quinta-feira, outubro 31, 2013
quarta-feira, outubro 30, 2013
Na partida do irmão José Carvalho
Deixem-me começar por partilhar os desencontros do dia de ontem. No Domingo passado o irmão Sérgio partilhava com a igreja o internamento do nosso irmão José Carvalho. Orámos por ele no culto da manhã e no culto da tarde. Durante a semana mantive-me em contacto electrónico com a Lina e ontem de manhã, ao ligar-me à internet, tinha uma mensagem dela da noite anterior a avisar-me que a partida do seu Pai poderia estar por horas. Liguei-lhe e pus-me a caminho de Loures, para o Hospital Beatriz Cândido. Finalmente ia concretizar um encontro com o irmão José Carvalho, que já tinha planeado há meses, para acontecer no Lar onde estava, mas que nunca se tinha materializado.
Ao chegar ao Hospital dirigi-me ao quarto indicado e encontrei um senhor que correspondia à descrição do irmão José Carvalho. Passei com ele cerca de meia-hora em que li a Bíblia, orei e até cantei baixinho o refrão de um Hino do Cantor Cristão. Estava contente porque, apesar de não ser inteligível o que ele me dizia, recebia algumas tentativas de resposta e o amén no final da oração foi claro. Enviei uma mensagem escrita à Lina alegrando-me por estas coisas. Quando me aperbi do nome da pulseira deste senhor, até à altura invisível, vi José mas Coelho em vez de Carvalho. Achei estranho. Mas pensei que talvez fosse um apelido que não conhecia. No final da visita inquiri as enfermeiras de serviço acerca do estado do irmão José Carvalho. Depois de uma breve espera fui encaminhado de uma enfermeira, que deixou a nossa conversa a meio de um modo suspeito, para uma médica que me explicou que só podia falar com a família. Com a pior sensação que alguma coisa não estava bem saí do Hospital. Nesse momento recebo um telefonema da Lina, baralhada por sinais tão opostos que tinha recebido. Isto porque acabava de receber uma chamada do Hospital a avisar do falecimento do seu Pai durante a madrugada.
Quando entrei no carro sentia-me especialmente frustrado. Mesmo tendo em conta que um desconhecido, o senhor José Coelho que nada me pediu, tinha passado meia-hora abençoado pela Palavra de Deus, senti o peso do desencontro. Não consegui ir a tempo de conhecer o irmão José Carvalho, a quem tinha prometido a mim mesmo que visitaria. Não o encontrei no Lar e não o encontrei no Hospital. Tinha chegado tarde demais. Isto pesou-me muito. Porque era um tarde demais sem correcção possível nesta vida.
Até que no regresso foi-me dado um pensamento diferente. De facto, se era possível dizer que eu não tinha chegado a ir ao encontro do irmão José Carvalho, o mesmo não poderia dizer do irmão José Carvalho ir ao meu encontro. Tecnicamente eu nunca me encontrei com esta ovelha que faz parte da igreja à qual fui chamado a pastorear desde o início deste ano. Mas esta ovelha, que agora está na presença do Senhor, tem-se encontrado comigo desde um pouco antes do início do ano. Como? Através das pessoas que só podem existir porque antes delas existiu o irmão José Carvalho. Falo dos seus filhos, e particularmente da Lina e do Paulo. Para justificar isto gostaria de ir a um texto bíblico. Um texto bíblico que, soube ontem pela nossa irmã Irene, era dos preferidos do nosso irmão José Carvalho. Carta aos Hebreus, capítulo 11. Vale a pena lê-lo todo.
O que nos diz este texto? Que a fé, que "é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem", não é uma abstracção. A fé não é uma coisa que se experimenta exclusivamente em isolamento, no recato privado de quem a tem. O texto de Hebreus 11, que o nosso irmão José Carvalho tanto apreciava, deixa claro o modo como a fé não se aliena em individualidades, como em compartimentos estanques, mas manifesta-se numa passagem de geração a geração. Este texto faz um percurso único em 40 versos para nos explicar que as figuras do Velho Testamento não ficam aquém pelo facto do Salvador vir ao mundo apenas no Novo. A fé em Cristo, patente agora em todos aqueles que são transformados pela morte e ressurreição de Cristo, aplica-se também àqueles que antes dele a viveram mesmo antes da crucificação. Esta é uma verdade assinalável e que nas Escrituras brilha de maneira única neste texto. Cristo é mais poderoso do que o tempo e nunca fica fora de prazo. Quer antes, quer depois. Ora, este texto encaixa perfeitamente no exemplo da vida do nosso irmão José Carvalho.
Apesar de não ter chegado a encontrar o irmão José Carvalho, ele tem-se encontrado comigo através da fé que passou aos seus filhos. A fé não se herda dos pais mas pode e deve ser-nos transmitida por eles. Isto aconteceu com os filhos dos irmão José Carvalho. Entre outros aspectos gostaria de destacar, na fé da Lina e do Paulo, um. Os irmãos presentes conhecem tão bem ou melhor que eu os desafios e lutas que esta igreja, a Segunda Baptista de Lisboa, tem passado. Nessas contrariedades um dos sintomas mais típicos é, com a falta de renovação da comunidade, os poucos jovens que existem optarem por um lugar que lhes ofereça mais perspectivas dessa renovação. É natural que os jovens queiram juventude. Ora, a Lina e o Paulo fazem parte de um punhado de jovens que permaneceu nesta igreja, diríamos, contra tudo e contra todos. Isso impressionou-me logo no início, quando os conheci, mas tem-me continuado a impressionar à medida que tenho convivido com eles durante este ano de 2013. Estou absolutamente convencido que a persistência da fé da Lina e do Paulo está relacionada com a fé que o seu Pai lhes transmitiu. Até porque, ainda ontem numa breve conversa telefónica com a irmã Irene, ouvi dela o mesmo.
Na Igreja os nossos encontros podem não funcionar do modo como preferíamos. Mas, pela graça de Deus, esses encontros entre irmãos não estão limitados pelo contacto pessoal entre eles. A fé faz parte de uma realidade espiritual tão grande que podemos ser abençoados pela fé de pessoas que nunca chegámos a conhecer. A história das igrejas é essa mesma. Somos pequenos elos de uma história que nos ultrapassa. Uma história de fidelidade porque Deus é fiel connosco, e não porque nós lhe somos fiéis. Ou seja, só podemos ser fiéis a Deus porque Ele é garantidamente fiel a nós. Podemos encontrar-nos uns com os outros porque Deus veio ao nosso encontro primeiro. Hoje, que sabemos pela fé que o irmão José Carvalho está na presença do nosso Deus, somos convidados a continuarmos encontrados uns com os outros na fé que o Espírito Santo nos dá. A morte e a ressurreição de Cristo asseguram-nos que ninguém nos pode fazer desencontrar do Deus que amamos e louvamos esta noite.
Que Ele nos ajude e console toda a família.
Deixem-me começar por partilhar os desencontros do dia de ontem. No Domingo passado o irmão Sérgio partilhava com a igreja o internamento do nosso irmão José Carvalho. Orámos por ele no culto da manhã e no culto da tarde. Durante a semana mantive-me em contacto electrónico com a Lina e ontem de manhã, ao ligar-me à internet, tinha uma mensagem dela da noite anterior a avisar-me que a partida do seu Pai poderia estar por horas. Liguei-lhe e pus-me a caminho de Loures, para o Hospital Beatriz Cândido. Finalmente ia concretizar um encontro com o irmão José Carvalho, que já tinha planeado há meses, para acontecer no Lar onde estava, mas que nunca se tinha materializado.
Ao chegar ao Hospital dirigi-me ao quarto indicado e encontrei um senhor que correspondia à descrição do irmão José Carvalho. Passei com ele cerca de meia-hora em que li a Bíblia, orei e até cantei baixinho o refrão de um Hino do Cantor Cristão. Estava contente porque, apesar de não ser inteligível o que ele me dizia, recebia algumas tentativas de resposta e o amén no final da oração foi claro. Enviei uma mensagem escrita à Lina alegrando-me por estas coisas. Quando me aperbi do nome da pulseira deste senhor, até à altura invisível, vi José mas Coelho em vez de Carvalho. Achei estranho. Mas pensei que talvez fosse um apelido que não conhecia. No final da visita inquiri as enfermeiras de serviço acerca do estado do irmão José Carvalho. Depois de uma breve espera fui encaminhado de uma enfermeira, que deixou a nossa conversa a meio de um modo suspeito, para uma médica que me explicou que só podia falar com a família. Com a pior sensação que alguma coisa não estava bem saí do Hospital. Nesse momento recebo um telefonema da Lina, baralhada por sinais tão opostos que tinha recebido. Isto porque acabava de receber uma chamada do Hospital a avisar do falecimento do seu Pai durante a madrugada.
Quando entrei no carro sentia-me especialmente frustrado. Mesmo tendo em conta que um desconhecido, o senhor José Coelho que nada me pediu, tinha passado meia-hora abençoado pela Palavra de Deus, senti o peso do desencontro. Não consegui ir a tempo de conhecer o irmão José Carvalho, a quem tinha prometido a mim mesmo que visitaria. Não o encontrei no Lar e não o encontrei no Hospital. Tinha chegado tarde demais. Isto pesou-me muito. Porque era um tarde demais sem correcção possível nesta vida.
Até que no regresso foi-me dado um pensamento diferente. De facto, se era possível dizer que eu não tinha chegado a ir ao encontro do irmão José Carvalho, o mesmo não poderia dizer do irmão José Carvalho ir ao meu encontro. Tecnicamente eu nunca me encontrei com esta ovelha que faz parte da igreja à qual fui chamado a pastorear desde o início deste ano. Mas esta ovelha, que agora está na presença do Senhor, tem-se encontrado comigo desde um pouco antes do início do ano. Como? Através das pessoas que só podem existir porque antes delas existiu o irmão José Carvalho. Falo dos seus filhos, e particularmente da Lina e do Paulo. Para justificar isto gostaria de ir a um texto bíblico. Um texto bíblico que, soube ontem pela nossa irmã Irene, era dos preferidos do nosso irmão José Carvalho. Carta aos Hebreus, capítulo 11. Vale a pena lê-lo todo.
O que nos diz este texto? Que a fé, que "é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem", não é uma abstracção. A fé não é uma coisa que se experimenta exclusivamente em isolamento, no recato privado de quem a tem. O texto de Hebreus 11, que o nosso irmão José Carvalho tanto apreciava, deixa claro o modo como a fé não se aliena em individualidades, como em compartimentos estanques, mas manifesta-se numa passagem de geração a geração. Este texto faz um percurso único em 40 versos para nos explicar que as figuras do Velho Testamento não ficam aquém pelo facto do Salvador vir ao mundo apenas no Novo. A fé em Cristo, patente agora em todos aqueles que são transformados pela morte e ressurreição de Cristo, aplica-se também àqueles que antes dele a viveram mesmo antes da crucificação. Esta é uma verdade assinalável e que nas Escrituras brilha de maneira única neste texto. Cristo é mais poderoso do que o tempo e nunca fica fora de prazo. Quer antes, quer depois. Ora, este texto encaixa perfeitamente no exemplo da vida do nosso irmão José Carvalho.
Apesar de não ter chegado a encontrar o irmão José Carvalho, ele tem-se encontrado comigo através da fé que passou aos seus filhos. A fé não se herda dos pais mas pode e deve ser-nos transmitida por eles. Isto aconteceu com os filhos dos irmão José Carvalho. Entre outros aspectos gostaria de destacar, na fé da Lina e do Paulo, um. Os irmãos presentes conhecem tão bem ou melhor que eu os desafios e lutas que esta igreja, a Segunda Baptista de Lisboa, tem passado. Nessas contrariedades um dos sintomas mais típicos é, com a falta de renovação da comunidade, os poucos jovens que existem optarem por um lugar que lhes ofereça mais perspectivas dessa renovação. É natural que os jovens queiram juventude. Ora, a Lina e o Paulo fazem parte de um punhado de jovens que permaneceu nesta igreja, diríamos, contra tudo e contra todos. Isso impressionou-me logo no início, quando os conheci, mas tem-me continuado a impressionar à medida que tenho convivido com eles durante este ano de 2013. Estou absolutamente convencido que a persistência da fé da Lina e do Paulo está relacionada com a fé que o seu Pai lhes transmitiu. Até porque, ainda ontem numa breve conversa telefónica com a irmã Irene, ouvi dela o mesmo.
Na Igreja os nossos encontros podem não funcionar do modo como preferíamos. Mas, pela graça de Deus, esses encontros entre irmãos não estão limitados pelo contacto pessoal entre eles. A fé faz parte de uma realidade espiritual tão grande que podemos ser abençoados pela fé de pessoas que nunca chegámos a conhecer. A história das igrejas é essa mesma. Somos pequenos elos de uma história que nos ultrapassa. Uma história de fidelidade porque Deus é fiel connosco, e não porque nós lhe somos fiéis. Ou seja, só podemos ser fiéis a Deus porque Ele é garantidamente fiel a nós. Podemos encontrar-nos uns com os outros porque Deus veio ao nosso encontro primeiro. Hoje, que sabemos pela fé que o irmão José Carvalho está na presença do nosso Deus, somos convidados a continuarmos encontrados uns com os outros na fé que o Espírito Santo nos dá. A morte e a ressurreição de Cristo asseguram-nos que ninguém nos pode fazer desencontrar do Deus que amamos e louvamos esta noite.
Que Ele nos ajude e console toda a família.
terça-feira, outubro 29, 2013
Ouvir
Quando somos preguiçosos tornamos a Igreja escrava da nossa velha personalidade em vez de a servirmos com a nova criatura que Deus nos oferece.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).
Quando somos preguiçosos tornamos a Igreja escrava da nossa velha personalidade em vez de a servirmos com a nova criatura que Deus nos oferece.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).
segunda-feira, outubro 28, 2013
quinta-feira, outubro 24, 2013
Além do medo da repetição
Faço orações há cerca de trinta anos. Pelo menos desde os seis que me recordo de falar com Deus com as minhas próprias palavras. Os cristãos evangélicos são ensinados a orar espontaneamente, como crêem que a Bíblia sugere (daí não usarem o termo rezar, muito conotado com a repetição). É uma coisa óptima que pode descambar em coisa menos óptima quando não permitimos que aquilo que nos levou a orar espontaneamente nos permita também outros modos de orar aos quais nos quer levar. Ou seja, se é claro que a Bíblia nos avisa acerca do risco das orações que são vãs repetições também me parece hoje claro que a Bíblia nos oferece modelos de oração que estão além da espontaneidade. Não tenho como entrar em detalhe mas o ponto é este: a espontaneidade é um grande valor na oração mas não é o único. Só muito recentemente ganhei o hábito de orar a partir de um exercício que consiste em procurar na Bíblia as palavras para a oração. Isto, que é uma disciplina antiquíssima na história do Cristianismo, tem sido infelizmente negligenciado pelos cristãos evangélicos, devemos reconhecer.
Adiante. Um dos exercícios que faço há um par de anos é essa tal perseguição de textos bíblicos para deles roubar as minhas próprias orações. Os Salmos tornam-se incontornáveis, claro. Estou a chegar ao fim de um trajecto que foi começar pelos Salmos pelo fim e escrever as minhas orações a partir deles. Esse caminho pode ser visto aqui neste blogue: Orar a Palavra. Um dos aspectos mais significativos desta experiência é descobrir um novo dicionário para a minha débil vida de oração. A partir do momento que nos guiamos pelas palavras de outras pessoas na Bíblia, guiamo-nos também pelas ideias delas que eventualmente nunca tínhamos colocado nas nossas quando oramos. Ou seja, as orações dos outros ampliam bastante as nossas orações.
Dou um exemplo de hoje. Estava no Salmo 7 (sobre o qual retirei a oração que está abaixo). O que aconteceu foi que, por causa das palavras de David, orei uma coisa que nunca tinha arriscado orar. Aliás, as palavras que escrevi no caderninho onde as anoto e depois levei até Deus são assustadoras. Pensei: como pode a Bíblia permitir uma oração destas? Pois permite. Pensei também: andamos tão perdidos nas nossas rotinas comezinhas de oração que não ousamos quebrar a casca do sistema pronto-a-servir que nos protege de algum tipo de mudança pessoal significativa. David orou: “Senhor, se paguei com mal àquele que me fez bem, persiga o inimigo a minha alma e alcance-a.” É arrepiante.
Preciso da ajuda de Deus para ser assim. Alguém que oferece a Deus a possibilidade de eu provar as consequências do mal que provoquei aos outros, mesmo sem saber, através da violência deles sobre mim. É nesta linha de justiça implacável que o Salmo cresce em direcção à nossa conversão, oportunidade última de nos tornarmos rectos aos olhos do Criador. Orar é fogo, sobretudo quando deixamos que seja a Palavra a dar-nos as palavras.
[Oração a partir do Salmo 7]
Senhor, se paguei com mal àquele que me fez bem, persiga o inimigo a minha alma e alcance-a. Pise a minha vida sobre a terra e reduza a minha glória a pó. Como hás-de julgar todos os povos, julgar-me-ás também conforme a minha justiça e integridade. Essa garantia, que salvas os rectos de coração, é o meu escudo. Só posso converter-me a ti. Em nome de Jesus, amén.
Faço orações há cerca de trinta anos. Pelo menos desde os seis que me recordo de falar com Deus com as minhas próprias palavras. Os cristãos evangélicos são ensinados a orar espontaneamente, como crêem que a Bíblia sugere (daí não usarem o termo rezar, muito conotado com a repetição). É uma coisa óptima que pode descambar em coisa menos óptima quando não permitimos que aquilo que nos levou a orar espontaneamente nos permita também outros modos de orar aos quais nos quer levar. Ou seja, se é claro que a Bíblia nos avisa acerca do risco das orações que são vãs repetições também me parece hoje claro que a Bíblia nos oferece modelos de oração que estão além da espontaneidade. Não tenho como entrar em detalhe mas o ponto é este: a espontaneidade é um grande valor na oração mas não é o único. Só muito recentemente ganhei o hábito de orar a partir de um exercício que consiste em procurar na Bíblia as palavras para a oração. Isto, que é uma disciplina antiquíssima na história do Cristianismo, tem sido infelizmente negligenciado pelos cristãos evangélicos, devemos reconhecer.
Adiante. Um dos exercícios que faço há um par de anos é essa tal perseguição de textos bíblicos para deles roubar as minhas próprias orações. Os Salmos tornam-se incontornáveis, claro. Estou a chegar ao fim de um trajecto que foi começar pelos Salmos pelo fim e escrever as minhas orações a partir deles. Esse caminho pode ser visto aqui neste blogue: Orar a Palavra. Um dos aspectos mais significativos desta experiência é descobrir um novo dicionário para a minha débil vida de oração. A partir do momento que nos guiamos pelas palavras de outras pessoas na Bíblia, guiamo-nos também pelas ideias delas que eventualmente nunca tínhamos colocado nas nossas quando oramos. Ou seja, as orações dos outros ampliam bastante as nossas orações.
Dou um exemplo de hoje. Estava no Salmo 7 (sobre o qual retirei a oração que está abaixo). O que aconteceu foi que, por causa das palavras de David, orei uma coisa que nunca tinha arriscado orar. Aliás, as palavras que escrevi no caderninho onde as anoto e depois levei até Deus são assustadoras. Pensei: como pode a Bíblia permitir uma oração destas? Pois permite. Pensei também: andamos tão perdidos nas nossas rotinas comezinhas de oração que não ousamos quebrar a casca do sistema pronto-a-servir que nos protege de algum tipo de mudança pessoal significativa. David orou: “Senhor, se paguei com mal àquele que me fez bem, persiga o inimigo a minha alma e alcance-a.” É arrepiante.
Preciso da ajuda de Deus para ser assim. Alguém que oferece a Deus a possibilidade de eu provar as consequências do mal que provoquei aos outros, mesmo sem saber, através da violência deles sobre mim. É nesta linha de justiça implacável que o Salmo cresce em direcção à nossa conversão, oportunidade última de nos tornarmos rectos aos olhos do Criador. Orar é fogo, sobretudo quando deixamos que seja a Palavra a dar-nos as palavras.
[Oração a partir do Salmo 7]
Senhor, se paguei com mal àquele que me fez bem, persiga o inimigo a minha alma e alcance-a. Pise a minha vida sobre a terra e reduza a minha glória a pó. Como hás-de julgar todos os povos, julgar-me-ás também conforme a minha justiça e integridade. Essa garantia, que salvas os rectos de coração, é o meu escudo. Só posso converter-me a ti. Em nome de Jesus, amén.
terça-feira, outubro 22, 2013
Acerca da minha curta participação na reportagem da RTP sobre o Papa
Ontem passou na RTP uma reportagem sobre o Papa Francisco I na qual 30 segundos me foram atribuídos. Podem vê-la aqui. A edição televisiva é assim e cerca de meia-hora de conversa e a captação de imagens de um serviço de culto na Lapa foram reduzidos a meio minuto. Não me queixo porque, depois de mais de uma década de experiência em televisão, sei que nem tudo o que se filma é o que se mostra. A jornalista Rosário Silveira falou com muita gente e optou em função do texto que tinha em mente (todas as peças jornalísticas correspondem na montagem a algum tipo de texto que o jornalista tem em mente). A ironia é que, tendo eu e a Rosário conversado longamente acerca do modo como a popularidade do Papa precisa de ser examinada com profundidade, o resultado final da reportagem parece-me ter sugerido mais um momento de aclamação ligeira ao Pontífice. Isto porque há um tom de benevolência comum a todos os entrevistados (ou seja, em uns há pura adoração mas até quando outros trazem questões, que nesse caso sou eu e o Anselmo Borges - que parelha improvável!, a perspectiva mantém-se sobretudo positiva). Respeitando todas as opções que a reportagem escolheu, gostava apenas de partilhar algumas das coisas que conversei com a Rosário e que naturalmente não apareceram na peça.
Conversámos acerca de saber se os pronunciamentos do Papa, sobretudo aqueles que têm merecido mais debate, correspondiam a uma estratégia, a uma falta dela (por exemplo, pelo factor da mencionada extroversão latino-americana, bem diferente do temperamento europeu), ou a uma mistura das duas. Independentemente das conclusões que tiremos acerca disto ainda cabe a Francisco provar pelo menos duas coisas:
1. Que esta é a maneira certa de chamar aqueles os católicos romanos que não estão em comunhão plena com a igreja.
2. Que esta é a maneira certa de Roma atrair aqueles que ainda não sentem que devem fazer parte dela.
Também conversei com a Rosário sobre uma coisa que já noutras alturas tenho escrito. Há maneiras de amar este Papa que são maneiras de odiar a Igreja Católica Romana. Nesse sentido creio ser contraproducente esta onda de elogio ao Papa porque muitas pessoas elogiam-no apenas na medida em que sentem que atacam o Vaticano. Diria aos meus companheiros católicos romanos para não ganharem muitas expectativas futuras quando, por exemplo, a imprensa explora em caricatura as diferenças entre Bento e Francisco retratando o primeiro sentado pesada e faustosamente no trono doirado e o segundo repousando jovialmente com os seus velhos sapatos e com ar de quem pede pela cadeira de campismo. Esta simpatia fresca pode ser um presente envenenado. Nesse sentido e no que diz respeito à questão das suas propriedades, a Igreja Católica Romana será sempre presa por ter cão e por não ter. Colocando de uma maneira simples: se Roma não tivesse guardado os tesouros de séculos seria acusada de negligência. Porque os guardou é acusada de ostentação.
Ainda conversei com a Rosário acerca da minha discórdia com o que se diz ser um desejo de Francisco I de voltar à essência da fé. Ou seja, que o Papa julga estar a voltar à essência da fé, não disputo. O que disputo é que o modo como fala acerca de regressar à essência da fé seja efectivamente um regresso a ela. Sobretudo por três razões, que apresento muito resumidamente:
1. O Papa tem acompanhado as afirmações de busca por um núcleo fundamental do credo (com as quais frequentemente concordo e frequentemente discordo) com frases ambíguas que na prática parecem relativizá-lo (quem entra no Céu, quem é ele para condenar a homossexualidade, entre os exemplos mais óbvios).
2. Estas declarações que considero ambíguas passam a ideia que que os cristãos católicos (e mesmo todos os outros) têm uma obsessão com os temas éticos (como a homossexualidade, o aborto, entre outros). Não me parece verdadeiro. Quantas vezes são faladas na rotina da Igreja Católica Romana e de outras e quantas vezes são faladas pelos cristãos na sua rotina fora das suas comunidades de fé?
3. São declarações que, mesmo que não o queiram, em termos práticos me parecem render-se a um clima de relativismo. Abandonando na linha na frente dos poucos que realmente estão a travar estas lutas, com esforço e prejuízos nas relações que estabelecem com quem não crê.
A participação na reportagem televisiva foi uma boa oportunidade mas espero que isto dê mais esclarecimento ao meio minuto que passou. De resto, é provável que este assunto seja um work in progress.
Ontem passou na RTP uma reportagem sobre o Papa Francisco I na qual 30 segundos me foram atribuídos. Podem vê-la aqui. A edição televisiva é assim e cerca de meia-hora de conversa e a captação de imagens de um serviço de culto na Lapa foram reduzidos a meio minuto. Não me queixo porque, depois de mais de uma década de experiência em televisão, sei que nem tudo o que se filma é o que se mostra. A jornalista Rosário Silveira falou com muita gente e optou em função do texto que tinha em mente (todas as peças jornalísticas correspondem na montagem a algum tipo de texto que o jornalista tem em mente). A ironia é que, tendo eu e a Rosário conversado longamente acerca do modo como a popularidade do Papa precisa de ser examinada com profundidade, o resultado final da reportagem parece-me ter sugerido mais um momento de aclamação ligeira ao Pontífice. Isto porque há um tom de benevolência comum a todos os entrevistados (ou seja, em uns há pura adoração mas até quando outros trazem questões, que nesse caso sou eu e o Anselmo Borges - que parelha improvável!, a perspectiva mantém-se sobretudo positiva). Respeitando todas as opções que a reportagem escolheu, gostava apenas de partilhar algumas das coisas que conversei com a Rosário e que naturalmente não apareceram na peça.
Conversámos acerca de saber se os pronunciamentos do Papa, sobretudo aqueles que têm merecido mais debate, correspondiam a uma estratégia, a uma falta dela (por exemplo, pelo factor da mencionada extroversão latino-americana, bem diferente do temperamento europeu), ou a uma mistura das duas. Independentemente das conclusões que tiremos acerca disto ainda cabe a Francisco provar pelo menos duas coisas:
1. Que esta é a maneira certa de chamar aqueles os católicos romanos que não estão em comunhão plena com a igreja.
2. Que esta é a maneira certa de Roma atrair aqueles que ainda não sentem que devem fazer parte dela.
Também conversei com a Rosário sobre uma coisa que já noutras alturas tenho escrito. Há maneiras de amar este Papa que são maneiras de odiar a Igreja Católica Romana. Nesse sentido creio ser contraproducente esta onda de elogio ao Papa porque muitas pessoas elogiam-no apenas na medida em que sentem que atacam o Vaticano. Diria aos meus companheiros católicos romanos para não ganharem muitas expectativas futuras quando, por exemplo, a imprensa explora em caricatura as diferenças entre Bento e Francisco retratando o primeiro sentado pesada e faustosamente no trono doirado e o segundo repousando jovialmente com os seus velhos sapatos e com ar de quem pede pela cadeira de campismo. Esta simpatia fresca pode ser um presente envenenado. Nesse sentido e no que diz respeito à questão das suas propriedades, a Igreja Católica Romana será sempre presa por ter cão e por não ter. Colocando de uma maneira simples: se Roma não tivesse guardado os tesouros de séculos seria acusada de negligência. Porque os guardou é acusada de ostentação.
Ainda conversei com a Rosário acerca da minha discórdia com o que se diz ser um desejo de Francisco I de voltar à essência da fé. Ou seja, que o Papa julga estar a voltar à essência da fé, não disputo. O que disputo é que o modo como fala acerca de regressar à essência da fé seja efectivamente um regresso a ela. Sobretudo por três razões, que apresento muito resumidamente:
1. O Papa tem acompanhado as afirmações de busca por um núcleo fundamental do credo (com as quais frequentemente concordo e frequentemente discordo) com frases ambíguas que na prática parecem relativizá-lo (quem entra no Céu, quem é ele para condenar a homossexualidade, entre os exemplos mais óbvios).
2. Estas declarações que considero ambíguas passam a ideia que que os cristãos católicos (e mesmo todos os outros) têm uma obsessão com os temas éticos (como a homossexualidade, o aborto, entre outros). Não me parece verdadeiro. Quantas vezes são faladas na rotina da Igreja Católica Romana e de outras e quantas vezes são faladas pelos cristãos na sua rotina fora das suas comunidades de fé?
3. São declarações que, mesmo que não o queiram, em termos práticos me parecem render-se a um clima de relativismo. Abandonando na linha na frente dos poucos que realmente estão a travar estas lutas, com esforço e prejuízos nas relações que estabelecem com quem não crê.
A participação na reportagem televisiva foi uma boa oportunidade mas espero que isto dê mais esclarecimento ao meio minuto que passou. De resto, é provável que este assunto seja um work in progress.
Ouvir
O mais grave no pecado da preguiça nem é o que se revela que ainda não fazemos. O mais grave no pecado da preguiça é o que se revela do que o Espírito Santo ainda não fez em nós.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).
O mais grave no pecado da preguiça nem é o que se revela que ainda não fazemos. O mais grave no pecado da preguiça é o que se revela do que o Espírito Santo ainda não fez em nós.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).
sexta-feira, outubro 18, 2013
A minha alma gémea
Ontem fiz 36 anos e estou a acabar de escrever um livro sobre o casamento que, se Deus permitir, deve sair em breve. Numa parte do livro tento explicar que, no que diz respeito ao matrimónio, não há almas gémeas. Mas com isto não quero dizer em termos absolutos que não existem almas gémeas, porque por experiência sei do contrário. Eu tenho uma alma gémea. No sentido mais literal. Quando nasci há 36 anos vinha, com a minha alma, outra alma, a da minha irmã gémea.
Um dos aspectos mais fascinantes de ter uma alma gémea é que a excepção torna-se regra. Por exemplo, uma festa de anos de uma pessoa só sempre me pareceu uma excentricidade. Foi preciso ter os meus próprios filhos e organizar-lhes as festas para por fim sentir que o mundo geralmente celebra aniversários alma por alma e não aos pares (apesar de costumarmos juntar as festas dos nossos filhos de Novembro, que têm um ano e um dia de diferença, e as festas dos nossos filhos de Maio, que têm seis anos e oito dias de diferença). Por outro lado, se pensar que até aos 23 anos vivi na companhia constante da minha irmã gémea (que casou um ano antes de mim) e que aos 24 casei e passei a viver na companhia constante da minha mulher, devo reconhecer que nunca me senti sozinho, mesmo quando me ter sentido sozinho teria feito pela minha maturidade. A solidão é uma experiência que a rigor nunca senti.
Também houve conclusões precipitadas que tirei do facto de ter uma alma gémea, neste caso do sexo oposto. Até à adolescência da minha irmã eu estava genuinamente convencido que compreendia as mulheres. Depois da adolescência da minha irmã, que começou mais cedo que a minha, a única vantagem que tinha em relação aos outros rapazes é que já tinha desistido de compreender as mulheres quando eles ainda se esforçavam. A ironia é que viver tão perto de uma menina nunca me impediu de ser muito tímido com todas as outras. Ainda hoje estou para saber se ter tido uma irmã gémea é ou não uma vantagem na relação com pessoas do outro sexo. Talvez a pessoa mais esclarecida para responder a isto seja a minha mulher.
Uma das partes complicadas de ter uma alma gémea é, sobretudo nos dias do nosso aniversário, reconhecer que podemos sobreviver-lhes. A vida tem uma capacidade de transformação tal que, a pessoa com quem crescemos julgando não ser possível crescer sem ela, pode deixar de existir sem que a nossa existência vá com ela. Explico. Pela graça de Deus a minha alma gémea não só está viva como tenho o privilégio de continuar a conviver com ela. Mas aprendi que a minha vida hoje não depende da vida que não conseguia dissociar da minha até aos 23 anos. Esta é uma lição dura mas necessária, que nos ajuda a compreender que a família à qual somos chamados a servir deixa de ser a família que nos serviu. Claro que a minha alma gémea, os meus pais e a minha outra irmã (que é 5 anos mais velha), nunca deixarão de ser minha família. Mas a família da qual faço parte hoje em essência é a minha mulher e os nossos filhos.
A minha mãe explicava isto mostrando-nos ontem um poema que escreveu acerca de mim e das minhas irmãs quando éramos miúdos (e revelando simultaneamente que é uma poetisa em segredo): "Vós sois a herança do Senhor,/ as setas de que falava o poeta,/ de quem nós somos simples arcos./ A nossa missão é lançar-vos para a longe, para a vida./ Pois vós não sois nossos./ Apenas por breves anos Deus vos colocou à nossa guarda./ Assim, tomai tudo o que vos pudemos dar e parti.
Parti no caminho que nós trilhámos/ e colhei as bênçãos que o Senhor prometeu àqueles que O amam,/ de geração em geração." Estas palavras baseiam-se no Salmo 127 e confirmam a tal lição dura e necessária de que o trabalho dos pais não é fazerem depender de si a identidade dos filhos mas conduzi-los a serem pais de outros. Para uma cultura demasiado narcisista pode parecer frio que os pais ensinem os filhos a terem de amar mais a família que terão que a família que os teve. Mas este é um resultado de reconhecermos que o mundo não está dependente da nossa existência em particular mas do facto da nossa existência servir de elo para a existência de outros.
Dito isto, o meu dia de aniversário pode ser de sentimentos contraditórios por causa da minha alma gémea. Porque ao lembrar-me do meu aniversário não posso esquecer o dela. A minha vida, mesmo que saudavelmente já não dependa de sentir a dela omnipresente, será sempre marcada pela dela. Ontem tentava tornar isto em alegria e não em tristeza (porque nos nossos dias de aniversário é fácil concluir que podíamos passar mais tempo juntos e a culpa tende a ser minha). A grande alegria é ensinar os meus filhos, que não tiveram a alma gémea que eu tive, a terem entre si o mesmo tipo de amor que eu tive com a Sara. Porque esse amor, mesmo que mude e passe a servir amores novos, é uma das coisas mais doces que se pode provar. É uma seta para o futuro. Enquanto existirem irmãos o mundo é um lugar muito habitável.
Ontem fiz 36 anos e estou a acabar de escrever um livro sobre o casamento que, se Deus permitir, deve sair em breve. Numa parte do livro tento explicar que, no que diz respeito ao matrimónio, não há almas gémeas. Mas com isto não quero dizer em termos absolutos que não existem almas gémeas, porque por experiência sei do contrário. Eu tenho uma alma gémea. No sentido mais literal. Quando nasci há 36 anos vinha, com a minha alma, outra alma, a da minha irmã gémea.
Um dos aspectos mais fascinantes de ter uma alma gémea é que a excepção torna-se regra. Por exemplo, uma festa de anos de uma pessoa só sempre me pareceu uma excentricidade. Foi preciso ter os meus próprios filhos e organizar-lhes as festas para por fim sentir que o mundo geralmente celebra aniversários alma por alma e não aos pares (apesar de costumarmos juntar as festas dos nossos filhos de Novembro, que têm um ano e um dia de diferença, e as festas dos nossos filhos de Maio, que têm seis anos e oito dias de diferença). Por outro lado, se pensar que até aos 23 anos vivi na companhia constante da minha irmã gémea (que casou um ano antes de mim) e que aos 24 casei e passei a viver na companhia constante da minha mulher, devo reconhecer que nunca me senti sozinho, mesmo quando me ter sentido sozinho teria feito pela minha maturidade. A solidão é uma experiência que a rigor nunca senti.
Também houve conclusões precipitadas que tirei do facto de ter uma alma gémea, neste caso do sexo oposto. Até à adolescência da minha irmã eu estava genuinamente convencido que compreendia as mulheres. Depois da adolescência da minha irmã, que começou mais cedo que a minha, a única vantagem que tinha em relação aos outros rapazes é que já tinha desistido de compreender as mulheres quando eles ainda se esforçavam. A ironia é que viver tão perto de uma menina nunca me impediu de ser muito tímido com todas as outras. Ainda hoje estou para saber se ter tido uma irmã gémea é ou não uma vantagem na relação com pessoas do outro sexo. Talvez a pessoa mais esclarecida para responder a isto seja a minha mulher.
Uma das partes complicadas de ter uma alma gémea é, sobretudo nos dias do nosso aniversário, reconhecer que podemos sobreviver-lhes. A vida tem uma capacidade de transformação tal que, a pessoa com quem crescemos julgando não ser possível crescer sem ela, pode deixar de existir sem que a nossa existência vá com ela. Explico. Pela graça de Deus a minha alma gémea não só está viva como tenho o privilégio de continuar a conviver com ela. Mas aprendi que a minha vida hoje não depende da vida que não conseguia dissociar da minha até aos 23 anos. Esta é uma lição dura mas necessária, que nos ajuda a compreender que a família à qual somos chamados a servir deixa de ser a família que nos serviu. Claro que a minha alma gémea, os meus pais e a minha outra irmã (que é 5 anos mais velha), nunca deixarão de ser minha família. Mas a família da qual faço parte hoje em essência é a minha mulher e os nossos filhos.
A minha mãe explicava isto mostrando-nos ontem um poema que escreveu acerca de mim e das minhas irmãs quando éramos miúdos (e revelando simultaneamente que é uma poetisa em segredo): "Vós sois a herança do Senhor,/ as setas de que falava o poeta,/ de quem nós somos simples arcos./ A nossa missão é lançar-vos para a longe, para a vida./ Pois vós não sois nossos./ Apenas por breves anos Deus vos colocou à nossa guarda./ Assim, tomai tudo o que vos pudemos dar e parti.
Parti no caminho que nós trilhámos/ e colhei as bênçãos que o Senhor prometeu àqueles que O amam,/ de geração em geração." Estas palavras baseiam-se no Salmo 127 e confirmam a tal lição dura e necessária de que o trabalho dos pais não é fazerem depender de si a identidade dos filhos mas conduzi-los a serem pais de outros. Para uma cultura demasiado narcisista pode parecer frio que os pais ensinem os filhos a terem de amar mais a família que terão que a família que os teve. Mas este é um resultado de reconhecermos que o mundo não está dependente da nossa existência em particular mas do facto da nossa existência servir de elo para a existência de outros.
Dito isto, o meu dia de aniversário pode ser de sentimentos contraditórios por causa da minha alma gémea. Porque ao lembrar-me do meu aniversário não posso esquecer o dela. A minha vida, mesmo que saudavelmente já não dependa de sentir a dela omnipresente, será sempre marcada pela dela. Ontem tentava tornar isto em alegria e não em tristeza (porque nos nossos dias de aniversário é fácil concluir que podíamos passar mais tempo juntos e a culpa tende a ser minha). A grande alegria é ensinar os meus filhos, que não tiveram a alma gémea que eu tive, a terem entre si o mesmo tipo de amor que eu tive com a Sara. Porque esse amor, mesmo que mude e passe a servir amores novos, é uma das coisas mais doces que se pode provar. É uma seta para o futuro. Enquanto existirem irmãos o mundo é um lugar muito habitável.
quarta-feira, outubro 16, 2013
Ouvir
Quando assistimos um baptismo não estamos a olhar para a vontade que um cristão tem de pertencer ao Espírito Santo mas a reconhecer que o Espírito Santo já possui essa pessoa. Porque o arrependimento dos seus pecados e a declaração pública que Jesus Cristo é o Filho de Deus só podem existir pela intervenção do Espírito Santo.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).
Quando assistimos um baptismo não estamos a olhar para a vontade que um cristão tem de pertencer ao Espírito Santo mas a reconhecer que o Espírito Santo já possui essa pessoa. Porque o arrependimento dos seus pecados e a declaração pública que Jesus Cristo é o Filho de Deus só podem existir pela intervenção do Espírito Santo.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).
segunda-feira, outubro 14, 2013
Verde tinto
Uma definição possível de um grande disco é aquele que me impede de passar o semáforo em modo verde tinto e me faz travar no amarelo para ter mais tempo para ouvir as canções outra vez. Esse grande disco é "Coração no Chão" do João Só.
Uma definição possível de um grande disco é aquele que me impede de passar o semáforo em modo verde tinto e me faz travar no amarelo para ter mais tempo para ouvir as canções outra vez. Esse grande disco é "Coração no Chão" do João Só.
sexta-feira, outubro 11, 2013
Este Fim-de-Semana Cheio na Lapa
Durante anos a Igreja Baptista de S. Domingos de Benfica organizou palestras com evangélicos e com intelectuais (escritores, jornalistas, políticos), concertos com músicos independentes (sobretudo da FlorCaveira) e entrevistas com humoristas. Foram eventos que muitas vezes lotaram aquele espaço pequeno, exemplificando que a fé não tem alternativa a dialogar com a cultura.
Nos últimos dois anos, e com a tarefa de consolidar a autonomia da Igreja, não tivemos como continuar essa boa tradição. Este Fim-de-Semana retomamo-la numa versão concentrada em três dias e com condições para recebermos mais pessoas. Desejamos esta Sexta-Feira, Sábado e Domingo abrir a Igreja na Lapa a todos aqueles que já crêem e a todos os outros para partilharem connosco de eventos únicos, que vão de conversas, a concertos, à pura pregação do Evangelho.
Esta noite começaremos com três vozes que na nova geração se têm destacado no jornalismo. O João Miguel Tavares é um cronista que tem nos últimos anos colaborado na imprensa escrita e no famoso “Governo Sombra”, programa de rádio e tv. A Rita Marrafa de Carvalho é um dos rostos da RTP sobretudo no que diz respeito à cada vez mais em vias de extinção arte da reportagem (o seu serviço no “30 Minutos” está na nossa memória). O Pedro Benevides é também um dos rostos mais dinâmicos da RTP, principalmente na actualidade política, e presença constante no recente “Sexta Às 9”. A moderar a conversa acerca dos limites de contar histórias estará a Adelaide Sousa Richardson, rosto conhecido da televisão portuguesa há perto de duas décadas e membro da Igreja Baptista de S. Domingos de Benfica.
Sábado as 10 da manhã arrancam com a pregação do Pr. Tiago Oliveira, recém-chegado do Mississipi. O Pr. Tiago orientou a Igreja Baptista da Graça e agora estuda nos Estados Unidos com a sua família (Marta, Tiago, David e Ruben). É apoiado pela igreja onde pregará amanhã de manhã. O almoço internacional é uma oportunidade de convívio à mesa, marca da Igreja reunida na Lapa. Às 16h teremos uma estreia musical com o concerto do Manuel Ferreira na entrada da Igreja. O Manuel é ainda desconhecido da maior parte mas prepara-se para editar em breve um pequeno disco pela FlorCaveira. Às 21h receberemos o Samuel Úria, que já é da casa, que nos apresentará um concerto com a presença do nosso vizinho do bairro, o João Só (que tem o seu último disco a tocar constantemente nas rádios do País).
Domingo segue a tradição de todos os Domingos (com Escola Dominical às 10h30 e Culto às 11h30) sendo que o culto da tarde acaba da melhor maneira possível. Baptizaremos duas pessoas às 16h. É para isto que a igreja serve e por isso gostaríamos de vos encontrar na Lapa - para servir o mundo em amizade principalmente obedecendo ao mandamento de Jesus de pregar o evangelho e baptizar arrependidos. Vamos a isso!
Durante anos a Igreja Baptista de S. Domingos de Benfica organizou palestras com evangélicos e com intelectuais (escritores, jornalistas, políticos), concertos com músicos independentes (sobretudo da FlorCaveira) e entrevistas com humoristas. Foram eventos que muitas vezes lotaram aquele espaço pequeno, exemplificando que a fé não tem alternativa a dialogar com a cultura.
Nos últimos dois anos, e com a tarefa de consolidar a autonomia da Igreja, não tivemos como continuar essa boa tradição. Este Fim-de-Semana retomamo-la numa versão concentrada em três dias e com condições para recebermos mais pessoas. Desejamos esta Sexta-Feira, Sábado e Domingo abrir a Igreja na Lapa a todos aqueles que já crêem e a todos os outros para partilharem connosco de eventos únicos, que vão de conversas, a concertos, à pura pregação do Evangelho.
Esta noite começaremos com três vozes que na nova geração se têm destacado no jornalismo. O João Miguel Tavares é um cronista que tem nos últimos anos colaborado na imprensa escrita e no famoso “Governo Sombra”, programa de rádio e tv. A Rita Marrafa de Carvalho é um dos rostos da RTP sobretudo no que diz respeito à cada vez mais em vias de extinção arte da reportagem (o seu serviço no “30 Minutos” está na nossa memória). O Pedro Benevides é também um dos rostos mais dinâmicos da RTP, principalmente na actualidade política, e presença constante no recente “Sexta Às 9”. A moderar a conversa acerca dos limites de contar histórias estará a Adelaide Sousa Richardson, rosto conhecido da televisão portuguesa há perto de duas décadas e membro da Igreja Baptista de S. Domingos de Benfica.
Sábado as 10 da manhã arrancam com a pregação do Pr. Tiago Oliveira, recém-chegado do Mississipi. O Pr. Tiago orientou a Igreja Baptista da Graça e agora estuda nos Estados Unidos com a sua família (Marta, Tiago, David e Ruben). É apoiado pela igreja onde pregará amanhã de manhã. O almoço internacional é uma oportunidade de convívio à mesa, marca da Igreja reunida na Lapa. Às 16h teremos uma estreia musical com o concerto do Manuel Ferreira na entrada da Igreja. O Manuel é ainda desconhecido da maior parte mas prepara-se para editar em breve um pequeno disco pela FlorCaveira. Às 21h receberemos o Samuel Úria, que já é da casa, que nos apresentará um concerto com a presença do nosso vizinho do bairro, o João Só (que tem o seu último disco a tocar constantemente nas rádios do País).
Domingo segue a tradição de todos os Domingos (com Escola Dominical às 10h30 e Culto às 11h30) sendo que o culto da tarde acaba da melhor maneira possível. Baptizaremos duas pessoas às 16h. É para isto que a igreja serve e por isso gostaríamos de vos encontrar na Lapa - para servir o mundo em amizade principalmente obedecendo ao mandamento de Jesus de pregar o evangelho e baptizar arrependidos. Vamos a isso!
terça-feira, outubro 08, 2013
Ouvir
Épocas de renovação de compromisso têm sempre 3 partes: 1) em que o povo regressa aos textos bíblicos para recordar o que Deus o chamou a ser e a fazer. 2) em que se olha para a fase seguinte, para os novos desafios que se avizinham. E 3) em que se rededica a Deus as vidas e os recursos para o próximo estágio do caminho.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).
Épocas de renovação de compromisso têm sempre 3 partes: 1) em que o povo regressa aos textos bíblicos para recordar o que Deus o chamou a ser e a fazer. 2) em que se olha para a fase seguinte, para os novos desafios que se avizinham. E 3) em que se rededica a Deus as vidas e os recursos para o próximo estágio do caminho.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).
segunda-feira, outubro 07, 2013
Ler Jung por causa de ler Job, parte II
Aqui há uns anos, quando fazia crítica literária para a Time Out e para a Revista Ler (isto assim soa pomposo), pedi à Relógio d'Água um livro. Quando mo fizeram chegar enviavam outro de presente: "A Interpretação dos Sonhos" do Freud. Fiquei sem saber se seria algum tipo de recado por eventualmente acharem que os meus textos precisavam de psicanálise. O certo é que passado algum tempo acabei por ler aquela oferta e pôr fim a trinta e poucos anos sem contacto directo com o Doutor Austríaco. A experiência não foi propriamente fácil ("A Interpretação dos Sonhos" foi para mim um início divertido pela novidade do psico-jogo e depois um desenvolvimento e uma conclusão em que a pessoa sente vontade de dizer: "foi engraçado das primeiras vezes mas já chega"). O certo é que ainda avancei para o "Moisés e o Monoteísmo", que em comparação se leu muito bem, e tenho interesse de continuar a dar chances ao Freud.
Como tinha referência do contacto entre Jung e Freud, parti para o "Answer to Job" com a ideia que me ajudaria a contrariar minha ignorância global sobre a psicologia e a psiquiatria (aceitem por favor o meu uso não-rigoroso dos termos). Tenho muito caminho a fazer e não vale a pena querer especializar-me. No entanto, creio que qualquer pregador deve procurar um conhecimento mínimo sobre o assunto na medida em que a psicologia é hoje no Ocidente, e em termos práticos, uma religião. No sentido em que oferece à grande maioria das pessoas uma visão genérica dos significados possíveis para a existência. Isto vai muito além da Academia. A democratização da psicologia vê-se no modo com em qualquer conversa de cabeleireiro a esteticista amável recomenda o seu terapeuta à freguesa triste, a criança desanimada na escola é corrida para os braços prontos do psicólogo escolar, ou o empreendedor bem-sucedido aproveita uma pausa na conferência não-oficial-mas-quase-TED para informar o seu auditório do quanto a sua vida mudou por lhe ter caído uma ficha mental que até então estava perdida. A psicologia é uma religião que muitos lhe podem negar o credo mas que poucos lhe recusam os sacramentos.
Continuando a simplificar muito, há entre os cristãos uma relação pendular com a psicologia. Há aqueles que a tentam incorporar naturalmente na fé. Há uns anos estava num painel de comentadores numa conferência na Feira do Livro com um senhor católico romano que em directo empreendia uma leitura psicanalítica do livro de Tobias, fazendo do Sigmund quase Pai da Igreja. Mesmo no meio das Igrejas Evangélicas é hoje reconhecível, sobretudo entre pentecostais (que costumavam diabolizar qualquer coisas que lhes soasse próxima da psicologia), uma popularidade crescente dos terapeutas. Trocou-se o tom de voz exaltado pelo tom de voz sereno e lento e as lágrimas vertem-se já não nos momentos em que se garante milagres mas nos momentos em que se detecta patologias. Por outro lado, muitos cristãos continuam a acreditar que fé e psicologia são água e azeite. No meio evangélico há um surgimento recente de conselheiros zelosos pela sola scriptura nestas matérias (o "Nouthetic counseling"), e mesmo entre católicos romanos tenho ouvido vozes firmes em rejeitar os charmes da psicologia. A verdade é que continuo à procura de uma posição mais sólida do que aquela que tenho por enquanto. Até porque estou cercado de cristãos e não-cristão que se formaram em psicologia e na maior parte das vezes aprendo com eles.
Uma parte de mim reage à negligência de muitos cristãos não se aperceberem que media is the message e que muitas das práticas (que podem ser muito diversas entre si) da psicologia moderna não devem ser isoladas da visão sobre o mundo sobre a qual foram formadas. Ora, essa visão do mundo frequentemente parece-me pura e simplesmente incompatível com o cristianismo. Mas outra parte de mim também receia uma violência sobre a Bíblia de a colocar a abrir consultório para assinar receitas que nunca quis sugerir. E o cristianismo nunca foi inimigo da ciência, do estudo da Criação e das criaturas. Seguramente sei que, como Pastor e pessoa que aconselha pessoas, devo ler acima de tudo a Palavra que, eu e as pessoas que aconselho, reconhecemos ser revelação do próprio Deus, e portanto suficiente (2 Timóteo 3:16). Sei também que devo continuar a ler em boa-fé, e com um espírito de quem quer aprender, aqueles que não crendo na Bíblia me podem ensinar acerca de coisas sobre as quais ela não fala clinicamente.
Voltando ao "Answer to Job". Não posso deixar de concluir uma coisa quando leio as grandes figuras da psicologia. E sei que é uma conclusão que pode ser acusada de um bom grau de simplismo. Mas é sincera (e, caramba, não foi inventada por mim porque eu não teria calibre para esta cilindrada). Todas as grandes figuras da psicologia se comportam como gnósticos. Não tenho como resumir bem o gnosticismo mas devo dizer que o gnosticismo preocupa as pessoas sobretudo com a ideia que viver bem é compreender bem. Nesse sentido, a salvação é uma questão de iluminação, de chegar ao raciocínio certo (o que pode produzir uma religião tão cerebral quanto mística - aliás, não é casual que Freud se comporte como um médico e Jung como um devoto). Hoje as pessoas lidam consigo próprias principalmente através do que concluem acerca delas mesmas. Parece muito libertador mas na prática joga-as num tabuleiro enlouquecedor de tirar resultados de todas as experiências que tiveram. Logo o El Dorado é alcançar quem nos vai ajudar a triangular para o Futuro a mistura entre o Presente que ajusta contas com o Passado. Pode ser um psicólogo, um terapeuta, uma bruxa ou até, céus, um pastor. O adepto da psicologia torna-se também um gnóstico prático porque assim que atinge a chave de leitura correcta da sua existência (no gnosticismo antigo, a tal iluminação) não tem necessariamente o fim dos seus problemas mas pelo menos sente que se vai salvando quotidianamente pelo facto de compreender-se melhor.
No caso de "Answer To Job", Jung saca uma tese única a partir de uma leitura fresca do livro de Job. Para concluir que não é Job que se arrepende no fim do livro mas Deus que o faz ao longo de todo ele. Ninguém pode tirar o mérito da imaginação a Jung (e digo isto sem qualquer ironia). Aliás, em "Answer To Job" não é só a teoria tradicional do livro de Job que é relida mas toda a Bíblia. É também isto que torna o volume uma leitura obrigatória. Uma das forças de Jung é esta criatividade, que cativa os leitores a um ritmo rápido de observações inesperadas e pertinentes. A sua debilidade é fazer depender tudo isto em leituras de localização estreita no texto (por exemplo, Jack Miles, seguidor da tese Jobiana de Jung, arruma a questão numa leitura bastante heterodoxa de cerca dos seis versos iniciais do capítulo 42). Ler Jung vale cada cêntimo do preço do livro. Mas a solidez das suas propostas muitas vezes sabe a liquidação total (imperdível por exemplo lê-lo a psicanalisar o dogma católico romano da Assunção de Maria - um elogio que faz a Roma que dificilmente Roma toma como elogio).
Ora, permitam-me transferir genericamente as virtudes e os vícios de Jung para a psicologia. Por muito emocionante que seja a psicologia (e é), ela é sobretudo parada porque extática (do êxtase que se produz pelo conhecimento dialéctico que alcançamos acerca de nós próprios). Não chega a arrancar do sítio. Um dos dispositivos passa por encontrar na imanência qualidades infindáveis (vistas em frases como "a resposta está em nós", "as verdadeiras lutas ganhamo-las dentro do nosso cérebro", "é bom porque é orgânico", "um homem é uma multidão", etc.) e, necessariamente, denegrir a transcendência. E é aqui que os cristãos devem compreender, pelo menos, parte do problema. Porque a fé cristã é uma fé em que o homem não tem como iluminar-se sozinho. A transcendência é hoje muito odiada porque soa a batota a um mundo que se convenceu que há-de encontrar sempre a solução para os seus problemas nos seus próprios recursos. Que orgulho tiramos afinal de dizermos que o melhor que somos se baseia em Deus e não em nós? Provavelmente nenhum. Para os crentes essa é a melhor notícia possível.
A psicologia parece muitas vezes irresistível porque saca do material de sempre, as pessoas, novos significados. O cristianismo saca dos velhos significados, pessoas novas. E fá-lo por intervenção directa de Deus, através do Espírito Santo que nos invade a vida. Soa meio ficção científica? Acredito que sim. Mas diria que os méritos da psicologia moderna, com a sua convicção persistente que é sempre possível tirar algum tipo de soluções do auto-conhecimento, não são assim tão distantes do mesmo género de fantástico. Ficamos assim: os leitores cépticos lerão um bocadinho a Bíblia e eu continuarei a ler um bocadinho do Freud, Jung e família. Até para podermos concluir quando é possível concordarmos e quando não é.
Aqui há uns anos, quando fazia crítica literária para a Time Out e para a Revista Ler (isto assim soa pomposo), pedi à Relógio d'Água um livro. Quando mo fizeram chegar enviavam outro de presente: "A Interpretação dos Sonhos" do Freud. Fiquei sem saber se seria algum tipo de recado por eventualmente acharem que os meus textos precisavam de psicanálise. O certo é que passado algum tempo acabei por ler aquela oferta e pôr fim a trinta e poucos anos sem contacto directo com o Doutor Austríaco. A experiência não foi propriamente fácil ("A Interpretação dos Sonhos" foi para mim um início divertido pela novidade do psico-jogo e depois um desenvolvimento e uma conclusão em que a pessoa sente vontade de dizer: "foi engraçado das primeiras vezes mas já chega"). O certo é que ainda avancei para o "Moisés e o Monoteísmo", que em comparação se leu muito bem, e tenho interesse de continuar a dar chances ao Freud.
Como tinha referência do contacto entre Jung e Freud, parti para o "Answer to Job" com a ideia que me ajudaria a contrariar minha ignorância global sobre a psicologia e a psiquiatria (aceitem por favor o meu uso não-rigoroso dos termos). Tenho muito caminho a fazer e não vale a pena querer especializar-me. No entanto, creio que qualquer pregador deve procurar um conhecimento mínimo sobre o assunto na medida em que a psicologia é hoje no Ocidente, e em termos práticos, uma religião. No sentido em que oferece à grande maioria das pessoas uma visão genérica dos significados possíveis para a existência. Isto vai muito além da Academia. A democratização da psicologia vê-se no modo com em qualquer conversa de cabeleireiro a esteticista amável recomenda o seu terapeuta à freguesa triste, a criança desanimada na escola é corrida para os braços prontos do psicólogo escolar, ou o empreendedor bem-sucedido aproveita uma pausa na conferência não-oficial-mas-quase-TED para informar o seu auditório do quanto a sua vida mudou por lhe ter caído uma ficha mental que até então estava perdida. A psicologia é uma religião que muitos lhe podem negar o credo mas que poucos lhe recusam os sacramentos.
Continuando a simplificar muito, há entre os cristãos uma relação pendular com a psicologia. Há aqueles que a tentam incorporar naturalmente na fé. Há uns anos estava num painel de comentadores numa conferência na Feira do Livro com um senhor católico romano que em directo empreendia uma leitura psicanalítica do livro de Tobias, fazendo do Sigmund quase Pai da Igreja. Mesmo no meio das Igrejas Evangélicas é hoje reconhecível, sobretudo entre pentecostais (que costumavam diabolizar qualquer coisas que lhes soasse próxima da psicologia), uma popularidade crescente dos terapeutas. Trocou-se o tom de voz exaltado pelo tom de voz sereno e lento e as lágrimas vertem-se já não nos momentos em que se garante milagres mas nos momentos em que se detecta patologias. Por outro lado, muitos cristãos continuam a acreditar que fé e psicologia são água e azeite. No meio evangélico há um surgimento recente de conselheiros zelosos pela sola scriptura nestas matérias (o "Nouthetic counseling"), e mesmo entre católicos romanos tenho ouvido vozes firmes em rejeitar os charmes da psicologia. A verdade é que continuo à procura de uma posição mais sólida do que aquela que tenho por enquanto. Até porque estou cercado de cristãos e não-cristão que se formaram em psicologia e na maior parte das vezes aprendo com eles.
Uma parte de mim reage à negligência de muitos cristãos não se aperceberem que media is the message e que muitas das práticas (que podem ser muito diversas entre si) da psicologia moderna não devem ser isoladas da visão sobre o mundo sobre a qual foram formadas. Ora, essa visão do mundo frequentemente parece-me pura e simplesmente incompatível com o cristianismo. Mas outra parte de mim também receia uma violência sobre a Bíblia de a colocar a abrir consultório para assinar receitas que nunca quis sugerir. E o cristianismo nunca foi inimigo da ciência, do estudo da Criação e das criaturas. Seguramente sei que, como Pastor e pessoa que aconselha pessoas, devo ler acima de tudo a Palavra que, eu e as pessoas que aconselho, reconhecemos ser revelação do próprio Deus, e portanto suficiente (2 Timóteo 3:16). Sei também que devo continuar a ler em boa-fé, e com um espírito de quem quer aprender, aqueles que não crendo na Bíblia me podem ensinar acerca de coisas sobre as quais ela não fala clinicamente.
Voltando ao "Answer to Job". Não posso deixar de concluir uma coisa quando leio as grandes figuras da psicologia. E sei que é uma conclusão que pode ser acusada de um bom grau de simplismo. Mas é sincera (e, caramba, não foi inventada por mim porque eu não teria calibre para esta cilindrada). Todas as grandes figuras da psicologia se comportam como gnósticos. Não tenho como resumir bem o gnosticismo mas devo dizer que o gnosticismo preocupa as pessoas sobretudo com a ideia que viver bem é compreender bem. Nesse sentido, a salvação é uma questão de iluminação, de chegar ao raciocínio certo (o que pode produzir uma religião tão cerebral quanto mística - aliás, não é casual que Freud se comporte como um médico e Jung como um devoto). Hoje as pessoas lidam consigo próprias principalmente através do que concluem acerca delas mesmas. Parece muito libertador mas na prática joga-as num tabuleiro enlouquecedor de tirar resultados de todas as experiências que tiveram. Logo o El Dorado é alcançar quem nos vai ajudar a triangular para o Futuro a mistura entre o Presente que ajusta contas com o Passado. Pode ser um psicólogo, um terapeuta, uma bruxa ou até, céus, um pastor. O adepto da psicologia torna-se também um gnóstico prático porque assim que atinge a chave de leitura correcta da sua existência (no gnosticismo antigo, a tal iluminação) não tem necessariamente o fim dos seus problemas mas pelo menos sente que se vai salvando quotidianamente pelo facto de compreender-se melhor.
No caso de "Answer To Job", Jung saca uma tese única a partir de uma leitura fresca do livro de Job. Para concluir que não é Job que se arrepende no fim do livro mas Deus que o faz ao longo de todo ele. Ninguém pode tirar o mérito da imaginação a Jung (e digo isto sem qualquer ironia). Aliás, em "Answer To Job" não é só a teoria tradicional do livro de Job que é relida mas toda a Bíblia. É também isto que torna o volume uma leitura obrigatória. Uma das forças de Jung é esta criatividade, que cativa os leitores a um ritmo rápido de observações inesperadas e pertinentes. A sua debilidade é fazer depender tudo isto em leituras de localização estreita no texto (por exemplo, Jack Miles, seguidor da tese Jobiana de Jung, arruma a questão numa leitura bastante heterodoxa de cerca dos seis versos iniciais do capítulo 42). Ler Jung vale cada cêntimo do preço do livro. Mas a solidez das suas propostas muitas vezes sabe a liquidação total (imperdível por exemplo lê-lo a psicanalisar o dogma católico romano da Assunção de Maria - um elogio que faz a Roma que dificilmente Roma toma como elogio).
Ora, permitam-me transferir genericamente as virtudes e os vícios de Jung para a psicologia. Por muito emocionante que seja a psicologia (e é), ela é sobretudo parada porque extática (do êxtase que se produz pelo conhecimento dialéctico que alcançamos acerca de nós próprios). Não chega a arrancar do sítio. Um dos dispositivos passa por encontrar na imanência qualidades infindáveis (vistas em frases como "a resposta está em nós", "as verdadeiras lutas ganhamo-las dentro do nosso cérebro", "é bom porque é orgânico", "um homem é uma multidão", etc.) e, necessariamente, denegrir a transcendência. E é aqui que os cristãos devem compreender, pelo menos, parte do problema. Porque a fé cristã é uma fé em que o homem não tem como iluminar-se sozinho. A transcendência é hoje muito odiada porque soa a batota a um mundo que se convenceu que há-de encontrar sempre a solução para os seus problemas nos seus próprios recursos. Que orgulho tiramos afinal de dizermos que o melhor que somos se baseia em Deus e não em nós? Provavelmente nenhum. Para os crentes essa é a melhor notícia possível.
A psicologia parece muitas vezes irresistível porque saca do material de sempre, as pessoas, novos significados. O cristianismo saca dos velhos significados, pessoas novas. E fá-lo por intervenção directa de Deus, através do Espírito Santo que nos invade a vida. Soa meio ficção científica? Acredito que sim. Mas diria que os méritos da psicologia moderna, com a sua convicção persistente que é sempre possível tirar algum tipo de soluções do auto-conhecimento, não são assim tão distantes do mesmo género de fantástico. Ficamos assim: os leitores cépticos lerão um bocadinho a Bíblia e eu continuarei a ler um bocadinho do Freud, Jung e família. Até para podermos concluir quando é possível concordarmos e quando não é.
sexta-feira, outubro 04, 2013
Parábolas Mundanas
A Time Out sempre me convidou para as suas festas (e eu nunca cheguei a ir). Mas agora a Time Out convida-me para as suas festas depois delas terem acontecido.
A Time Out sempre me convidou para as suas festas (e eu nunca cheguei a ir). Mas agora a Time Out convida-me para as suas festas depois delas terem acontecido.
quinta-feira, outubro 03, 2013
Na Cabeça Levo A Festa
Nas palavras da Selma Uamusse Van Nespen, dona da maravilhosa voz desta canção:
Confesso que tinha imensa curiosidade em conhecer o mítico estúdio King do Nick Nicotine. Fazê-lo em ambiente de festa com os divertidos Nick e o Martim só podia ser ideia do especial Tiago Cavaco. Esta foi a minha 2ª colaboração para a FlorCaveira e não podia ter sido mais feliz... Inspirada no encontro de Jesus e Zaqueu em que o último comovido pela audácia do amor desmerecido e aceitação de Jesus, arrepende-se e promete uma festa em sua casa. Impossível resistir à tentação de participar, há hula hoops, truques de magia, bíceps e termina tudo com um olhar profundo. Barreiro RULES! Bom dia com a festa na cabeça.
Nas palavras da Selma Uamusse Van Nespen, dona da maravilhosa voz desta canção:
Confesso que tinha imensa curiosidade em conhecer o mítico estúdio King do Nick Nicotine. Fazê-lo em ambiente de festa com os divertidos Nick e o Martim só podia ser ideia do especial Tiago Cavaco. Esta foi a minha 2ª colaboração para a FlorCaveira e não podia ter sido mais feliz... Inspirada no encontro de Jesus e Zaqueu em que o último comovido pela audácia do amor desmerecido e aceitação de Jesus, arrepende-se e promete uma festa em sua casa. Impossível resistir à tentação de participar, há hula hoops, truques de magia, bíceps e termina tudo com um olhar profundo. Barreiro RULES! Bom dia com a festa na cabeça.
quarta-feira, outubro 02, 2013
Ler Jung por causa de ler Job, parte I
Durante três meses estudámos na Igreja na Lapa o livro de Job. O livro de Job é provavelmente dos livros da Bíblia mais lidos pelos eruditos. Talvez por ser um escrito que, independentemente de quem lê ter ou não fé, revela uma espessura literária rara. Tem quarenta e dois capítulos: dois iniciais escritos em prosa onde sabemos de uma aposta entre Deus e o Diabo acerca da fidelidade de Job. Na prática resulta que Job perde inesperadamente a sua família e fortuna como teste à sua fé. Os 35 capítulos seguintes são escritos em poesia e contam uma longa conversa em que três amigos de Job (Elifaz, Bildade e Zofar, que vieram para consolá-lo) acabam a defender que se semelhante desgraça lhe sobreveio é porque de certeza pecou gravemente contra Deus. Os cinco capítulos finais, também em poesia, narram a chegada do próprio Deus à conversa e o diálogo que tem com Job, e as consequências espirituais e materiais dessa conversa na vida de Job. Se alguém quer ter um conhecimento mínimo da cultura Ocidental tem forçosamente de ler Job. É tão simples quanto isto.
Quando me preparo para uma série de estudos num livro da Bíblia procuro também outros livros fora dela. Quer tenham sido escritos numa perspectiva de fé, que não. Ora, no caso de Job pareceu-me obrigatório ler o "Answer to Job" do Carl Jung. Já por duas vezes tinha ficado com a ideia de mais dia menos dia precisar de pegar-lhe. A primeira quando há uns anos o meu amigo Pedro Sobrado mo aconselhou. A segunda quando passei pelo "God, A Biography" do Jack Miles, aluno atento de Jung. Valeu a pena.
Como se resume em poucas palavras o talento de Jung em "Answer To Job"? Talvez citando-o. Citando-o quando se mostra tão chocado por Job quanto por Deus: "The only thing Job can be blamed for is his incurable optimism in believing that he can appeal to divine justice (...) God does not want to be just; he merely flaunts might over right." Citando-o quando sugere semelhanças improváveis entre personagens bíblicas: "Yahweh gave special protection to the unsucessful Cain, for he was a faithful reproduction of Satan in miniature." Citando-o quando filtra as ideias bíblicas à luz do contexto daquele espaço e daquela época: "God's marriage with Israel was like the founding of the Greek polis, which occurred about the same time." Citando-o quando traça o suposto mapa da evolução do temperamento de Deus: "Yahweh was so fascinated by his successive acts of creation that he forgot about his omniscience (...) The immediate cause of the Incarnation lies in Job's elevation, and it's purpose is the differentiation of Yahweh's consciousness." Citando-o quando detecta as debilidades de uma religião com medo do sobrenatural: "How can one possibly 'demythologize' the figure of Christ? A rationalistic attempt of that sort would soak all the mystery out of his personality, and what remained would no longer be the birth and tragic fate of a God in time, but a badly authenticated religious teacher, a Jewish reformer who was hellenistically interpreted and misunderstood." Citando-o quando, ao condenar eticamente uma redenção expiatória, acaba por saber resumi-la bem: "All God does is, in the shape of his own son, to rescue humankind from himself (...) One should keep before one's eyes the strange fact that the God of goodness is so unforgiving that he can only be appeased by a human sacrifice!" Citando-o quando se admira que João, o evangelista do amor, seja o sanguinário autor do Apocalipse: "John felt his gospel of love to be one-sided; and he supplemented it with the gospel of fear: God can be loved but must be feared." Citando-o quando entende que a metafísica não é uma saída mas uma entrada: "Enlightenment operates with an inadequate rationalistic concept of truth and points triumphantly to the fact that beliefs such as the virgin birth, divine filiation, the resurrection of the dead, transubstantiation, etc., are all moonshine. Agnosticism maintains that it does not possess any knowledge of God or of anything metaphysical, overlooking the fact that one never possesses a metaphysical belief but is possessed by it." Citando-o quando revela que o que divide Romanos de Protestantes também é uma questão do papá e da mamã: "The Catholic Church demonstrates her maternal character, because she allows the tree growing out of her matrix to develop according to its own laws. Protestantism, in contrast, is commited to the paternal spirit."
Como dá para ver pela quantidade de citações, gostei mesmo de ler o Jung. Porque o Jung tem uma característica rara, até quando se afasta deliberadamente da ortodoxia: leva a sério o que a Bíblia diz ao ponto de se enervar com ela. Este é o tipo de homens que são úteis aos crentes e aos descrentes. Porque não domesticam o livro. Há esperança para quem não acredita na Bíblia desde que não a trate com condescendência. Já aqueles que acreditam na Bíblia porque aprenderam a domá-la retiram-lhe o poder que faz dela um texto único: o de ser revelação do próprio Deus. Jung, não sendo cristão, faz mais pela Palavra do que muitos que se declaram cristãos e na prática desmotivam todos os outros de a levarem minimamente a sério.
Durante três meses estudámos na Igreja na Lapa o livro de Job. O livro de Job é provavelmente dos livros da Bíblia mais lidos pelos eruditos. Talvez por ser um escrito que, independentemente de quem lê ter ou não fé, revela uma espessura literária rara. Tem quarenta e dois capítulos: dois iniciais escritos em prosa onde sabemos de uma aposta entre Deus e o Diabo acerca da fidelidade de Job. Na prática resulta que Job perde inesperadamente a sua família e fortuna como teste à sua fé. Os 35 capítulos seguintes são escritos em poesia e contam uma longa conversa em que três amigos de Job (Elifaz, Bildade e Zofar, que vieram para consolá-lo) acabam a defender que se semelhante desgraça lhe sobreveio é porque de certeza pecou gravemente contra Deus. Os cinco capítulos finais, também em poesia, narram a chegada do próprio Deus à conversa e o diálogo que tem com Job, e as consequências espirituais e materiais dessa conversa na vida de Job. Se alguém quer ter um conhecimento mínimo da cultura Ocidental tem forçosamente de ler Job. É tão simples quanto isto.
Quando me preparo para uma série de estudos num livro da Bíblia procuro também outros livros fora dela. Quer tenham sido escritos numa perspectiva de fé, que não. Ora, no caso de Job pareceu-me obrigatório ler o "Answer to Job" do Carl Jung. Já por duas vezes tinha ficado com a ideia de mais dia menos dia precisar de pegar-lhe. A primeira quando há uns anos o meu amigo Pedro Sobrado mo aconselhou. A segunda quando passei pelo "God, A Biography" do Jack Miles, aluno atento de Jung. Valeu a pena.
Como se resume em poucas palavras o talento de Jung em "Answer To Job"? Talvez citando-o. Citando-o quando se mostra tão chocado por Job quanto por Deus: "The only thing Job can be blamed for is his incurable optimism in believing that he can appeal to divine justice (...) God does not want to be just; he merely flaunts might over right." Citando-o quando sugere semelhanças improváveis entre personagens bíblicas: "Yahweh gave special protection to the unsucessful Cain, for he was a faithful reproduction of Satan in miniature." Citando-o quando filtra as ideias bíblicas à luz do contexto daquele espaço e daquela época: "God's marriage with Israel was like the founding of the Greek polis, which occurred about the same time." Citando-o quando traça o suposto mapa da evolução do temperamento de Deus: "Yahweh was so fascinated by his successive acts of creation that he forgot about his omniscience (...) The immediate cause of the Incarnation lies in Job's elevation, and it's purpose is the differentiation of Yahweh's consciousness." Citando-o quando detecta as debilidades de uma religião com medo do sobrenatural: "How can one possibly 'demythologize' the figure of Christ? A rationalistic attempt of that sort would soak all the mystery out of his personality, and what remained would no longer be the birth and tragic fate of a God in time, but a badly authenticated religious teacher, a Jewish reformer who was hellenistically interpreted and misunderstood." Citando-o quando, ao condenar eticamente uma redenção expiatória, acaba por saber resumi-la bem: "All God does is, in the shape of his own son, to rescue humankind from himself (...) One should keep before one's eyes the strange fact that the God of goodness is so unforgiving that he can only be appeased by a human sacrifice!" Citando-o quando se admira que João, o evangelista do amor, seja o sanguinário autor do Apocalipse: "John felt his gospel of love to be one-sided; and he supplemented it with the gospel of fear: God can be loved but must be feared." Citando-o quando entende que a metafísica não é uma saída mas uma entrada: "Enlightenment operates with an inadequate rationalistic concept of truth and points triumphantly to the fact that beliefs such as the virgin birth, divine filiation, the resurrection of the dead, transubstantiation, etc., are all moonshine. Agnosticism maintains that it does not possess any knowledge of God or of anything metaphysical, overlooking the fact that one never possesses a metaphysical belief but is possessed by it." Citando-o quando revela que o que divide Romanos de Protestantes também é uma questão do papá e da mamã: "The Catholic Church demonstrates her maternal character, because she allows the tree growing out of her matrix to develop according to its own laws. Protestantism, in contrast, is commited to the paternal spirit."
Como dá para ver pela quantidade de citações, gostei mesmo de ler o Jung. Porque o Jung tem uma característica rara, até quando se afasta deliberadamente da ortodoxia: leva a sério o que a Bíblia diz ao ponto de se enervar com ela. Este é o tipo de homens que são úteis aos crentes e aos descrentes. Porque não domesticam o livro. Há esperança para quem não acredita na Bíblia desde que não a trate com condescendência. Já aqueles que acreditam na Bíblia porque aprenderam a domá-la retiram-lhe o poder que faz dela um texto único: o de ser revelação do próprio Deus. Jung, não sendo cristão, faz mais pela Palavra do que muitos que se declaram cristãos e na prática desmotivam todos os outros de a levarem minimamente a sério.
Ouvir
O último sermão da série sobre Job. A ciência de Job não é conhecimento total. A ciência de Job é atenção ao sofrimento. A ciência de Job é Cristo.
Ouvir aqui (clicar em cima de aqui).
O último sermão da série sobre Job. A ciência de Job não é conhecimento total. A ciência de Job é atenção ao sofrimento. A ciência de Job é Cristo.
Ouvir aqui (clicar em cima de aqui).
terça-feira, outubro 01, 2013
O que escrevi há uma semana
Sobre o Papa Francisco não é só pensado por evangélicos. Olhem o que diz um católico romano desapontado. "Was I frustrated because the priests wouldn’t preach God’s judgment instead of God’s mercy? By no means. I was frustrated because they wouldn’t preach God’s judgment at all, which is to say, they preached Christ without the Cross." Cliquem em cima da citação para lerem o artigo todo.
E há mais.
What needed changing? Lots. My own brokenness was plain to me, and I was ready to turn from my destructive sins and become a new person. The one thing I didn’t want to do was surrender my sexual liberty, which was my birthright as a young American male. I knew, though, that without fully giving over my will to God, any conversion would be precarious. By then, I was all too wary of my evasions. To convert provisionally — that is, provided that the Church didn’t hassle me about my sex life — would really be about seeking the psychological comforts of religion without making sacrifices.
Claro que se pode sempre preferir a estas palavras uma estetização do suposto renascimento da Igreja Romana a partir do Andrew Sullivan, um homem conhecido por praticar o seu Catecismo.
Sobre o Papa Francisco não é só pensado por evangélicos. Olhem o que diz um católico romano desapontado. "Was I frustrated because the priests wouldn’t preach God’s judgment instead of God’s mercy? By no means. I was frustrated because they wouldn’t preach God’s judgment at all, which is to say, they preached Christ without the Cross." Cliquem em cima da citação para lerem o artigo todo.
E há mais.
What needed changing? Lots. My own brokenness was plain to me, and I was ready to turn from my destructive sins and become a new person. The one thing I didn’t want to do was surrender my sexual liberty, which was my birthright as a young American male. I knew, though, that without fully giving over my will to God, any conversion would be precarious. By then, I was all too wary of my evasions. To convert provisionally — that is, provided that the Church didn’t hassle me about my sex life — would really be about seeking the psychological comforts of religion without making sacrifices.
Claro que se pode sempre preferir a estas palavras uma estetização do suposto renascimento da Igreja Romana a partir do Andrew Sullivan, um homem conhecido por praticar o seu Catecismo.