Junho a acabar
sábado, junho 29, 2013
quinta-feira, junho 27, 2013
quarta-feira, junho 26, 2013
Contas de má cabeça
Ao chegarmos ao fim do primeiro semestre do ano apercebi-me de um dado estatístico acerca da experiência da igreja na Lapa que tem um lado bom e um lado mau. O dado estatístico é que em seis meses o número de pessoas que se reúne na Segunda Igreja Baptista de Lisboa está já provavelmente acima da média das outras Igrejas Baptistas de Lisboa (ora, vale a pena acrescentar que Lisboa não tem muitas Igrejas Baptistas). O lado bom é que isso quer dizer que há um aumento consistente sem ser explosivo de pessoas a juntarem-se aos serviços de culto. O lado mau é que isso também é sinal das Igrejas Baptistas não só não crescerem em Lisboa como estarem num processo de estagnação e recuo na assistência. Idealmente preferíamos crescer sem ser em contraste com o decréscimo alheio.
Há uma história muito boa em que C.S. Lewis vai com um amigo quando um mendigo os interpela. Lewis dá-lhe o dinheiro que tinha e é prontamente censurado pelo amigo sob o pretexto do mendigo certamente ir gastar tudo em bebida. Ao que Lewis responde que se não tivesse dado aquele dinheiro ao mendigo acabaria por gastá-lo no mesmo. A esmola que nós muito conscientemente poupamos aos mendigos beberrões aplica-se aqui ao conceito de números. Hoje gostamos de censurar que as pessoas pensem numericamente pelo risco que elas bebam tanto ou mais que nós. Na prática, damos para trás na quantificação pelo medo que outros quantifiquem onde nós não. Recriminamos então os mendigos estoirados em substâncias convictos que somos moralmente superiores pelo facto de não estendermos a mão em público (ainda estou para descobrir um destes censores dos números que aplique o princípio em algo simples como o seu salário).
Não é a primeira vez que falo no assunto porque este assunto diz-me muito. Sobretudo quando se aplica à aventura de ser igreja. O facto de hoje o momento que vivo na igreja da qual faço parte ser de subida no número lembra-me perfeitamente de quando era de não-subida. E qual era um dos desportos preferidos de quando a nossa igreja era numericamente mísera? Naturalmente fazer pouco das igrejas numericamente prósperas. Durante anos caricaturei impiedosamente os tiques e os truques das comunidades de centenas, embalando as gargalhadas das escassas dezenas que me ouviam. Porque esta modalidade é bestialmente colectiva. Malhava de Escolas Dominicais se chamarem “Super-Igreja" e a congregação ria. Malhava nos Pastores que usam o verbo “impactar" e a congregação ria. Malhava nos púlpitos de acrílico e a congregação ria. Malhava nos powerpoints pirosos e a congregação ria. Malhava nos líderes de louvor e a congregação ria. Com isto não quer dizer que hoje já não possa fazer piadas com este tipo de fenómenos mas a onda mudou assinalavelmente.
A onda mudou bastante porque por um lado a comunidade da qual faço parte foi crescendo e porque foi crescendo também o meu conhecimento de Pastores numericamente mais bem-sucedidos que eu. Há coisas importantes que me distinguem de alguns destes Pastores, claro. Mas percebi que malhava neles não porque convivia bem com as nossas diferenças mas porque intimamente desejava ter com eles a mais inconfessável semelhança - os números. É fácil desprezar um Pastor Carlitos ou um Mário Rui Boto pela mesma razão que se deseja caçar as congregações que os ouvem. Hoje tento aprender com homens como o Pastor Carlitos e o Mário Rui Boto também porque são diferentes de mim e porque servem as suas congregações de um modo que duvido que eu conseguisse. Somos ambos obreiros na seara. Quem interessa é o Senhor dela e não nós, seus trabalhadores. A ironia que tenho vindo a aprender é que o primeiro obcecado por números pode muito bem ser aquele que pretensamente se mostra acima deles. Para esse, todo o cidadão que lhe lembre sucesso quantitativo estará implacavelmente perdido na idolatria numérica sem que se aperceba que é ele, que aplica a grelha sem excepção, aquele que não vê além do paradigma. É possível contar pessoas para o interesse das pessoas e não para o interesse da matemática.
Algumas das vozes que se destacam na crítica do crescimento fazem-no por criticarem também outros dois cês. O cê do credo, da doutrina. E o cê da chefia, da autoridade. Tipicamente estas vozes críticas do crescimento criticam também o apego a uma teologia concreta, com aquele ar de humildade epistemológica pós-modernazinha que é bom a alfinetar sistematizações através de inúmeras notas avulsas. Tipicamente estas vozes críticas do crescimento criticam também o apego a uma eclesiologia estabelecida, em que é visível a autoridade dos oficiais da igreja, com aquele ar de anarquista terno que é bom a bicar organizações através de arrufos diversos. Acontece que estas vozes vêm da pior nascente de relativismo e autoritarismo (sim, porque um credo não pode ser ditador mas sim alguém que domina acima do credo). Aquele que convence os seus pares que não existe uma verdade clara e que todos por natureza têm o direito a exercer autoridade é quem já colocou os seus congregantes na pior submissão - a que aceita qualquer coisa do líder porque o líder convenceu que não lidera. É fácil de fazer este teste pelo simples facto destas vozes não se colocarem a testes. Estas vozes críticas estão sempre além do escrutínio: onde lhes conhecemos as suas confissões de fé, aquilo em que crêem? Onde lhes conhecemos o modo como se organizam, como vivem em comunidade particular mas com transparência para os de fora?
Não chego ao final destas linhas sem tristeza. Também eu já publicitei simplicidade para terminar na pior arrogância, sem aceitar qualquer tipo de crítica quando crítica era só o que sabia oferecer aos outros. Espero que o meu mau exemplo possa ajudar a um momento em que o nosso amor pelos perdidos suplante o ódio que temos aos nossos irmãos na fé. Porque, no fim de contas, falar de Cristo envolve sempre algum tipo de matemática humana. Oramos para que ela se processe e nos corrija segundo os cálculos eternos.
Ao chegarmos ao fim do primeiro semestre do ano apercebi-me de um dado estatístico acerca da experiência da igreja na Lapa que tem um lado bom e um lado mau. O dado estatístico é que em seis meses o número de pessoas que se reúne na Segunda Igreja Baptista de Lisboa está já provavelmente acima da média das outras Igrejas Baptistas de Lisboa (ora, vale a pena acrescentar que Lisboa não tem muitas Igrejas Baptistas). O lado bom é que isso quer dizer que há um aumento consistente sem ser explosivo de pessoas a juntarem-se aos serviços de culto. O lado mau é que isso também é sinal das Igrejas Baptistas não só não crescerem em Lisboa como estarem num processo de estagnação e recuo na assistência. Idealmente preferíamos crescer sem ser em contraste com o decréscimo alheio.
Há uma história muito boa em que C.S. Lewis vai com um amigo quando um mendigo os interpela. Lewis dá-lhe o dinheiro que tinha e é prontamente censurado pelo amigo sob o pretexto do mendigo certamente ir gastar tudo em bebida. Ao que Lewis responde que se não tivesse dado aquele dinheiro ao mendigo acabaria por gastá-lo no mesmo. A esmola que nós muito conscientemente poupamos aos mendigos beberrões aplica-se aqui ao conceito de números. Hoje gostamos de censurar que as pessoas pensem numericamente pelo risco que elas bebam tanto ou mais que nós. Na prática, damos para trás na quantificação pelo medo que outros quantifiquem onde nós não. Recriminamos então os mendigos estoirados em substâncias convictos que somos moralmente superiores pelo facto de não estendermos a mão em público (ainda estou para descobrir um destes censores dos números que aplique o princípio em algo simples como o seu salário).
Não é a primeira vez que falo no assunto porque este assunto diz-me muito. Sobretudo quando se aplica à aventura de ser igreja. O facto de hoje o momento que vivo na igreja da qual faço parte ser de subida no número lembra-me perfeitamente de quando era de não-subida. E qual era um dos desportos preferidos de quando a nossa igreja era numericamente mísera? Naturalmente fazer pouco das igrejas numericamente prósperas. Durante anos caricaturei impiedosamente os tiques e os truques das comunidades de centenas, embalando as gargalhadas das escassas dezenas que me ouviam. Porque esta modalidade é bestialmente colectiva. Malhava de Escolas Dominicais se chamarem “Super-Igreja" e a congregação ria. Malhava nos Pastores que usam o verbo “impactar" e a congregação ria. Malhava nos púlpitos de acrílico e a congregação ria. Malhava nos powerpoints pirosos e a congregação ria. Malhava nos líderes de louvor e a congregação ria. Com isto não quer dizer que hoje já não possa fazer piadas com este tipo de fenómenos mas a onda mudou assinalavelmente.
A onda mudou bastante porque por um lado a comunidade da qual faço parte foi crescendo e porque foi crescendo também o meu conhecimento de Pastores numericamente mais bem-sucedidos que eu. Há coisas importantes que me distinguem de alguns destes Pastores, claro. Mas percebi que malhava neles não porque convivia bem com as nossas diferenças mas porque intimamente desejava ter com eles a mais inconfessável semelhança - os números. É fácil desprezar um Pastor Carlitos ou um Mário Rui Boto pela mesma razão que se deseja caçar as congregações que os ouvem. Hoje tento aprender com homens como o Pastor Carlitos e o Mário Rui Boto também porque são diferentes de mim e porque servem as suas congregações de um modo que duvido que eu conseguisse. Somos ambos obreiros na seara. Quem interessa é o Senhor dela e não nós, seus trabalhadores. A ironia que tenho vindo a aprender é que o primeiro obcecado por números pode muito bem ser aquele que pretensamente se mostra acima deles. Para esse, todo o cidadão que lhe lembre sucesso quantitativo estará implacavelmente perdido na idolatria numérica sem que se aperceba que é ele, que aplica a grelha sem excepção, aquele que não vê além do paradigma. É possível contar pessoas para o interesse das pessoas e não para o interesse da matemática.
Algumas das vozes que se destacam na crítica do crescimento fazem-no por criticarem também outros dois cês. O cê do credo, da doutrina. E o cê da chefia, da autoridade. Tipicamente estas vozes críticas do crescimento criticam também o apego a uma teologia concreta, com aquele ar de humildade epistemológica pós-modernazinha que é bom a alfinetar sistematizações através de inúmeras notas avulsas. Tipicamente estas vozes críticas do crescimento criticam também o apego a uma eclesiologia estabelecida, em que é visível a autoridade dos oficiais da igreja, com aquele ar de anarquista terno que é bom a bicar organizações através de arrufos diversos. Acontece que estas vozes vêm da pior nascente de relativismo e autoritarismo (sim, porque um credo não pode ser ditador mas sim alguém que domina acima do credo). Aquele que convence os seus pares que não existe uma verdade clara e que todos por natureza têm o direito a exercer autoridade é quem já colocou os seus congregantes na pior submissão - a que aceita qualquer coisa do líder porque o líder convenceu que não lidera. É fácil de fazer este teste pelo simples facto destas vozes não se colocarem a testes. Estas vozes críticas estão sempre além do escrutínio: onde lhes conhecemos as suas confissões de fé, aquilo em que crêem? Onde lhes conhecemos o modo como se organizam, como vivem em comunidade particular mas com transparência para os de fora?
Não chego ao final destas linhas sem tristeza. Também eu já publicitei simplicidade para terminar na pior arrogância, sem aceitar qualquer tipo de crítica quando crítica era só o que sabia oferecer aos outros. Espero que o meu mau exemplo possa ajudar a um momento em que o nosso amor pelos perdidos suplante o ódio que temos aos nossos irmãos na fé. Porque, no fim de contas, falar de Cristo envolve sempre algum tipo de matemática humana. Oramos para que ela se processe e nos corrija segundo os cálculos eternos.
terça-feira, junho 25, 2013
Cabanas de Tavira não se fica II
Fico com medo da capacidade fatalmente premonitória do que aqui escrevo. Ontem falava do mar de Cabanas de Tavira mostrar os dentes e hoje, quando de manhã fomos à praia, assistimos ao salvamento de uma senhora estrangeira que esteve cerca de uma hora até conseguir ser resgatada por dois nadadores-salvadores junto dela e outros tantos no reforço da areia. Durante a época de setenta e oitenta parece-me que era mais ou menos vulgar que as pessoas tivessem no carro mantas que muitas vezes usavam para piqueniques e outros improvisos. O meu Pai sempre teve umas quantas também. Parte delas foi deixando em cima de corpos recém-falecidos nas estradas portuguesas, num tempo em que as nacionais estavam muito distantes do tipo de segurança rodoviária que, apesar de tudo, fomos associando ao advento das auto-estradas no início da década de noventa. Eu, que nunca tive o hábito do meu pai de furar multidões mórbidas para mortalhar defuntos frescos, achei no entanto que era pedagógico que os miúdos tivessem uma ideia do que estava a acontecer no mar ao aperceberem-se do ajuntamento das pessoas e da sirene da mota do I.S.N. (depois de antes ter verificado que o salvamento, apesar de sensível, estava a caminho de se resolver). Os miúdos ficaram impressionados, claro. Sem que lhes parecesse assustador porque apanharam a recta final do resgate. Tinha vontade de lhes mostrar na prática porque gastamos tempo a dar-lhes ordens acerca do que podem ou não fazer no mar e, já agora, exemplificar que o conceito de salvação não é um exagero religioso arcaico - na vida todos somos náufragos a precisar de alguém que faça por nós o que já não conseguimos. Sei que muitos podem achar tétrico que se faça catequese a partir de um acidente marítimo mas o nosso amor e gratidão por Jesus vê-se na proximidade que sentimos por gente realmente à rasca que se safa única e exclusivamente à custa dele. Não sei o que os miúdos levarão deste episódio mas as nossas orações saíram mais preenchidas porque pedi que orassem pela senhora durante o salvamento e agora ao final do dia voltámos a pedir a Deus por ela.
O resto do dia correu já na esteira da rotina algarvia. Com as leituras a seguir ao almoço, a incontornável piscina, o jantar na varanda debruçada sobre a ria e o passeio na acanhada marginal de Cabanas. Os miúdos ferraram logo e eu sigo pelo mesmo caminho.
Fico com medo da capacidade fatalmente premonitória do que aqui escrevo. Ontem falava do mar de Cabanas de Tavira mostrar os dentes e hoje, quando de manhã fomos à praia, assistimos ao salvamento de uma senhora estrangeira que esteve cerca de uma hora até conseguir ser resgatada por dois nadadores-salvadores junto dela e outros tantos no reforço da areia. Durante a época de setenta e oitenta parece-me que era mais ou menos vulgar que as pessoas tivessem no carro mantas que muitas vezes usavam para piqueniques e outros improvisos. O meu Pai sempre teve umas quantas também. Parte delas foi deixando em cima de corpos recém-falecidos nas estradas portuguesas, num tempo em que as nacionais estavam muito distantes do tipo de segurança rodoviária que, apesar de tudo, fomos associando ao advento das auto-estradas no início da década de noventa. Eu, que nunca tive o hábito do meu pai de furar multidões mórbidas para mortalhar defuntos frescos, achei no entanto que era pedagógico que os miúdos tivessem uma ideia do que estava a acontecer no mar ao aperceberem-se do ajuntamento das pessoas e da sirene da mota do I.S.N. (depois de antes ter verificado que o salvamento, apesar de sensível, estava a caminho de se resolver). Os miúdos ficaram impressionados, claro. Sem que lhes parecesse assustador porque apanharam a recta final do resgate. Tinha vontade de lhes mostrar na prática porque gastamos tempo a dar-lhes ordens acerca do que podem ou não fazer no mar e, já agora, exemplificar que o conceito de salvação não é um exagero religioso arcaico - na vida todos somos náufragos a precisar de alguém que faça por nós o que já não conseguimos. Sei que muitos podem achar tétrico que se faça catequese a partir de um acidente marítimo mas o nosso amor e gratidão por Jesus vê-se na proximidade que sentimos por gente realmente à rasca que se safa única e exclusivamente à custa dele. Não sei o que os miúdos levarão deste episódio mas as nossas orações saíram mais preenchidas porque pedi que orassem pela senhora durante o salvamento e agora ao final do dia voltámos a pedir a Deus por ela.
O resto do dia correu já na esteira da rotina algarvia. Com as leituras a seguir ao almoço, a incontornável piscina, o jantar na varanda debruçada sobre a ria e o passeio na acanhada marginal de Cabanas. Os miúdos ferraram logo e eu sigo pelo mesmo caminho.
Ouvir
1- Satanás não sabe lidar com a fidelidade de um justo. 2- O aumento dos sofrimentos de Job é proporcional à sua fidelidade a Deus. 3- Conservar a fé parece inútil a quem vê no sofrimento um beco sem saída. 4- Experimentar o mal não é um pretexto para amaldiçoar Deus. 5- Não peca quem reconhece que é Deus que em última instância permite o mal.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).
1- Satanás não sabe lidar com a fidelidade de um justo. 2- O aumento dos sofrimentos de Job é proporcional à sua fidelidade a Deus. 3- Conservar a fé parece inútil a quem vê no sofrimento um beco sem saída. 4- Experimentar o mal não é um pretexto para amaldiçoar Deus. 5- Não peca quem reconhece que é Deus que em última instância permite o mal.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).
Cabanas de Tavira não se fica
Provavelmente o pior que podia fazer com a habitual semana que passamos uma vez por ano em Cabanas de Tavira era torná-la no melhor das nossas vidas. Ora, essa semana é efectivamente uma dádiva de Deus mas não é Deus. Por isso, e para evitar as minhas facilidades idólatras enquanto seu utilizador, Cabanas de Tavira este ano começou com uma vingança. Alguns dos momentos que idealizo ad nauseam durante 51 semanas foram obliterados logo no primeiro dia.
1. A rotina. Nos últimos anos Cabanas de Tavira tem sido uma das minhas experiências de eleição que comprova a tese que a alegria é disciplina em forma de motim (algo sobre o qual Chesterton escrevia muito bem). Ou seja, chegamos cá e faço tudo por sugar implacavelmente cada segundo do tempo. Uma rotina rigororsa acaba por ser a maneira de conseguir isso. Ora, hoje acordámos mais tarde, o que nos fez perder a ida matinal à praia. Compensámos com a passagem pela piscina mas para mim o cloro e uma blasfémia ao ideal purificador que o Oceano traz logo pela manhã.
2. A sesta. Nos últimos anos Cabanas de Tavira também se constituiu como monumento ao descanso por eu não descansar em erigi-lo. Isso passou a significar que não há tempo para sestas quando se descansa uma semana em Cabanas de Tavira. Ora, hoje depois do almoço facilitei e adormeci numa sesta que não terá levado mais de 20 minutos mas que me soube a 20 anos de coma.
3. O mar. Se não conseguimos que a praia nos enchesse a manhã fiz por ir até à praia após a maldita sesta da tarde. A Tia Lena (orem pela paciência dela connosco que este ano o plano é tornar a semana anual em duas semanas - terá sido esta dilatação um prenúncio do que estaria por vir?) tinha-nos dito que o areal da praia estava maior que nunca. Foi com admiração que lá chego e vejo o mar quase a morder a entrada, deixando apenas uma estreitíssima faixa de areia para os poucos que nela se estendiam. E quando falo em morder não uso uma figura de estilo porque pela primeira vez na vida vi os dentes ao mar de Cabanas. O Miguel e a Marta, amigos nossos que também cá estão, já nos tinham dito que a água estava em forma de caldo verde por causa das algas só que em versão fria e, acrescentaria, sem chouriço. Com o que eu não contava é que esse caldo verde estivesse a ser confeccionado à frente dos banhistas naquelas máquinas de centrifugação - uma rebentação medonha que impede qualquer pretensão de banho no Oceano.
Posto isto, e como cantam os Clash, “I’m Not Down”. Cabanas de Tavira não se fica e ainda bem. Os nossos locus amenus são tão mais interessantes quando se desamenizam um bocadinho para lhes sentirmos o pulso. Venho acompanhado por uma família em que o mais novo pela primeira vez fez cocó num recipiente para o efeito (e foi para cama vitorioso pela mestria que exibiu virilmente no controlo das suas funções urinárias à frente das meninas do Miguel e da Marta), por boas leituras (o evangelho de Mateus, o “Última Paragem Massamá” do Pedro Vieira e o “In The Beginning Was The Word” de Vern Poythress) e o embalo de um semestre único de crescimento do trabalho da Igreja na Lapa. Esta companhia só nos relembra que descansar é óptimo porque trabalhar é excelente. Vamos a isso!
Provavelmente o pior que podia fazer com a habitual semana que passamos uma vez por ano em Cabanas de Tavira era torná-la no melhor das nossas vidas. Ora, essa semana é efectivamente uma dádiva de Deus mas não é Deus. Por isso, e para evitar as minhas facilidades idólatras enquanto seu utilizador, Cabanas de Tavira este ano começou com uma vingança. Alguns dos momentos que idealizo ad nauseam durante 51 semanas foram obliterados logo no primeiro dia.
1. A rotina. Nos últimos anos Cabanas de Tavira tem sido uma das minhas experiências de eleição que comprova a tese que a alegria é disciplina em forma de motim (algo sobre o qual Chesterton escrevia muito bem). Ou seja, chegamos cá e faço tudo por sugar implacavelmente cada segundo do tempo. Uma rotina rigororsa acaba por ser a maneira de conseguir isso. Ora, hoje acordámos mais tarde, o que nos fez perder a ida matinal à praia. Compensámos com a passagem pela piscina mas para mim o cloro e uma blasfémia ao ideal purificador que o Oceano traz logo pela manhã.
2. A sesta. Nos últimos anos Cabanas de Tavira também se constituiu como monumento ao descanso por eu não descansar em erigi-lo. Isso passou a significar que não há tempo para sestas quando se descansa uma semana em Cabanas de Tavira. Ora, hoje depois do almoço facilitei e adormeci numa sesta que não terá levado mais de 20 minutos mas que me soube a 20 anos de coma.
3. O mar. Se não conseguimos que a praia nos enchesse a manhã fiz por ir até à praia após a maldita sesta da tarde. A Tia Lena (orem pela paciência dela connosco que este ano o plano é tornar a semana anual em duas semanas - terá sido esta dilatação um prenúncio do que estaria por vir?) tinha-nos dito que o areal da praia estava maior que nunca. Foi com admiração que lá chego e vejo o mar quase a morder a entrada, deixando apenas uma estreitíssima faixa de areia para os poucos que nela se estendiam. E quando falo em morder não uso uma figura de estilo porque pela primeira vez na vida vi os dentes ao mar de Cabanas. O Miguel e a Marta, amigos nossos que também cá estão, já nos tinham dito que a água estava em forma de caldo verde por causa das algas só que em versão fria e, acrescentaria, sem chouriço. Com o que eu não contava é que esse caldo verde estivesse a ser confeccionado à frente dos banhistas naquelas máquinas de centrifugação - uma rebentação medonha que impede qualquer pretensão de banho no Oceano.
Posto isto, e como cantam os Clash, “I’m Not Down”. Cabanas de Tavira não se fica e ainda bem. Os nossos locus amenus são tão mais interessantes quando se desamenizam um bocadinho para lhes sentirmos o pulso. Venho acompanhado por uma família em que o mais novo pela primeira vez fez cocó num recipiente para o efeito (e foi para cama vitorioso pela mestria que exibiu virilmente no controlo das suas funções urinárias à frente das meninas do Miguel e da Marta), por boas leituras (o evangelho de Mateus, o “Última Paragem Massamá” do Pedro Vieira e o “In The Beginning Was The Word” de Vern Poythress) e o embalo de um semestre único de crescimento do trabalho da Igreja na Lapa. Esta companhia só nos relembra que descansar é óptimo porque trabalhar é excelente. Vamos a isso!
sexta-feira, junho 21, 2013
Feromona
Uma das coisas que agradeço a Deus: o privilégio de ser contemporâneo e amigo de algumas das melhores bandas de rock que existiram em Portugal. O que a Eternidade tem a ver com isto? Não sei bem. Mas vai daqui o abraço mais infinito que consigo para os Feromona que hoje anunciaram o fim (nunca gostei de os chamar no feminino e em minúsculas).
Uma das coisas que agradeço a Deus: o privilégio de ser contemporâneo e amigo de algumas das melhores bandas de rock que existiram em Portugal. O que a Eternidade tem a ver com isto? Não sei bem. Mas vai daqui o abraço mais infinito que consigo para os Feromona que hoje anunciaram o fim (nunca gostei de os chamar no feminino e em minúsculas).
terça-feira, junho 18, 2013
Ouvir
1) O sofrimento não é uma ideia de Deus mas do Diabo. 2) O facto do Diabo trazer para a cena o sofrimento não significa que a partir do momento que o sofrimento aparece tudo se resume a acção do Diabo. 3) Deus reverte o efeito do sofrimento para o bem dos seus. 4) O poder que o Diabo tem de trazer sofrimento não escapa à soberania de Deus. 5) A astúcia do Diabo no sofrimento é implicar que Deus não nos ama.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).
1) O sofrimento não é uma ideia de Deus mas do Diabo. 2) O facto do Diabo trazer para a cena o sofrimento não significa que a partir do momento que o sofrimento aparece tudo se resume a acção do Diabo. 3) Deus reverte o efeito do sofrimento para o bem dos seus. 4) O poder que o Diabo tem de trazer sofrimento não escapa à soberania de Deus. 5) A astúcia do Diabo no sofrimento é implicar que Deus não nos ama.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).
segunda-feira, junho 17, 2013
Cristo, logo existo
Ando a ler um calhamaço notável que serve de súmula da Teologia dos Puritanos (que me foi oferecido pelo meu pressuroso cunhado Tiago Oliveira, a estudar no Reformed Theological Seminary no Mississipi). Chama-se precisamente "A Puritan Theology" e é um trabalho titânico de Joel Beeke que propõe fazer justiça a um período notável da História em que o mundo anglo-saxónico produziu da melhor inteligência acerca de Deus. Nestas alturas aproveito sempre para dizer que a má reputação contemporânea dos Puritanos é um triste atestado da ignorância do nosso tempo. Talvez haja uma pretensão inconsciente que podemos vencer o raciocínio dos outros via difamação. Para quem quer pensar o truque não resulta. E se dúvidas existirem basta cometer essa grande transgressão de ir ler os Puritanos e tirar as nossas próprias conclusões.
Ontem li um capítulo acerca da Teologia Natural. Foi muito instrutivo. Na ortodoxia protestante a Teologia Natural não é descartada mas é subserviente à Teologia Sobrenatural (theologia supernaturalis - em latim tudo soa mais esperto). Ou seja, depois que o Homem pecou é possível saber naturalmente alguma coisa sobre Deus mas nada pode saber acerca de Cristo se não for através do Espírito Santo. E o Espírito vale cognitivamente os crentes não falando-lhes da Bíblia mas falando-lhes através da Bíblia. O optimismo protestante acerca da Bíblia ser credível é um pessimismo acerca do Homem não ser. A Reforma vem recuperar o viço das velhas afirmações antropológicas negativas. Agostinho volta às gargantas dos cristãos para lembrar que ou temos a ajuda de Deus nos neurónios ou estamos condenados. Não que a Igreja Medieval o negasse mas a elaboração pró-grega de Aquino tendia a insuflar epistemologicamente a fé. Isto para dizer que os Puritanos eram mais acerca dos limites da Teologia Natural do que sobre as suas virtudes.
Só uma Igreja mais filosoficamente confiante como a Católica Romana poderia abraçar tão à vontade o conceito de dogma. A ironia é que, se hoje protestantes como eu se divertem a apontar a falência racional e ética desta época dita pós-moderna, a verdade é que devem reconhecer que a Reforma Protestante contribuiu para ela. Os Reformadores não hesitavam malhar na presunção racional da escolástica. Dito isto não deve ser deitado o bebé fora com a água do banho. Como os Puritanos bem o demonstram. Lutero chamava prostituta à filosofia não como uma desculpa para não pensar mas para pensar melhor. O que quer isto dizer? Quer apenas dizer que quando os cristãos se convencem que a fé pode ser uma questão de esclarecimento enganam-se acerca de si mesmos (nós somos muito mais do que aquilo que pensamos) e enganam-se acerca do que é a fé (a fé é muito mais do que aquilo que se pensa). Por isso o cristão pensa melhor quando sabe que há vida além do pensamento. Isto não é um paradoxo obscurantista mas a real humildade epistemológica. A Reforma também se deu por causa disto.
Esta diferença entre Catolicismo Romano e Protestantismo funda-se necessariamente nas consequências que se tiram dos efeitos do pecado. O pessimismo antropológico que Agostinho soube defender contra Pelágio saldou-se na doutrina do pecado original e na certeza que só pela graça divina o Homem se pode salvar. Hoje em dia Agostinho seria caricaturado como um misantropo e Pelágio seria entronizado como aqueles pedopsiquiatras que retiram da infância o tom de voz sonolento que hipnotiza uma sociedade encantada consigo mesma. A Igreja Católica Romana supostamente continua a dizer que Pelágio é um herege mas em boa parte tem um fraco por ele. Isso também se materializa no facto de se especializar, quando fala em pecado, nas questões sexuais. Porque a carne, nesse sentido físico mais lúbrico, parece dar-lhe a matéria que a mente não. Dizendo isto de uma maneira muito básica: os Católicos Romanos quando querem provar que o Homem é mau tendem a dizer que ele se porta mal na cama; os Protestantes dizem que escolher a cama para falar da maldade do Homem é uma prova que ela é muito maior. A ironia é que os Puritanos ficaram com a fama de implicarem com o prazer físico quando simplesmente se limitaram a ampliar o impacto do pecado além dele.
Para terminar numa nota mais animadora vale a pena dizer que se tivéssemos de escolher apenas uma razão para justificar o desprezo que os Puritanos teriam ao relativismo filosófico de hoje ela seria Cristo. A lógica é simples e positiva: porque Cristo é Deus que encarna, a Teologia é possível (e com a Teologia todo o tipo de conhecimento). Quando Deus se faz carne, na nossa cabeça faz-se luz. Uma espécie de "Cristo, logo existo" para safar todos os pensadores de pequena fé que em algumas ocasiões dão por si a achar que a salvação vem de Descartes.
Ando a ler um calhamaço notável que serve de súmula da Teologia dos Puritanos (que me foi oferecido pelo meu pressuroso cunhado Tiago Oliveira, a estudar no Reformed Theological Seminary no Mississipi). Chama-se precisamente "A Puritan Theology" e é um trabalho titânico de Joel Beeke que propõe fazer justiça a um período notável da História em que o mundo anglo-saxónico produziu da melhor inteligência acerca de Deus. Nestas alturas aproveito sempre para dizer que a má reputação contemporânea dos Puritanos é um triste atestado da ignorância do nosso tempo. Talvez haja uma pretensão inconsciente que podemos vencer o raciocínio dos outros via difamação. Para quem quer pensar o truque não resulta. E se dúvidas existirem basta cometer essa grande transgressão de ir ler os Puritanos e tirar as nossas próprias conclusões.
Ontem li um capítulo acerca da Teologia Natural. Foi muito instrutivo. Na ortodoxia protestante a Teologia Natural não é descartada mas é subserviente à Teologia Sobrenatural (theologia supernaturalis - em latim tudo soa mais esperto). Ou seja, depois que o Homem pecou é possível saber naturalmente alguma coisa sobre Deus mas nada pode saber acerca de Cristo se não for através do Espírito Santo. E o Espírito vale cognitivamente os crentes não falando-lhes da Bíblia mas falando-lhes através da Bíblia. O optimismo protestante acerca da Bíblia ser credível é um pessimismo acerca do Homem não ser. A Reforma vem recuperar o viço das velhas afirmações antropológicas negativas. Agostinho volta às gargantas dos cristãos para lembrar que ou temos a ajuda de Deus nos neurónios ou estamos condenados. Não que a Igreja Medieval o negasse mas a elaboração pró-grega de Aquino tendia a insuflar epistemologicamente a fé. Isto para dizer que os Puritanos eram mais acerca dos limites da Teologia Natural do que sobre as suas virtudes.
Só uma Igreja mais filosoficamente confiante como a Católica Romana poderia abraçar tão à vontade o conceito de dogma. A ironia é que, se hoje protestantes como eu se divertem a apontar a falência racional e ética desta época dita pós-moderna, a verdade é que devem reconhecer que a Reforma Protestante contribuiu para ela. Os Reformadores não hesitavam malhar na presunção racional da escolástica. Dito isto não deve ser deitado o bebé fora com a água do banho. Como os Puritanos bem o demonstram. Lutero chamava prostituta à filosofia não como uma desculpa para não pensar mas para pensar melhor. O que quer isto dizer? Quer apenas dizer que quando os cristãos se convencem que a fé pode ser uma questão de esclarecimento enganam-se acerca de si mesmos (nós somos muito mais do que aquilo que pensamos) e enganam-se acerca do que é a fé (a fé é muito mais do que aquilo que se pensa). Por isso o cristão pensa melhor quando sabe que há vida além do pensamento. Isto não é um paradoxo obscurantista mas a real humildade epistemológica. A Reforma também se deu por causa disto.
Esta diferença entre Catolicismo Romano e Protestantismo funda-se necessariamente nas consequências que se tiram dos efeitos do pecado. O pessimismo antropológico que Agostinho soube defender contra Pelágio saldou-se na doutrina do pecado original e na certeza que só pela graça divina o Homem se pode salvar. Hoje em dia Agostinho seria caricaturado como um misantropo e Pelágio seria entronizado como aqueles pedopsiquiatras que retiram da infância o tom de voz sonolento que hipnotiza uma sociedade encantada consigo mesma. A Igreja Católica Romana supostamente continua a dizer que Pelágio é um herege mas em boa parte tem um fraco por ele. Isso também se materializa no facto de se especializar, quando fala em pecado, nas questões sexuais. Porque a carne, nesse sentido físico mais lúbrico, parece dar-lhe a matéria que a mente não. Dizendo isto de uma maneira muito básica: os Católicos Romanos quando querem provar que o Homem é mau tendem a dizer que ele se porta mal na cama; os Protestantes dizem que escolher a cama para falar da maldade do Homem é uma prova que ela é muito maior. A ironia é que os Puritanos ficaram com a fama de implicarem com o prazer físico quando simplesmente se limitaram a ampliar o impacto do pecado além dele.
Para terminar numa nota mais animadora vale a pena dizer que se tivéssemos de escolher apenas uma razão para justificar o desprezo que os Puritanos teriam ao relativismo filosófico de hoje ela seria Cristo. A lógica é simples e positiva: porque Cristo é Deus que encarna, a Teologia é possível (e com a Teologia todo o tipo de conhecimento). Quando Deus se faz carne, na nossa cabeça faz-se luz. Uma espécie de "Cristo, logo existo" para safar todos os pensadores de pequena fé que em algumas ocasiões dão por si a achar que a salvação vem de Descartes.
quinta-feira, junho 13, 2013
quarta-feira, junho 12, 2013
Mensagem explícita
A prova de que é importante em alguma altura afirmarmos explicitamente aquilo em que acreditamos é que é fácil fazer da fé uma carreira para não acreditar em nada. Basta verificar a quantidade de Pastores ou Padres que são conhecidos por não acreditarem naquilo que geralmente se espera que os Pastores ou Padres acreditem. Mesmo no meio evangélico também há os nosso Padres Mários da Lixa, pessoas que vivem de se afastarem da fé que supostamente aceitam. O mais intrigante é que este seja um emprego que parece ser bem pago, havendo um circuito de palestras, artigos e livros à espera da próxima voz que diga: "eu sou evangélico mas não sou desse tipo de evangélicos." No final perde o meio evangélico, perde a sanidade mental dos evangélicos e perde até a necessária racionalidade que devemos ao diálogo com quem não crê. Os únicos que saem a ganhar já sabemos quem são.
Isto para falar, não da carreira pastoral dos pastores-não-pastores (ou será pós-modernamente mais correcto chamá-los de pós-pastores?), mas da tal importância de a dado momento falarmos explicitamente do que cremos. Matt Chandler escreveu um livro sobre o tema que merece a nossa atenção. Matt Chandler é o Pastor da Village Church, uma igreja que era uma velhinha Igreja Baptista de Dallas e que agora rebenta pelas costuras de juventude. Da geração young, restless and reformed Chandler será dos mais justamente célebres. Os seus sermões causam sensação, num misto de pregação expositiva e puro talento na aplicação que faz corar o psicoterapeuta mais desenvolto. Chandler, um animal de púlpito, quis estendê-lo ao papel neste suculento "The Explicit Gospel" que saiu há cerca de um ano nos estados Unidos e já está traduzido no português do Brasil pela Editora Fiel.
É fácil quando somos evangélicos dizermos que não temos nada a ver com as esquisitices neo-pentecostais. É fácil quando somos católicos romanos dizer que não temos nada a ver com os rigores da Opus Dei. Vamos escolhendo o nosso caminho pela rejeição, convictos apressadamente que de um trilho de nãos vá sair um sim qualquer. Mas que sim é esse? O que é que o nosso evangelho afirma claramente? A sugestão de Chandler parte de onde qualquer início cristão deve começar: a fé é primariamente acerca de Cristo e não acerca de nós. "We were not created as some missing link in God's emotional experience." Ficamos à deriva se ao falarmos do cristianismo assentamos alicerces em nós próprios. É essa ego-trip que nos levará à pior prisão porque testemunharemos das virtudes da nossa fé baseadas no quanto essa fé realça quem somos. Nós não somos o auge da mensagem de Jesus - Ele próprio é. Chandler deixa claro que Deus cria-nos não porque precisa de nós (a moda emo-pegajosa da nossa época) mas porque ao fazê-lo é o seu Filho que sai exaltado enquanto nosso Salvador. Isto é simples mas muito esquecido.
Depois Chandler segue para falar de que é impossível separarmos o que Jesus faz da glória que Deus tem. Este é um assunto ao qual provavelmente damos pouca importância daí as facilidades de negligenciar as partes impopulares da fé. "Someone who says hell cannot be real, or we can't deserve it even if it is real, because God is love is saying that the name and the renown and the glory of Christ aren't that big of a deal. (...) Heaven is not a place for those who are afraid of hell; it's a place for those who love God. (...) God's love - of which so many hell deniers are such cheerleaders - fails to carry the weight of eternal glory when we don't believe it saves us from much." Ou seja, Jesus não veio porque depois de uma grande temporada de mau-feitio - isto é, o Velho Testamento - Deus fez uma terapia de humor e disse: "filho, vai lá tu abaixo que tens mais pachorra que eu para aquela gente." A mensagem de amor de Cristo não joga contra a severidade de Deus mas a partir dela (um bom exemplo disto nas nossas vidas é, para aqueles que são pais, pensarmos na seriedade com que lidaremos com aqueles que eventualmente quererão fazer mal ao nossos filhos).
Matt desenvolve as implicações do evangelho no chão (o que o Jesus faz nas vidas das pessoas) e do evangelho no ar (o que Jesus faz a um nível cósmico) para apontar a necessidade dos dois serem compreendidos e merecerem a nossa reposta. Escolher um em detrimento do outro é perder de vista que Deus não trabalha para fragmentar mas para convergir. O evangelho é um percurso de reconciliação individual e global com o Criador através da vida, morte e ressurreição de Cristo. Ler este volume não é um argumento a favor de mais guerras culturais entre evangélicos mas uma chamada à dependência do Espírito Santo para o que os cristãos têm a fazer dentro e fora das esferas religiosas. "Acquiring information outside of rooted relationships turns immature christians into the theology police." (isto é uma grande lição para mim que já vivi convencido de que tudo estaria bem na igreja desde que todos fossem suficientemente calvinistas - céus, o quanto errava! Deus deseja cristãos que se unem pela restauração que Cristo lhes proporciona e não porque porque ambos usam roupa interior bordada em Genebra).
"The Explicit Gospel" é um livro que, mais do que obter méritos literários, serve de apanhado destes anos de de pregação de Matt Chandler. Quem o costuma ouvir lerá histórias, ilustrações e piadas que já conhece mas recordará sobretudo as linhas-mestras teológicas de um dos maiores e mais explícitos pregadores vivos.
Um obrigado enorme ao Manel que me ofereceu o livro.
A prova de que é importante em alguma altura afirmarmos explicitamente aquilo em que acreditamos é que é fácil fazer da fé uma carreira para não acreditar em nada. Basta verificar a quantidade de Pastores ou Padres que são conhecidos por não acreditarem naquilo que geralmente se espera que os Pastores ou Padres acreditem. Mesmo no meio evangélico também há os nosso Padres Mários da Lixa, pessoas que vivem de se afastarem da fé que supostamente aceitam. O mais intrigante é que este seja um emprego que parece ser bem pago, havendo um circuito de palestras, artigos e livros à espera da próxima voz que diga: "eu sou evangélico mas não sou desse tipo de evangélicos." No final perde o meio evangélico, perde a sanidade mental dos evangélicos e perde até a necessária racionalidade que devemos ao diálogo com quem não crê. Os únicos que saem a ganhar já sabemos quem são.
Isto para falar, não da carreira pastoral dos pastores-não-pastores (ou será pós-modernamente mais correcto chamá-los de pós-pastores?), mas da tal importância de a dado momento falarmos explicitamente do que cremos. Matt Chandler escreveu um livro sobre o tema que merece a nossa atenção. Matt Chandler é o Pastor da Village Church, uma igreja que era uma velhinha Igreja Baptista de Dallas e que agora rebenta pelas costuras de juventude. Da geração young, restless and reformed Chandler será dos mais justamente célebres. Os seus sermões causam sensação, num misto de pregação expositiva e puro talento na aplicação que faz corar o psicoterapeuta mais desenvolto. Chandler, um animal de púlpito, quis estendê-lo ao papel neste suculento "The Explicit Gospel" que saiu há cerca de um ano nos estados Unidos e já está traduzido no português do Brasil pela Editora Fiel.
É fácil quando somos evangélicos dizermos que não temos nada a ver com as esquisitices neo-pentecostais. É fácil quando somos católicos romanos dizer que não temos nada a ver com os rigores da Opus Dei. Vamos escolhendo o nosso caminho pela rejeição, convictos apressadamente que de um trilho de nãos vá sair um sim qualquer. Mas que sim é esse? O que é que o nosso evangelho afirma claramente? A sugestão de Chandler parte de onde qualquer início cristão deve começar: a fé é primariamente acerca de Cristo e não acerca de nós. "We were not created as some missing link in God's emotional experience." Ficamos à deriva se ao falarmos do cristianismo assentamos alicerces em nós próprios. É essa ego-trip que nos levará à pior prisão porque testemunharemos das virtudes da nossa fé baseadas no quanto essa fé realça quem somos. Nós não somos o auge da mensagem de Jesus - Ele próprio é. Chandler deixa claro que Deus cria-nos não porque precisa de nós (a moda emo-pegajosa da nossa época) mas porque ao fazê-lo é o seu Filho que sai exaltado enquanto nosso Salvador. Isto é simples mas muito esquecido.
Depois Chandler segue para falar de que é impossível separarmos o que Jesus faz da glória que Deus tem. Este é um assunto ao qual provavelmente damos pouca importância daí as facilidades de negligenciar as partes impopulares da fé. "Someone who says hell cannot be real, or we can't deserve it even if it is real, because God is love is saying that the name and the renown and the glory of Christ aren't that big of a deal. (...) Heaven is not a place for those who are afraid of hell; it's a place for those who love God. (...) God's love - of which so many hell deniers are such cheerleaders - fails to carry the weight of eternal glory when we don't believe it saves us from much." Ou seja, Jesus não veio porque depois de uma grande temporada de mau-feitio - isto é, o Velho Testamento - Deus fez uma terapia de humor e disse: "filho, vai lá tu abaixo que tens mais pachorra que eu para aquela gente." A mensagem de amor de Cristo não joga contra a severidade de Deus mas a partir dela (um bom exemplo disto nas nossas vidas é, para aqueles que são pais, pensarmos na seriedade com que lidaremos com aqueles que eventualmente quererão fazer mal ao nossos filhos).
Matt desenvolve as implicações do evangelho no chão (o que o Jesus faz nas vidas das pessoas) e do evangelho no ar (o que Jesus faz a um nível cósmico) para apontar a necessidade dos dois serem compreendidos e merecerem a nossa reposta. Escolher um em detrimento do outro é perder de vista que Deus não trabalha para fragmentar mas para convergir. O evangelho é um percurso de reconciliação individual e global com o Criador através da vida, morte e ressurreição de Cristo. Ler este volume não é um argumento a favor de mais guerras culturais entre evangélicos mas uma chamada à dependência do Espírito Santo para o que os cristãos têm a fazer dentro e fora das esferas religiosas. "Acquiring information outside of rooted relationships turns immature christians into the theology police." (isto é uma grande lição para mim que já vivi convencido de que tudo estaria bem na igreja desde que todos fossem suficientemente calvinistas - céus, o quanto errava! Deus deseja cristãos que se unem pela restauração que Cristo lhes proporciona e não porque porque ambos usam roupa interior bordada em Genebra).
"The Explicit Gospel" é um livro que, mais do que obter méritos literários, serve de apanhado destes anos de de pregação de Matt Chandler. Quem o costuma ouvir lerá histórias, ilustrações e piadas que já conhece mas recordará sobretudo as linhas-mestras teológicas de um dos maiores e mais explícitos pregadores vivos.
Um obrigado enorme ao Manel que me ofereceu o livro.
terça-feira, junho 11, 2013
Ouvir
O pior pecado dos nossos filhos nem sequer é pecarem contra as nossas expectativas mas contra as expectativas do Deus que quer ser Pai deles.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).
O pior pecado dos nossos filhos nem sequer é pecarem contra as nossas expectativas mas contra as expectativas do Deus que quer ser Pai deles.
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segunda-feira, junho 10, 2013
Deus nos livre da religião sem Inferno
Este Papa tem permitido a este Protestante esclarecimentos interessantes acerca da fé. Os apuros de Francisco são oportunidades evangélicas. Só assim de repente, disse com razão que a Igreja não é uma ONG, trouxe um edge não-europeu a uma instituição cheia de pudores ocidentais, montou get-realness nos excessos ornamentais romanos. Claro que isso também traz desafios. Há muitas pessoas inclinadas a gostar de Francisco porque em muito ele aparece como o Papa menos Papa e elogios desses não são condecorações mas pregos no caixão (e outros há que passaram a ter em Ratzinger o seu Papa preferido porque na prática ele tornou-se o Papa que deixou de o ser). Diria que é preciso cuidado com os atalhos que são maneiras de ganhar a corrida sem a correr. Há muitas maneiras de elogiar este Papa que são maneiras de odiar a Igreja Romana. Eu, que não sou católico romano, não me quero meter nesse negócio.
Mas gostava de me concentrar em dois episódios recentes. Um bom e outro mau. Pelos vistos o Papa orou para expulsar o demónio do corpo de um doente que lhe trouxeram à Praça de São Pedro. Evento perfeito para a época de fenómenos de Yoube. Independentemente das importantes diferenças entre católicos romanos e protestantes é bom lembrarmo-nos de vez em quando que a existência de Satanás não é uma fábula que servia a imaginação delirante dos cristãos analfabetos dos primeiros séculos (claro que muitos que reclamam ser cristãos dirão que a existência de Satanás é impossível de conciliar com a contemporaneidade mas não me sinto chamado a gastar tempo com essa burguesia religiosa epistemologicamente instalada). O pior veio quando Francisco parece que quis tirar uma folga e quando deu por si estava a arranjar no Céu lugar até para os que não estão interessados nele. Claro que deu raia e a Igreja Católica Romana teve de explicar que afinal o Inferno existe e que é preciso termos uma relação com ela para nos safarmos dele.
A partir daí ouvi dos meus amigos ateus piadas engraçadas acerca de saberem que tipo de roupa tinham de meter afinal na mala para a travessia Além, ridicularizando que ainda fosse possível crer na realidade do Inferno. E nessa ocasião apercebi-me que por bem artilhadas que estejam as punchlines ninguém se safa de se perder pelo trilho da gargalhada. As pessoas que me acusam de possuir uma fé ridícula por crer na existência do Inferno têm de me provar os méritos de ser menos ridículo acreditar que não é possível que o Inferno exista. Tim Keller citava no seu livro "The Reason For God" o poeta polaco Czeslaw Milosz que dizia que um verdadeiro ópio do povo é acreditar que depois da morte não se passa nada. E que estupendo será pensar que poderemos fazer qualquer coisa nesta vida sem que nunca tenhamos de prestar contas. Marx estava errado - é muito mais atraente desprezar um conceito eterno de justiça para que possamos viver deste lado como bem nos apetece.
Mas com isto não quero bater nos proto-condenados porque o meu trabalho é em favor deles (como proto-condenado que também já fui). Mas nos crentes que ao julgarem-se mais iluminados por desprezarem a existência do Inferno apenas oferecem aos outros mais trevas. Não é precisa muita metafísica para compreender que ou o Inferno existe ou as igrejas não servem para nada. Sabemos que hoje há muitos cristãos (e católicos em particular) que tentam sobreviver pela via estética. O que é que isto quer dizer? Que defendem a fé sobretudo a partir da perspectiva que o cristianismo é bonito. Quando o fazem tentam evitar as discussões difíceis e ingratas acerca do cristianismo ser verdadeiro. A palavra verdade assusta as pessoas e muitos destes cristãos são os primeiros a fazer xixi nas calças. Reparem que mesmo o Ratzinger que admiro quando decide encontrar-se com os artistas portugueses na visita que nos fez há três anos tomou esta estratégia - ganhar os estetas com a estética. O problema desta abordagem não é que ela seja falsa: o cristianismo é efectivamente belo. O problema desta abordagem é o que o próprio cristianismo diz acerca dela na primeira Carta aos Coríntios no capítulo quinze: se o cristianismo não for verdadeiro (neste caso na veracidade do facto da ressurreição) então os cristãos são os mais miseráveis dos homens. Ou seja, o Apóstolo Paulo explica que ou a fé é verdadeira ou não serve para nada e não há beleza que lhe doure a pílula. Não promovo a desvalorização da beleza, simplesmente não desejo que ela triunfe às contas da desvalorização da verdade.
A religião que sobrevive fora da convicção da existência do Inferno vive absorvida nos seus bonitos olhos azuis. Por alma de quem vale a pena professar a fé em alguém a quem chamamos Salvador se não há nada do qual precisamos ser salvos? Por que diabo havemos de gastar tempo em missas e cultos e desdobrados em boas acções se no final de contas todos recebem o prémio independentemente do que foram e fizeram? A isto chama-se brincar com coisas sérias e, sobretudo, um valente desperdício de tempo. Se é para isto que tantos mártires deram a vida avisem-me que procuro já outra carreira. Ser Pastor é engraçado mas, acreditem, há profissões mais divertidas.
Qual a alternativa que sugiro? A que Cristo sugeriu. By the way, Cristo, ao contrário do que a imagem popular possa sugerir, é quem na Bíblia mais fala acerca do Inferno. É revelador que tantos gostem de elogiar Jesus pelo seu progressismo quando as suas palavras são nas Escrituras as que mais estão cheias de táctica do medo (basta googlar Jesus e Inferno). A Igreja nunca precisou de as reescrever porque sempre as levou minimamente a sério. Até chegarmos a este pico de tolerância que eufemiza terceiras vias entre salvação e condenação. É por termos no Inferno não uma possibilidade mas a maior probabilidade que gastamos tempo a falar bem de Jesus: cremos que Ele nos livrou daquilo para o qual nos estávamos a dirigir. A isto não se chama uma Teologia do medo mas da graça. Amamos sempre quem nos salva a vida. A religião que mete toda a gente no Céu é a que o trata sem qualquer critério. Não é uma fé de igualdade mas de indiferença. Deus nos livre dela.
Este Papa tem permitido a este Protestante esclarecimentos interessantes acerca da fé. Os apuros de Francisco são oportunidades evangélicas. Só assim de repente, disse com razão que a Igreja não é uma ONG, trouxe um edge não-europeu a uma instituição cheia de pudores ocidentais, montou get-realness nos excessos ornamentais romanos. Claro que isso também traz desafios. Há muitas pessoas inclinadas a gostar de Francisco porque em muito ele aparece como o Papa menos Papa e elogios desses não são condecorações mas pregos no caixão (e outros há que passaram a ter em Ratzinger o seu Papa preferido porque na prática ele tornou-se o Papa que deixou de o ser). Diria que é preciso cuidado com os atalhos que são maneiras de ganhar a corrida sem a correr. Há muitas maneiras de elogiar este Papa que são maneiras de odiar a Igreja Romana. Eu, que não sou católico romano, não me quero meter nesse negócio.
Mas gostava de me concentrar em dois episódios recentes. Um bom e outro mau. Pelos vistos o Papa orou para expulsar o demónio do corpo de um doente que lhe trouxeram à Praça de São Pedro. Evento perfeito para a época de fenómenos de Yoube. Independentemente das importantes diferenças entre católicos romanos e protestantes é bom lembrarmo-nos de vez em quando que a existência de Satanás não é uma fábula que servia a imaginação delirante dos cristãos analfabetos dos primeiros séculos (claro que muitos que reclamam ser cristãos dirão que a existência de Satanás é impossível de conciliar com a contemporaneidade mas não me sinto chamado a gastar tempo com essa burguesia religiosa epistemologicamente instalada). O pior veio quando Francisco parece que quis tirar uma folga e quando deu por si estava a arranjar no Céu lugar até para os que não estão interessados nele. Claro que deu raia e a Igreja Católica Romana teve de explicar que afinal o Inferno existe e que é preciso termos uma relação com ela para nos safarmos dele.
A partir daí ouvi dos meus amigos ateus piadas engraçadas acerca de saberem que tipo de roupa tinham de meter afinal na mala para a travessia Além, ridicularizando que ainda fosse possível crer na realidade do Inferno. E nessa ocasião apercebi-me que por bem artilhadas que estejam as punchlines ninguém se safa de se perder pelo trilho da gargalhada. As pessoas que me acusam de possuir uma fé ridícula por crer na existência do Inferno têm de me provar os méritos de ser menos ridículo acreditar que não é possível que o Inferno exista. Tim Keller citava no seu livro "The Reason For God" o poeta polaco Czeslaw Milosz que dizia que um verdadeiro ópio do povo é acreditar que depois da morte não se passa nada. E que estupendo será pensar que poderemos fazer qualquer coisa nesta vida sem que nunca tenhamos de prestar contas. Marx estava errado - é muito mais atraente desprezar um conceito eterno de justiça para que possamos viver deste lado como bem nos apetece.
Mas com isto não quero bater nos proto-condenados porque o meu trabalho é em favor deles (como proto-condenado que também já fui). Mas nos crentes que ao julgarem-se mais iluminados por desprezarem a existência do Inferno apenas oferecem aos outros mais trevas. Não é precisa muita metafísica para compreender que ou o Inferno existe ou as igrejas não servem para nada. Sabemos que hoje há muitos cristãos (e católicos em particular) que tentam sobreviver pela via estética. O que é que isto quer dizer? Que defendem a fé sobretudo a partir da perspectiva que o cristianismo é bonito. Quando o fazem tentam evitar as discussões difíceis e ingratas acerca do cristianismo ser verdadeiro. A palavra verdade assusta as pessoas e muitos destes cristãos são os primeiros a fazer xixi nas calças. Reparem que mesmo o Ratzinger que admiro quando decide encontrar-se com os artistas portugueses na visita que nos fez há três anos tomou esta estratégia - ganhar os estetas com a estética. O problema desta abordagem não é que ela seja falsa: o cristianismo é efectivamente belo. O problema desta abordagem é o que o próprio cristianismo diz acerca dela na primeira Carta aos Coríntios no capítulo quinze: se o cristianismo não for verdadeiro (neste caso na veracidade do facto da ressurreição) então os cristãos são os mais miseráveis dos homens. Ou seja, o Apóstolo Paulo explica que ou a fé é verdadeira ou não serve para nada e não há beleza que lhe doure a pílula. Não promovo a desvalorização da beleza, simplesmente não desejo que ela triunfe às contas da desvalorização da verdade.
A religião que sobrevive fora da convicção da existência do Inferno vive absorvida nos seus bonitos olhos azuis. Por alma de quem vale a pena professar a fé em alguém a quem chamamos Salvador se não há nada do qual precisamos ser salvos? Por que diabo havemos de gastar tempo em missas e cultos e desdobrados em boas acções se no final de contas todos recebem o prémio independentemente do que foram e fizeram? A isto chama-se brincar com coisas sérias e, sobretudo, um valente desperdício de tempo. Se é para isto que tantos mártires deram a vida avisem-me que procuro já outra carreira. Ser Pastor é engraçado mas, acreditem, há profissões mais divertidas.
Qual a alternativa que sugiro? A que Cristo sugeriu. By the way, Cristo, ao contrário do que a imagem popular possa sugerir, é quem na Bíblia mais fala acerca do Inferno. É revelador que tantos gostem de elogiar Jesus pelo seu progressismo quando as suas palavras são nas Escrituras as que mais estão cheias de táctica do medo (basta googlar Jesus e Inferno). A Igreja nunca precisou de as reescrever porque sempre as levou minimamente a sério. Até chegarmos a este pico de tolerância que eufemiza terceiras vias entre salvação e condenação. É por termos no Inferno não uma possibilidade mas a maior probabilidade que gastamos tempo a falar bem de Jesus: cremos que Ele nos livrou daquilo para o qual nos estávamos a dirigir. A isto não se chama uma Teologia do medo mas da graça. Amamos sempre quem nos salva a vida. A religião que mete toda a gente no Céu é a que o trata sem qualquer critério. Não é uma fé de igualdade mas de indiferença. Deus nos livre dela.
sexta-feira, junho 07, 2013
quinta-feira, junho 06, 2013
Carca-salvação
Em Carcavelos há um nadador-salvador tão musculado e tatuado que a primeira coisa que nos ocorre é: quem nos salva do nadador-salvador?
Em Carcavelos há um nadador-salvador tão musculado e tatuado que a primeira coisa que nos ocorre é: quem nos salva do nadador-salvador?
quarta-feira, junho 05, 2013
Clube Puritano de Luta
Foi num artigo de 2009 do New York Times sobre Mark Driscoll que li a onda recente de Calvinismo associada ao Fight Club. Eu tinha visto o Fight Club quando ele saiu mas só agora voltei ao filme. E, por ridículo que pareça, não achei essa associação disparatada. Claro que sou absolutamente suspeito uma vez que gosto de me encaixar neste surf mas vou tentar justificar a razão pela qual o Fight Club assenta bem aos novos calvinistas.
1. O Calvinismo é tão rijo quanto o Fight Club. É verdade que há umas mariquices na edição de David Fincher que depois criaram moda para os novos realizadores que queriam mostrar acção ensanduichada em truques de montagem. Mas a tese é simples: tareia. O Deus em que crêem os calvinistas só lhes traz paz porque antes lhe trouxe luta.
2. O Calvinismo como o Fight Club atrai miúdos que querem ser homens. Deus não tem sexo mas gosta que homens sejam homens e mulheres sejam mulheres porque a ideia da diferença foi dele. Hoje em dia há no Ocidente uma conspiração mais ou menos consciente para que os rapazes se mantenham assim para sempre ou, antes pelo contrário, se tornem em meninas. Ser homem a sério é meio ilegal e por isso tão atraente. As verdades do Calvinismo não são para meninos e é preciso crescer para nos aguentarmos à bronca.
3. Não há Fight Club ou Calvinismo sem sangue, sem muito sangue mesmo. É uma questão de investigar todo o sistema sacrificial do Velho Testamento que se cumpre no Novo na morte do Senhor Jesus. Quem viu a Paixão de Cristo ficou muito chocado pela opção de Mel Gibson de mostrar tanto gore mas basta verificar no google o tipo de sofrimento e sangramento que exige uma morte antecedida de violenta flagelação e crucificação.
4. O Calvinismo, como o Fight Club, é um movimento underground. Não foi feito para palcos mas primeiramente para porões. As verdades do Calvinismo deixam-nos sujos e suados e os palanques não aguentam colarinhos encardidos. É uma coisa que vem de baixo para cima. É certo que os puritanos, os fundadores das universidades modernas, eram calvinistas e, portanto, o Calvinismo aguenta-se academicamente. Mas começa sempre em modo conspiração (a redenção do mundo é uma invasão).
5. O Calvinismo e o Fight Club lidam com destruição. A questão não é a de equilíbrio, de yin e yang, de positivo e negativo. No cristianismo a destruição acontece porque há uma história de criação, queda, redenção e consumação. Para que o que correu mal se regenere muita destruição é precisa. Essa destruição não é celebrada (como no Fight Club é) mas é encarada de frente pelos calvinistas. Ou seja, os calvinistas não precisam de andar a partir a cara uns dos outros, como no Fight Club acontece, para que reconheçam que a sua vida lida necessariamente com destruição. Isto não quer dizer que os calvinistas gostam de destruição mas significa que os calvinistas sabem que a destruição faz parte de um plano divino de reconstrução global. Para que haja coisas novas, coisas velhas têm de ser rebentadas.
Foi num artigo de 2009 do New York Times sobre Mark Driscoll que li a onda recente de Calvinismo associada ao Fight Club. Eu tinha visto o Fight Club quando ele saiu mas só agora voltei ao filme. E, por ridículo que pareça, não achei essa associação disparatada. Claro que sou absolutamente suspeito uma vez que gosto de me encaixar neste surf mas vou tentar justificar a razão pela qual o Fight Club assenta bem aos novos calvinistas.
1. O Calvinismo é tão rijo quanto o Fight Club. É verdade que há umas mariquices na edição de David Fincher que depois criaram moda para os novos realizadores que queriam mostrar acção ensanduichada em truques de montagem. Mas a tese é simples: tareia. O Deus em que crêem os calvinistas só lhes traz paz porque antes lhe trouxe luta.
2. O Calvinismo como o Fight Club atrai miúdos que querem ser homens. Deus não tem sexo mas gosta que homens sejam homens e mulheres sejam mulheres porque a ideia da diferença foi dele. Hoje em dia há no Ocidente uma conspiração mais ou menos consciente para que os rapazes se mantenham assim para sempre ou, antes pelo contrário, se tornem em meninas. Ser homem a sério é meio ilegal e por isso tão atraente. As verdades do Calvinismo não são para meninos e é preciso crescer para nos aguentarmos à bronca.
3. Não há Fight Club ou Calvinismo sem sangue, sem muito sangue mesmo. É uma questão de investigar todo o sistema sacrificial do Velho Testamento que se cumpre no Novo na morte do Senhor Jesus. Quem viu a Paixão de Cristo ficou muito chocado pela opção de Mel Gibson de mostrar tanto gore mas basta verificar no google o tipo de sofrimento e sangramento que exige uma morte antecedida de violenta flagelação e crucificação.
4. O Calvinismo, como o Fight Club, é um movimento underground. Não foi feito para palcos mas primeiramente para porões. As verdades do Calvinismo deixam-nos sujos e suados e os palanques não aguentam colarinhos encardidos. É uma coisa que vem de baixo para cima. É certo que os puritanos, os fundadores das universidades modernas, eram calvinistas e, portanto, o Calvinismo aguenta-se academicamente. Mas começa sempre em modo conspiração (a redenção do mundo é uma invasão).
5. O Calvinismo e o Fight Club lidam com destruição. A questão não é a de equilíbrio, de yin e yang, de positivo e negativo. No cristianismo a destruição acontece porque há uma história de criação, queda, redenção e consumação. Para que o que correu mal se regenere muita destruição é precisa. Essa destruição não é celebrada (como no Fight Club é) mas é encarada de frente pelos calvinistas. Ou seja, os calvinistas não precisam de andar a partir a cara uns dos outros, como no Fight Club acontece, para que reconheçam que a sua vida lida necessariamente com destruição. Isto não quer dizer que os calvinistas gostam de destruição mas significa que os calvinistas sabem que a destruição faz parte de um plano divino de reconstrução global. Para que haja coisas novas, coisas velhas têm de ser rebentadas.
terça-feira, junho 04, 2013
Ouvir
A paciência de Job não é elogiada primariamente por ele ter aguentado muito. Mas por essa paciência ter tido um fim positivo que se saldou em conhecimento de Deus.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).
A paciência de Job não é elogiada primariamente por ele ter aguentado muito. Mas por essa paciência ter tido um fim positivo que se saldou em conhecimento de Deus.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).
segunda-feira, junho 03, 2013
Retiro
Já falávamos de fazer um retiro da igreja há uns três anos ou mais. A agenda, o local, os planos de autonomia da igreja, entre outras coisas, foram atrasando a concretização. Finalmente neste fim-de-semana conseguimos fazê-lo. Foi tão curto quanto intenso. O objectivo não era oferecer mais sermões ou uma versão vitaminada da Escola Bíblica Dominical mas reflectir sobre as convicções que temos acerca do que Deus está a fazer nas nossas famílias, na nossa igreja, nos nossos trabalhos. Por isso cinco pessoas partilharam os seus testemunhos e permitiram que se falasse mais horizontalmente do que a partir somente da visão da liderança. Foi um tempo bestial porque acabou por confirmar e exceder as próprias conclusões que tenho tirado. Éramos de cerca 50 pessoas juntas e fartei-me de pensar o quão utópico era entre 2007 e 2009 sonhar com uma comunidade que juntasse tantos (e houve um bom número que não pôde estar presente).
Houve um sabor especial por nos termos juntado em Água de Madeiros. Água de Madeiros é um lugar especialíssimo para os baptistas em Portugal. Muitos converteram-se lá, decidiram baptizar-se lá, começaram a namorar lá, alguns mesmos casaram lá, e, que eu saiba, só ainda não se enterram lá. Quero pensar que por ser um lugar de tanto passado Água de Madeiros só nos ajudou a colocar os olhos no futuro. Orem por nós na Igreja Baptista de São Domingos de Benfica que agora se junta na Lapa à Segunda de Lisboa.
Podia ser Niceia em 325 mas foi Água de Madeiros em 2013.
Já falávamos de fazer um retiro da igreja há uns três anos ou mais. A agenda, o local, os planos de autonomia da igreja, entre outras coisas, foram atrasando a concretização. Finalmente neste fim-de-semana conseguimos fazê-lo. Foi tão curto quanto intenso. O objectivo não era oferecer mais sermões ou uma versão vitaminada da Escola Bíblica Dominical mas reflectir sobre as convicções que temos acerca do que Deus está a fazer nas nossas famílias, na nossa igreja, nos nossos trabalhos. Por isso cinco pessoas partilharam os seus testemunhos e permitiram que se falasse mais horizontalmente do que a partir somente da visão da liderança. Foi um tempo bestial porque acabou por confirmar e exceder as próprias conclusões que tenho tirado. Éramos de cerca 50 pessoas juntas e fartei-me de pensar o quão utópico era entre 2007 e 2009 sonhar com uma comunidade que juntasse tantos (e houve um bom número que não pôde estar presente).
Houve um sabor especial por nos termos juntado em Água de Madeiros. Água de Madeiros é um lugar especialíssimo para os baptistas em Portugal. Muitos converteram-se lá, decidiram baptizar-se lá, começaram a namorar lá, alguns mesmos casaram lá, e, que eu saiba, só ainda não se enterram lá. Quero pensar que por ser um lugar de tanto passado Água de Madeiros só nos ajudou a colocar os olhos no futuro. Orem por nós na Igreja Baptista de São Domingos de Benfica que agora se junta na Lapa à Segunda de Lisboa.
Podia ser Niceia em 325 mas foi Água de Madeiros em 2013.