Teologia deliciosa
Sazonalmente ando doido por Agostinho. É sazonal na mesma medida em que é permanente. Agostinho é maior que a vida, como dizem os americanos. O Verão de 2012 bateu mais forte por ter lido o "Da Trindade". Desde essa altura que me apercebi de uma lição que o livro "Delighting In The Trinity" de Michael Reeves me veio lembrar: se não é acerca da Trindade, não é acerca do cristianismo.
Sei que a simplificação pode parecer exagerada. Afinal, boa parte da literatura cristã mais ambiciosa tenta geralmente esse mesmo exercício, de explicar que vai tratar do assunto mais importante da fé precisamente por estar a ser o mais esquecido. E assim temos os livros que colocam na maior urgência o assunto da justificação pela fé, para lembrar que sem ela o cristianismo cai. Temos os livros que colocam na mior urgência o assunto da união com Cristo, para lembrar que sem ela o cristianismo cai. Temos os livros que colocam na maior urgência o assunto da santificação, porque sem ela o cristianismo cai. Temos os livros que colocam na maior urgência o assunto da justiça social, porque sem ela o cristianismo cai. Temos os livros que colocam na maior urgência o assunto da evangelização, porque sem ela o cristianismo cai. E por aí em diante, apenas para dar cinco exemplos possíveis. A questão é que, creio de coração, a Trindade é esse assunto que merece mesmo toda a urgência, porque sem ela o cristianismo realmente cai.
Reeves diz assim logo na abertura:
"What makes Christianity absolutely distinct is the identity of our God. Which God we worship: that is the article of faith that stands before all others." O que não promove uma celebração do denominador comum entre as várias confissões cristãs, mas clarifica onde podemos ter alguma comunhão dos lugares onde não podemos ter nenhuma. Dou um exemplo. Num país maioritariamente Católico Romano como Portugal é fácil para um miúdo evangélico crescer com algumas afinidades com todos os que se dizem cristãos e não são católicos romanos. As Testemunhas de Jeová, por nada charmosas que sejam no seu esmerado testemunho público em modo de quase-assédio, sabem o que é defender uma fé que não é a fé da maioria. Os Mórmones, por pouco charmosos que sejam na sua indumentária de indústria hoteleira, sabem o que é defender uma fé que não é a fé da maioria (oferecendo na juventude um ano à sua Igreja para cumprir heroicamente essa tarefa!). Mas quer as Testemunhas de Jeová, quer os Mórmones, não são cristãos, por muito que o reclamem. Não acreditam que Deus é Pai, Filho e Espírito Santo. Há uma palavra para isso que é tão impopular quanto necessária: heresia. Ou seja, por muito que custe a um miúdo evangélico que em Portugal sente sempre o dedo mais nervoso para premir o gatilho contra a Igreja Romana, temos em comum com ela a crença necessária no mesmo Deus, coisa que não temos com o Salão do Reino nem com a Igreja dos Santos dos Últimos Dias. O que faz os cristãos partilharem a mesma fé não é o modo como estabelecem experiências comuns entre si mas a comunhão naquilo que é a identidade do Deus em que crêem. Uma Testemunha de Jeová ou um Mórmone não são meus irmãos na fé, por muito que vivam circunstâncias semelhantes à minha de serem minoria religiosa em Portugal.
"Delighting In The Trinity" tem no seu subtítulo a partícula que melhor resume a sua importância: "An Introduction to the Christian Faith". Reeves explica:
"I could believe in the death of a man called Jesus, I could believe in his bodily ressurrection, I could even believe in a salvation by grace alone; but if I do not believe in this God, then, quite simply, I am not a Christian. And so, because the Christian God is triune, the Trinity is the governing center of all Christian belief, the truth that shapes and beautifies all others. The Trinity is the cockpit of all Christian thinking." O modo como Reeves vai orientar a sua reflexão é muito acessível e sugestivo. Sempre com humor, o livro recorda que a Trindade é uma necessidade teológica como uma necessidade devocional. Contrariando um certo costume que aceita a crença na Trindade na mesma medida em que rapidamente a sacode para fora da rotina da fé, etiquetando-a como parte abstracta, Reeves afirma que o facto de Deus ser triuno é o que menos especulativo existe no cristianismo: quando falamos de Jesus, o filho de Deus Pai que foi ungido pelo Espírito Santo, acabamos necessariamente a proclamar a Trindade.
Há um teste do algodão que nos permite avaliar quais os pontos realmente importantes acerca da nossa fé a partir das pessoas que por causa deles se sentem irritadas. Quando esse teste se faz para a Trindade, quais os que mais se eriçam? Os muçulmanos, que crendo que Deus é um, se escandalizam com a crença cristã que a unidade inclui a diversidade de pessoas. O mesmo se aplica ao Judaísmo. Dizendo de uma maneira menos simpática, essa é a razão porque, apesar de islâmicos e judeus terem a mesma origem abraâmica dos cristãos, não têm o mesmo Deus.
É por Deus ser uma Trindade que o valor do amor existe no cristianismo de um modo que não existe em nenhuma outra fé.
"Jesus Christ, God the Son, is the logic, the blueprint for creation. He is the once eternally loved by the Father; Creation is about the extension of that love outward so that it might be enjoyed by others. (...) The God who loves to have an outgoing Image of himself in his Son loves to have many images of his love." O mundo existe porque existe uma história de amor entre Deus Pai e Deus Filho que pelo poder do Espírito Santo cria pessoas. E, atenção, que isto não sexualiza Deus mas espiritualiza o sexo dos homens. Só temos filhos porque uma relação familiar já existe dentro do próprio Deus. Se não existisse Trindade não podíamos amar Deus, os nossos filhos ou fosse o que fosse.
Corram para este livro porque se quiserem amar o cristianismo, amem-no por causa da Trindade. Se o quiserem odiar, odeiem-no por causa da Trindade. Se vamos ter opiniões acerca da religião, que elas se fundem na própria identidade da divindade, e não na identidade dos que crêem nela. É um narcisismo insuportável aquele de querermos atrair pessoas à fé a partir do modo ela nos fica bem. Antes de haver vida nos nossos belos olhos azuis, já havia toda a vida que interessava dentro do Deus que é beleza triuna.
Um obrigado à Sara e ao Tiago Falcoeiras que me ofereceram este livro maravilhoso.