Sete coisas sobre as eleições americanas
Se calhar Deus fez-me português para não votar nos Estados Unidos. Ainda assim permitam-me algumas observações. Tão parciais quanto sinceras.
1. O aborto não é tudo em política. Até porque há mais política para os que não foram abortados. Há quem chame
single-issue voter aos que, por exemplo, decidem em quem votam a partir da posição do candidato quanto ao aborto. Apesar de considerar que a política não é um assunto apenas não me parece repugnante que alguns assuntos por si só possam marcar toda a política (os meus adversários políticos fazem o mesmo em relação a outros valores). Nesse sentido considero que o aborto pode ser um assunto que distinga em quem posso votar de quem não posso. Essa é hoje a minha posição: não voto em pessoas que defendem o aborto porque cheguei à conclusão que reconhecer o mal do aborto e combatê-lo é um requisito moral necessário para um governante (ainda pode ser para um médico). Alguém que não o faça não me oferece uma garantia mínima de discernimento ético. Com isto não digo que quem defende o aborto é necessariamente maligno mas digo que o aborto é absolutamente maligno. Por isso oro por governantes que não reconhecem a maldade do aborto. Posso até colaborar politicamente com eles. Mas planeio nunca contribuir para a sua eleição. É uma posição de princípio que pode fazer de mim um
single-issue voter. Sei que há cristãos que não têm esta posição e só espero deles o mesmo respeito que lhes tenho.
2. Obama é o Presidente mais abortista da história americana. Googlem e verifiquem. No caso desta eleição, e tendo em conta que o candidato republicano tem uma posição diferente, clarificaria que, pelo menos, não votaria em Obama. Se votaria em Romney ou não é outra história mas seguramente a linha estava nítida para mim da certeza a quem não daria o meu voto.
3. Deixa-me perplexo a leveza de alguns amigos que conheço junto de mim contra o aborto elogiarem Obama sem sequer uma palavra quanto ao assunto. Correndo o risco de poder ser injusto, creio que é em casos destes que se distingue alguém que realmente olha para o aborto como uma monstruosidade. Simplificando muito a minha tese: se és capaz de votar em Obama,
believe me, não és assim tão contra o aborto.
4. Li uns parágrafos de um texto lamentável do Miguel Sousa Tavares. Falando sobre os candidatos republicanos, escreve:
"Eles acreditam em Deus e prometem governar em seu nome, com um programa de terrorismo social e de deboche económico que vai fazer do idiota do George W. Bush um gajo porreiro." Não me parece que MST queira ter esta conversa de um modo inteligente por isso só quero aproveitar a boleia para uma coisa: se a categoria escolhida é "governar em nome de Deus" Obama está tão em cima quanto Romney. Claro que isso levaria os jornalistas a fazer muito trabalho de casa (o que me parece cada vez menos provável quando o António Marujo é despedido do Público - jornal que não chegou a publicar uma carta que enviei ao Director sobre estes assuntos religiosos nas eleições americanas). Para tentar simplificar: Obama é evangélico como eu (eu sou baptista, ele é pentecostal). É verdade que Obama é um evangélico de posições teológicas mais flexíveis que as minhas. Mas o Obama, em quem não votaria, está mais próximo de mim do que daqueles portugueses que escrevem na imprensa, como MST, que votariam nele. Ou seja, MST apenas insiste numa retórica preguiçosa e descuidada que julga que Deus racha ao meio nos Estados Unidos como racha ao meio na Europa. Não racha.
5. Há uma reacção ao mormonismo de Romney que é preocupante. A mensagem que leio nas entrelinhas é que um mórmon não pode ser intelectualmente sério. Vamos por partes. Eu acho que a Igreja Mórmon não é uma igreja teologicamente séria. Mais: é herética. Mas parto do princípio que quem segue uma religião herética não é mentalmente inimputável. Reparem: para mim uma pessoa que não acredita em Deus estabelece sempre, e ainda que em graus variáveis, uma convicção absurda (Deus cria-nos e depois nós não acreditamos nele? Não faz sentido). No entanto considero que um ateu pode ser no geral um bom político ainda que albergue em si uma particular irrazoabilidade. Se eu poderia votar num mórmon? Certamente. Se já votei em pessoas que cometem, como diz a Bíblia, a estultícia de crer que Deus não existe por que não seria capaz de votar num que acredita que há a divindade que é uma versão contrabandeada do cristianismo?
6. Não estou convencido que Obama é o anticristo. Isto porque há alguns evangélicos que o afirmam. Não estou com isto a dizer que ele não pode sê-lo (nessa ordem de ideias qualquer ser humano se qualifica para o cargo) mas receio que demasiadas certezas apocalípticas digam mais do desfoque de agora que da nitidez do futuro. Este excesso facilita a esquizofrenia de proclamar que a América é um país de burros quando vota Bush e sair para a rua em festa quando elege Obama. Em que ficamos? Eu não sei muito bem mas a prudência é aconselhável.
7. Ter esta discussão com portugueses pode ser interessante mas tê-la com americanos pode ser mais interessante ainda. É uma questão de escolher bem os portugueses e escolher bem os americanos. A nossa igreja em SDB tem a bênção de receber um americano e tenho aprendido com ele (que nestas eleições tem ainda menos certezas do que eu). A minha intenção com estas notas é lembrar que há chefe acima do Presidente americano. E que as relações entre um e outro certamente permitem que os cristãos discordem. E que o façam fraterna e racionalmente.