As minhas palavras para um dia tão especial como o de ontem
Para que a nossa História em SDB possa começar é necessário falar-vos brevemente da nossa pré-história. O que nos entusiasma nesta pequena Igreja Baptista já tem rastro no passado. E se é certo que a fidelidade de Deus tem sido uma experiência colectiva na comunidade, também é verdade que tem sido uma experiência pessoal.
Devo a mais que estes Pastores a quem demos a oportunidade esta tarde. Mas estes três Pastores foram fundamentais. De qualquer modo, e antes ainda deles ainda, os primeiros a encaminharem-me foram os meus pais, a Eunice e o Henrique. Os meus pais tornaram fácil o que podia ter sido difícil, natural o que podia ser estranho, sincero o que podia ser fingido. Não herdei o cristianismo dos meus pais mas eles ensinaram-me nele e isso é de um valor eterno. Tive a saborosa companhia das minhas irmãs, Rute e Sara. Ao mesmo tempo os meus tios prolongaram a generosa herança do meu avô materno, o Pastor Joaquim Lopes de Oliveira, o exemplo maior da minha raiz. Certamente, se ainda estivesse connosco, ficaria de cabelos arrepiados (os poucos que tinha) com muitas das minhas maneiras mas quero acreditar que a sua satisfação seria grande pelo neto que segue a mesma voz que ele seguiu.
O Pastor Jorge Leal, meu primeiro Pastor em Campolide e na Amadora, tem sido um Mestre e um exemplo de integridade. Sempre aprendi com ele, entre outras coisas, que dois mil anos de Cristianismo têm muito para nos ensinar e que ser fiel à Palavra não nos garante sucesso entre os homens. É uma inspiração para mim e para SDB. O Pastor João Rosa de Oliveira foi quem me pastoreou mais tempo, desde os oito aos 22 anos. É um exemplo de serviço e cuidado pastoral como nunca vi noutro. Foi quem me baptizou e quem sempre me ofereceu a liberdade de exprimir os meus dons mesmo quando ainda não eram grandes dons. Foi graças a ele que pela primeira vez dirigi um estudo bíblico e preguei, na Igreja Baptista de Queluz. Foi graças a ele que pude fazer música terrível mas com capacidade de atingir outros, mesmo que distantes da minha fé. Sempre aprendi com ele que servir a Deus é uma questão de humildade e que o descanso real fica provavelmente para o outro lado da Eternidade. É uma inspiração para mim e para SDB. O Pastor Jónatas Figueiredo foi o primeiro Pastor que quis imitar. Dirigiu muitos dos acampamentos em que, na adolescência e juventude, tomei algumas das decisões mais importantes. Foi sempre uma alavanca na minha vida, sugerindo-me desafios novos que mudavam o destino imediato. Em particular este, o de pensar seriamente na possibilidade de usar a minha vida para servir a Deus numa igreja local. Sempre aprendi com ele que pregar o Evangelho é um exercício de excelência, energia e entusiasmo. É uma inspiração para mim e para SDB.
Devo ainda mencionar outras duas pessoas que, não sendo pastores, também me facilitaram o caminho. O Fernando Ascenso, professor constante, sempre escancarando novas oportunidades de testemunho em lugares pouco religiosos, demonstrando que o testemunho de Cristo não é somente uma questão de dever mas de necessidade. A maneira como se olha, como se fala, como se escreve, como se arrisca. Têm sido práticas nossas porque durante anos foram dele. A outra pessoa é o meu primo Timóteo, que chamamos de Tim. No final da minha licenciatura em Ciências da Comunicação recebeu-me na Sociedade Bíblica para um estágio profissional e pôs-me a tratar da edição de uma nova tradução da Bíblia. Tive de fotocopiar uma Bíblia inteira em dois dias de um Agosto quente, que foi um dos trabalhos mais duros de sempre da minha vida. Pouco tempo depois foi meu padrinho de casamento e o homem que literalmente me mostrou o Novo Mundo, quando por duas vezes me guiou em visitas a Nova Iorque. A minha gratidão com ele é grande.
Por último, e num destaque necessário, o meu próprio Pastor até hoje. O meu tio Teotónio Cavaco. Não tenho como descrever a sua importância por uma simples razão: o que aqui celebramos não é o início do ministério do Tiago mas a natural continuação do ministério do Teo. Os verdadeiros homens de Deus não trabalham para si mas para os outros e sei que vou debaixo de uma sombra gigante. A minha dívida a ele não pode ser saldada.
Simultaneamente a nossa Igreja em Moscavide. Nesta última quinta-feira, quando passava o último dia ao serviço da Igreja recordei a maneira como aqui cheguei há 10 anos. Vinha solteiro com casamento marcado, inexperiente, imaturo mas aberto. Uma década depois somos um lar de seis, uma missão de doze, e projectos mil de proclamar Cristo. Esta Igreja de Moscavide foi a casa que nos acolheu e o terreno que acolheu a semente. Sem ela não estávamos aqui. Foi ela que aceitou a ideia de voltar ao lugar que já tinha sido um Igreja durante algumas décadas de esforçado ministério do Pastor Horácio Cipriano em São Domingos de Benfica e trabalhar para a sua reabertura.
Quando em Outubro de 2007 começámos a reunir um grupo minúsculo em São Domingos de Benfica tínhamos mais desejo que discernimento. Éramos duas famílias, a Cavaco e a Bento, e uma agenda megalómana de eventos com intelectuais ilustres e concertos com uma nova geração de artistas ressentidos. No meio disso tentávamos ser uma igreja. A pouco e pouco foram chegando mais algumas pessoas, em tão mau ou pior estado que nós. Fomos tendo mais uns filhos para disfarçar o pequeno salão que não enchia. Uns visitavam-nos à espera de rock e saíam desapontados com os Hinos do Cantor Cristão. Outros esperariam animação e levavam predestinação. Alguns passaram e seguiram. Adiámos a data de autonomia um ano e finalmente, quase três anos depois, baptizámos a primeira pessoa. Nos intervalos de todos os fracassos tem-nos valido a Graça de Deus. A fazer de pecadores tão miseráveis como nós pessoas com o descaramento de acreditar que têm futuro por causa de Cristo. No meio dos exageros da nossa juventude temos encontrado a medida suficiente em querer ser apenas uma igreja local fiel ao Evangelho. Teremos certamente o nosso estilo próprio mas o conteúdo não precisa de ser reinventado. A nossa História será a História de Jesus em nós. A do Tiago e da Ana Rute, do Miguel, da Marta e do Ricardo, da Filomena e do João, da Eunice, da Ana Rita, do Joel, e da Débora e do Tiago. E dos que connosco seguirão.
Para prevenir qualquer possibilidade de cheiro de extrema-unção acabo falando do futuro. Não temos sido assistidos pelo Espírito Santo para predizê-lo. Mas como o Sami tão bem canta, “sei mais da Eternidade que do amanhã”. Colocando-se a possibilidade de terminar hoje a nossa vida aqui deste lado da Eternidade, creio que iríamos em grande na nossa insignificância. Confiamos na soberania do Deus que tratamos como Pai. Somos uma família aguardando pelo regresso a um lar que ainda não conhecemos mas que já nos pertence. Por isso vivemos também como uma família aqui. Uma família de famílias. A minha própria, família Cavaco, não se encontra tratada em particular, porque não se pode separar o coração do corpo em que habita. A consagração ao ministério pastoral é da Ana Rute, da Maria, da Marta, do Joaquim e do Caleb. Por causa de Jesus eles são aqui a medida da minha felicidade. E a felicidade é o assunto deste dia. Um assunto certamente meu e da minha família, certamente dos membros da Igreja Baptista de São Domingos de Benfica, certamente de todos nós aqui presentes e certamente daqueles que virão.
Não falamos de nós. Falamos de Cristo. É Nele que está a nossa fé.
Que o Senhor nos ajude.