da Blogosfera".
Sam Rivers Trio
O que vale a pena nos discos de jazz é, principalmente, o som da bateria.
Memória
Participo num programa do canal de televisão da Igreja Maná. Canto "Faz-me bem a mim e mal ao demónio". Uma das operadoras de câmara tem uma tatuagem no braço que parece o símbolo do Batman. Escrevo estas coisas para não as esquecer pois tenho a certeza que há pormenores que valem a pena ficar registados.
Já que despertaram a minha semi-misoginia-da-linha-de-Sintra
Todos sabemos que James Brown cantar "It's a man's world" é equivalente ao "All the boys get the girls in the back" de Gwen Stefani. Um favor divino aos homens, uma espécie de prémio de consolação. O Mundo pode ser nosso mas o resto é delas. Eu sempre achei os resíduos muito mais interessantes.
QFM
E já agora, visitem o Quatrzo, Feldspato e Mica. Vale bem a pena.
Interrupção matinal
A minha cautelosa amiga Filipa pergunta: "o que se terá passado para o tiago ter resvalado para a banalidade, assim um pouco foleira?". Parece que só agora a estimada se apercebeu do projecto que anima a Voz do Deserto. Quando me apetecer dissertar sobre o Caetano Veloso ao ritmo das contracções de uma prenhez temperada peço inscrição no higiénico Tomara que caia.