"Santidade" de J.C. Ryle
Comecemos pelas coisas simples: ser puritano é bom. Quando o termo começou a ser aplicado já era depreciativo. Quem era chamado puritano não estava a ser elogiado. Mas o tempo passou e os alcunhados ganharam brio na alcunha. Hoje, passados alguns séculos e como C.S. Lewis já costumava lembrar, puritano serve para acusar tudo o que os puritanos nunca foram: pessoas que na hora de acreditar escolhem o medo ao conhecimento. Os puritanos porque acreditam aplicam-se, porque crêem compreendem, porque raciocinam rejeitam. Longe da imagem criada por ignorância, os puritanos não são criaturas do pudor mas de percepção. Quando lemos autores puritanos o músculo que mais trabalhamos é o cérebro. Por isso é revelador que tão poucos os leiam.
J. C. Ryle foi um bispo Anglicano no Século XIX britânico e tem em "Santidade" o calhamaço da sua vida. Foi a primeira vez que li Ryle e não investiguei sobre ele mas fico com a ideia que em "Santidade" escreveu a sua obra por excelência. Na edição em português da editora Fiel o volume chega a mais de 400 páginas. O tema da santidade é naturalmente explorado mas diria que de uma maneira mais sugestiva, e portanto biográfica (não no sentido do relato cronológico pessoal), que propriamente teológica. Há muita teologia em "Santidade" (muita e boa) mas os vinte capítulos são mais uma colectânea da carreira pastoral de Ryle (alguns capítulos são adaptações de sermões seus) que uma investigação académica e bíblica do assunto. O que torna o livro vivo e acessível a qualquer crente comum, a intenção do autor.
O estilo de Ryle é uma das suas qualidades. Trabalha para persuadir de um modo cuidadoso e atento. Para dar um exemplo: na altura Inglaterra passava por uma fase em que reuniões de características carismáticas celebrizavam a palavra santidade (holiness meetings). Ryle não quer desprezar a importância que esses eventos possam ter na vida dos que a eles assistiam mas quer ser sincero na maneira como transmite a convicção que a santidade se tornava mais um termo banal que uma experiência vivida com consistência. O capítulo que dedica a distinguir justificação de santificação (duas coisas essenciais para compreender a salvação de uma alma) tornou-se dos meus preferidos. Uma definição muito breve de Ryle tem-me ajudado bastante: "A justificação confere-nos o direito de ir para o céu. A santificação torna-nos adequados para habitar o céu."
Por último, e como é previsível, a leitura de "Santidade" tornou-se referida constantemente nas reuniões da igreja na Lapa. Ao acabá-la hoje já tenho novos olhos para ela amanhã. O João Parreira será o leitor que se segue. Um dos triunfos dos puritanos mede-se no entusiasmo na transmissão dos seus escritos na entrada do Século XXI. Chamem-nos nomes que nós gostamos.
P.S. Um obrigado à Sandra Raquel e ao Rui que me ofereceram o livro.
Comecemos pelas coisas simples: ser puritano é bom. Quando o termo começou a ser aplicado já era depreciativo. Quem era chamado puritano não estava a ser elogiado. Mas o tempo passou e os alcunhados ganharam brio na alcunha. Hoje, passados alguns séculos e como C.S. Lewis já costumava lembrar, puritano serve para acusar tudo o que os puritanos nunca foram: pessoas que na hora de acreditar escolhem o medo ao conhecimento. Os puritanos porque acreditam aplicam-se, porque crêem compreendem, porque raciocinam rejeitam. Longe da imagem criada por ignorância, os puritanos não são criaturas do pudor mas de percepção. Quando lemos autores puritanos o músculo que mais trabalhamos é o cérebro. Por isso é revelador que tão poucos os leiam.
J. C. Ryle foi um bispo Anglicano no Século XIX britânico e tem em "Santidade" o calhamaço da sua vida. Foi a primeira vez que li Ryle e não investiguei sobre ele mas fico com a ideia que em "Santidade" escreveu a sua obra por excelência. Na edição em português da editora Fiel o volume chega a mais de 400 páginas. O tema da santidade é naturalmente explorado mas diria que de uma maneira mais sugestiva, e portanto biográfica (não no sentido do relato cronológico pessoal), que propriamente teológica. Há muita teologia em "Santidade" (muita e boa) mas os vinte capítulos são mais uma colectânea da carreira pastoral de Ryle (alguns capítulos são adaptações de sermões seus) que uma investigação académica e bíblica do assunto. O que torna o livro vivo e acessível a qualquer crente comum, a intenção do autor.
O estilo de Ryle é uma das suas qualidades. Trabalha para persuadir de um modo cuidadoso e atento. Para dar um exemplo: na altura Inglaterra passava por uma fase em que reuniões de características carismáticas celebrizavam a palavra santidade (holiness meetings). Ryle não quer desprezar a importância que esses eventos possam ter na vida dos que a eles assistiam mas quer ser sincero na maneira como transmite a convicção que a santidade se tornava mais um termo banal que uma experiência vivida com consistência. O capítulo que dedica a distinguir justificação de santificação (duas coisas essenciais para compreender a salvação de uma alma) tornou-se dos meus preferidos. Uma definição muito breve de Ryle tem-me ajudado bastante: "A justificação confere-nos o direito de ir para o céu. A santificação torna-nos adequados para habitar o céu."
Por último, e como é previsível, a leitura de "Santidade" tornou-se referida constantemente nas reuniões da igreja na Lapa. Ao acabá-la hoje já tenho novos olhos para ela amanhã. O João Parreira será o leitor que se segue. Um dos triunfos dos puritanos mede-se no entusiasmo na transmissão dos seus escritos na entrada do Século XXI. Chamem-nos nomes que nós gostamos.
P.S. Um obrigado à Sandra Raquel e ao Rui que me ofereceram o livro.