A confissão do anão
A nossa ignorância é grande. No meio evangélico os Puritanos são uma memória desfocada. A nossa ignorância é grave. No meio evangélico os Puritanos assustam mais que atraem. A nossa ignorância é grosseira. No meio evangélico a Demi Moore ensina mais sobre os Puritanos que J.I. Packer (lembrar a adaptação cinematográfica de Scarlet Letter). Cheguei muito tarde mas em boa hora a esse portento chamado "Entre os Gigantes de Deus". Os Puritanos nunca mais serão os mesmos e eu também não.
É verdade que o ressurgimento Reformado vindo dos Estados Unidos começa a ser produtivo mesmo do outro lado do Oceano mas ainda há muito a fazer pelo estudo de um dos momentos mais fascinantes da História do Cristianismo. C.S. Lewis está coberto de razão quando nas Screwtape Letters ("Vorazmente Teu" na excelente tradução portuguesa de 1995) coloca na voz do Demónio Veterano que ensina ao Demónio Principiante o tema do Puritanismo: "
o valor que demos a essa palavra [o Puritanismo] é um dos trunfos realmente sólidos dos últimos cem anos! Através dele, recuperamos anualmente milhares de almas, arrancando-as a uma vida de temperança, castidade e sobriedade". A má fama dos puritanos é sucesso satânico mas Deus é acerca de vitórias a partir de derrotas. A descoberta dos Puritanos por jovens evangélicos não é um comeback mas o começo de uma amizade que só pode ser grande.
Chesterton falava da sua conversão ao cristianismo como descobrir o futuro num regresso a casa. A sensação é semelhante para o trintão crescido na Igreja Baptista que ao ler sobre os Puritanos se reconcilia com os defeitos da família. Porque entende que se a sua fé for um ajuste de contas com a fé dos outros então de Cristo tem nada. Enquanto o nosso credo assentar em apontar falhas à geração anterior limitamo-nos a passeios de turismo religioso ao volante de máquinas de tempo. Ou isto é acerca de Jesus ou é acerca de Robert Zemeckis. O livro de J.I. Packer ajuda a prevenir a ficção científica no cristianismo evangélico.
Assim por alto apenas três pistas úteis para os excessos contemporâneos: na nossa nauseante obsessão pela auto-estima como nos faz falta a auto-suspeita puritana; na nossa presunçosa humildade epistemológica como nos faz falta o puritano hábito de raciocinar; na nossa filantropia piegas como nos faz falta o pragmatismo da piedade puritana. Ou resumidamente, perspectiva, resultado e sentimento. Tudo a favor do Evangelho. Sem tretas nem desculpas.
Para terminar devo reconhecer que a meu caminho até aos Puritanos foi, ele mesmo, feito a passos de mariquinhas. Se não veja-se que os aperitivos para o prato foram confeccionados fora da minha cozinha. Para que abrisse este clássico evangélico, "Entre os Gigantes de Deus", tive antes de ser amaciado por autores pagãos. De Tocqueville saboreei a solidez historiográfica do legado puritano, de Camille Paglia, hostilmente devassa, provei o reconhecimento da longevidade cultural puritana. Por último, de Max Weber sorvi o assinalar da excepcionalidade produtiva e moderna das soluções dos puritanos. O nosso Deus é de graça e o puritanismo é uma lição sem despesa.
