Música, darTenho andado encantado com uns miúdos de uma banda
panque que conheci recentemente. Musicalmente têm pecados que só muito arduamente um frade teimoso como eu pode absolver: cantam em inglês e não se circunscrevem a um tipo de distorção de guitarra numa mesma cantiga. O Senhor há-de olhar para além do traidor poliglotismo e vaidosa pedaleira.
Fascina-me nestes rapazes o charme discreto dos subúrbios. Falo de charme, não de suor proletário. Da nobreza possível aos plebeus. Aquela centelha inesperada que torna uma vendedora de peixe demasiado sublime para o seu balcão. Em suma, tudo aquilo que um crítico musical digno do título desdenha.
O crítico musical, como crente que é, acredita na música. Essa é sua a calamitosa vocação: recusar que ela se resume a um entretenimento divino. Um passatempo entre criar amibas e fazer chover em Alcabideche. Os respigadores de melodias classificam, escarafuncham, canonizam, amaldiçoam, expurgam. Por cada lágrima que rola ao som de duas notas seguidas na pauta ouve-se uma gargalhada displicente no Firmamento Eterno. Como os críticos musicais substituem o Criador pela Criação recusam apreciar a coisa pelo aspecto
humano. A arte só é perfeita para ateus. A adjectivação
sobrenaturalizante da matéria é o mais velho truque do pagão para não ter medo de dormir sozinho à noite.
O Evangelho liberta. David tirou a roupa dançando em louvor a Deus. Isto é o máximo que a música tem para dar.