Pequena pausa
De volta próxima quinta-feira.

Aroma de Portugal
Aconselhado pelo Casanova, pega-se no American Pastoral em paperback, capa janota, cheiro irrepreensível, menos de 12 euros. Vai-se à estante dos traduzidos e apanha-se a edição portuguesa da D. Quixote, creio, encadernada como o livro de Biologia do 8º ano, quase a 18.
Talvez luteranamente exagere mas recordassem os editores que sendo cada acto de traduzir uma contaminação necessária os preços encolheriam em relação ao original. Para além de bonito e económico, era um reconhecimento de humildade hermenêutica que certamente aliciaria mais cidadãos imprevidentes para a suprema distracção da leitura.

Pronto-a-vestir
Para os leitores que como eu têm andado a brincar aos Megadeth avisa-se que este ano a tendência, para além do branco, é calças coloridas. Sacudam esse arco-íris mas mantenham o corte justo.

A Providência leva o roque na sua mão
Queriam que os Rolling Stones levassem para o palco o Legendary Tiger Man? O David Fonseca? Uma coisa é ter estilo na decadência, outra é ter decadência no estilo. Deus guarde Keith, companhia e todas as fadistas magrinhas de caracóis.

Cordelinho
Entre protestantes defendo católicos. Entre católicos defendo protestantes. Entre baptistas defendo pentecostais. Entre pentecostais defendo baptistas. Sou um yo-yo apologético.

Todos os nomes
"O nome de um filho tornou-se um símbolo de gosto pessoal mais do que um reflexo de tradições familiares ou valores culturais" (diz este artigo). As minhas balizas, a caminho do terceiro golo, passam pelo velho código protestante: ou está na Bíblia ou não vale. É verdade que hoje sou sensível à homenagem da memória de alguém na nossa descendência e isto releva já de um sintoma social que mostra uma certa classe média seduzida pelos prestigiados hábitos de nomeação dos ricos e bem-nascidos (tenho alguns bons amigos suburbanos a baptizar a prole de Maria, Matilde, Tomás, António). É certo que se torna perverso, pois o que era princípio nos de cima é capricho nos de baixo.
De resto e como já escrevi anteriormente, o gosto pessoal serve para comprar sapatos.

Dar menos
Deus queria destruir Sodoma. Abraão, cheio de sentimentos piedosos, perguntou a Deus se iria para a frente com a ideia caso existissem pelo menos 50 homens justos na cidade. Deus respondeu-lhe que, se isso se verificasse, suspenderia o castigo. Abraão ganhou coragem. Quarenta e cinco, quarenta, trinta, vinte, dez. Por dez almas decentes o Senhor deixaria o sítio em paz. A conversa parou aí.
No final a cidade foi destruída livrando-se apenas a família de Ló, sobrinho de Abraão, única gente boa residente. Toda aquela conversa em termos práticos não serviu de nada mas deixou claro que com Deus dá para regatear.

Agenda musical
Esta noite vou tocar mais os Pontos Negros no Lótus Bar em Cascais. Sob a designação Tiago Lacrau proponho-me entoar cantiguinhas cristãs testosterónicas (dêem-me o crédito de ser o único a fazê-lo nesta abençoada nação).
Amanhã, Sábado, estarei na Feira Laica na Bedeteca (Olivais, ao lado da Quinta Pedagógica) reproduzindo o mesmo show.

Aos Sábados
Está a sair com o Correio da Manhã os DVDs da Rua Sésamo (alguém leu neste blogue o clamor levantado há meses). No primeiro surpreendeu-me a velha novíssima Alexandra Lencastre e um sinal sobre o lábio superior que já não recordava assim como o hábito de encostar o indicador à boca para disfarçar os dentes separados. O seu encanto no início de carreira, muito longe da amplitude pulmonar que hoje lhe reconhecemos, passava por essa delicada espessura de timidez de rapariga insegura da sua beleza. Lugar não mais ocupado nos televisores da pátria.

Beijos
Após contar a história da Branca de Neve e os Sete Anões à minha filha mais velha antes de dormir apercebo-me que hoje o Príncipe seria acusado de necrofilia e profanação de cadáver.

Condição ocular
Agora que mudei de óculos para uns de graduação superior as lentes nas extremidades encurvam-me a perspectiva das coisas. É como se vivesse num mundo entre parêntesis.

Órgão fúnebre
Como me redimo de só ter chegado aos Suicide aos 29?

Trabalhos
Não é muito simpático pregar sobre o livro de Esdras. Esdras liderou o povo de Israel do cativeiro Babilónico para regressar a Jerusalém, com a missão expressa de reconstruir o Templo. A viagem era inédita porque tinha partido de uma ordem de Ciro, o Rei Persa que conquistara a Babilónia. Uma liberdade dada a prisioneiros pelo próprio dominador, portanto.
Esdras teve de zelar pelos aspectos materiais da reconstrução do Templo assim como pela correcção ética da sua gente, indisciplinada por muitos anos de desenraizamento. Um dos resultados é que todas as mulheres pagãs com que os judeus se haviam casado foram despedidas, bem como os filhos desses matrimónios. Quem nos nossos dias sentiria afinidade com um purificador desta estirpe?
Vale a pena mencionar um aspecto mais atraente na história: a obra de reconstrução contava simultaneamente com pedreiros, sacerdotes e cantores. Uns punham a mão na massa, outros consagravam-na espiritualmente e os últimos celebravam. O estilo laboral divino é entre a formiga e a cigarra juntar o cura.

Atlânticos
Nos excertos dos diário de Ronald Reagan durante a presidência apercebemo-nos do seu receio em poder assistir ao Armagedão. A batalha do Armagedão, também conhecida como um dos últimos grandes eventos das profecias do livro do Apocalipse, marca o fim do mundo. Todos estes conceitos são estranhos à mente europeia, mesmo à que se considere razoavelmente religiosa. O europeu rirá do medo que o americano tem do fim do mundo uma vez que o europeu não acredita num final cósmico temporalmente delineado (o europeu, no que concerne à decadência das coisas, especializou-se no apodrecimento). Um europeu nunca poderá crer no fim do mundo porque, em rigor, um europeu não crê sequer na existência do mundo.

Ana Marques e o Frei Bento
Naquele programa em que Ana Marques (um revelador prenúncio do que o mundo poderia conhecer caso tivesse nascido mulher) celebra a qualidade de vida enquanto invenção feminina falava-se hoje de Santos Populares. Para não deixar cair tal fasquia celebratória a Igreja Católica fazia-se representar na incandescente presença de Frei Bento Domingues (em todo o esplendor de competente controle universalista pode o Vaticano impedir que um determinado sacerdote se faça representar em tão venerando nome?). Dizia o padre que escreve no Público (uma espécie que per se mereceria muita reflexão) que espera que o Céu seja feito de muita festa e que por isso nos compete ensaiar aqui as celestiais comemorações.
Algures entre a instantânea mudança de canal e uma qualquer categoria kierkegaardiana onde procuro abrigar o meu raciocínio ocorre-me que nunca um século colocou a Igreja em tão patética adolescência quanto este.

Ascendências religiosas
Em 1955 Ray Charles tranformou um cântico da igreja numa cantiga para a uma namorada. Nascia "I Got A Woman" e a prova que o roque-enrole sem o Evangelho (sobretudo protestante, negro e pentecostal) não existiria.

Todo um programa
"Mrs. Witthaker always stopped things before they got to the stage where they didn't look right", The Wonderful Old Gentleman de Dorothy Parker.

Gibb
Infelizmente não é a primeira vez que referem a suposta semelhança física entre mim e o pior dos Bee Gees. Sei bem o que é crescer com a má morte do carneiro no olhar. Recebo algum optimismo quando me apercebo que estes dias gratificam "boas estruturas ósseas faciais" (ouvi a expressão num programa qualquer do People And Arts, creio, que transforma adolescentes vulgares em top-models). Tivesse um queixo e um aparelho nos dentes e havia muita balzaquiana a encontrar em mim muito mais que um tipo de óculos com ar anémico.

Um dos grandes méritos
De Sam The Kid é o de oferecer decência ao pior penteado dos anos 90.

O último disco
Dos White Stripes é perfeito. Dêem-lhes dinheiro. Vão amanhã vê-los.

Zés

Tirado do blogue do Samuel Úria.

Preferências infantis
No topo das preferências musicais da minha mais velha estão os Beatles (muito por conta do Revolver a rodar insistentemente no carro) e há uma simpatia aberta por Justin Timberlake. Gosta muito de dizer o nome dos Buzzcocks.

Leituras
Roger Scruton, um autor muito lido por quem em vez de se meter na droga se meteu nos blogues, fala na "imagem científica do desejo sexual" como "mercadoria padronizada do desencantamento". E depois reabilita a monogamia, a heterossexualidade e o casamento.
Nasci para estes tempos.

Lãs
Deus mandou Abraão matar o seu filho Isaque. Na hora do sacrifício providenciou um cordeiro para tomar o lugar da criança no altar. Mas se Deus não o tivesse feito e o filicídio se concretizasse com que ficaríamos mais desapontados: com a ordem do Senhor ou com a obediência de Abraão?

Hoje nas bancas

Onde discorro sobre a importância exagerada que os católicos atribuem à mãezinha. Nós, os protestantes, somos umbilicalmente emancipados.

"Não é difícil aceitar que Jesus não foi o filho com que Maria sonhou. Morrer solteiro aos 33 por razões religiosas não é desgosto muito menor que ficar-se com a mesma idade numa overdose".

Comprem, chorões.