As Igrejas Baptistas e o Ecumenismo
[Na Sexta-Feira passada tive a oportunidade de conversar com alguns jornalistas no gabinete de imprensa do Opus Dei acerca da relação que as Igrejas Baptistas têm com o ecumenismo. Este texto resume os pontos essenciais dessa conversa.]
É um acto de notável ecumenismo oferecer, no rescaldo da semana mais ecuménica do ano, a palavra a um não-ecuménico, membro de uma Igreja Baptista como eu sou. Essa generosidade proporciona-me a possibilidade de tentar justificar porque de um modo geral os baptistas não se consideram ecuménicos, pelo menos no sentido mais contemporâneo da palavra. Aliás, diria que oferecer essa explicação é possivelmente o gesto mais ecuménico que conseguimos. Por isso, aceitem-no não como uma reacção mal-disposta a uma causa que rejeitamos mas como a tentativa de exercer o melhor ecumenismo que conseguimos. Simplificando: o ecumenismo possível de um baptista como eu é esclarecer porque não é ecuménico.
Talvez a maneira mais fácil de um baptista explicar porque não é ecuménico é fazê-lo a partir dos que não são baptistas. Alguma coisa como,
"porque eles não são baptistas eu não procuro comunhão com eles". O problema é que esta explicação, podendo ter algum suporte, peca por defeito. O não-ecumenismo de um baptista como eu não assenta na certeza que a comunhão é segura com os cristãos que fazem parte da sua confissão religiosa. O não-ecumenismo de um baptista como eu mais facilmente assenta no facto de que a comunhão com cristãos é um assunto de tal forma delicado que até com baptistas ela pode não verificar-se. Um baptista não é ecuménico por só se sentir em comunhão com os da sua denominação. Um baptista não é ecuménico por até com os da sua denominação poder não se sentir em comunhão. Para tentar exemplificar elenco dois exemplos de dois baptistas com os quais, se me fosse dada a oportunidade, não estabeleceria comunhão.
Para ilustrar o meu não-ecumenismo, o primeiro baptista com o qual não estabeleceria comunhão seria o Pastor Fred Phelps. O Pastor Fred Phelps é o Pastor da Igreja Baptista de Westboro, no Kansas, nos Estados Unidos. Apesar da Igreja Baptista de Westboro ter tanta legitimidade como a Igreja Baptista da Lapa, que pastoreio, para se chamar Igreja Baptista, é uma comunidade que se tem destacado por cunhar alguns dos piores slogans religiosos das últimas décadas e por transmitir incansavelmente uma mensagem de ódio divino. Os baptistas de Westboro especializaram-se em dizer o que Deus alegadamente odeia sem vestígios de dizer o que ele ama. Como eu sou alguém que só poder ser baptista porque crê que Deus me amou quando eu ainda não o amava a ele, nunca teria comunhão com um baptista que transmite uma fé que ignora esse amor. Porque a minha fé não sobrevive sem o amor de Deus, não posso ter comunhão com alguém que prega o desprezo pelo que me salva.
Para ilustrar o meu não-ecumenismo, o segundo baptista com o qual não estabeleceria comunhão seria, nos antípodas do Pastor Fred Phelps, o Pastor Martin Luther King (e é claro que mesmo que quisesse não podia ter comunhão com Martin Luther King porque ele faleceu em 4 de Abril de 1968 - mas aceitem esta referência para o seguimento lógico do meu argumento). E aqui quero fazer um esforço de ser bem entendido. Gostaria de ter estado ao lado do Pastor Martin Luther King nos relvados de Washington ouvindo-lhe os sonhos para uma América sem racismo e estou absolutamente convicto que Deus o usou poderosamente para lutar contra essa tragédia. Mas a razão pela qual não cederia o púlpito da igreja que sirvo ao Pastor Baptista Martin Luther King não é pelas coisas acertadas que disse fora da igreja mas pelas coisas erradas que disse dentro dela. Martin Luther King era céptico acerca da Ressurreição de Cristo, da Trindade, da filiação divina de Jesus, entre outros exemplos de doutrinas essenciais para baptistas como eu. Como eu sou alguém que só poder ser baptista porque crê que a Bíblia tem legitimidade para as afirmações que faz acerca de Deus, nunca teria comunhão com um baptista que transmite uma fé que desvaloriza essa confiança nas Escrituras. Porque a minha fé não sobrevive sem a autoridade da Bíblia, não posso ter comunhão com alguém que rejeita o fundamento escrito onde estabeleço a convicção da minha salvação pessoal.
Para um baptista como eu a comunhão não é um valor que depende primarimente do seu uso mas da sua origem. Ou seja, quando um baptista pensa em comunhão cristã ele pensa primeiro no que a qualifica e só depois como vai aplicá-la. Por outras palavras, na comunhão cristã um baptista como eu procura necessariamente Cristo e só depois os homens e as mulheres nos quais esse Cristo é encontrado. Tudo é radicalmente cristológico e não antropológico. Por isso um baptista como eu tem surpresas porque muitas vezes Cristo não é encontrado noutros baptistas e, por outro lado, pode ser encontrado noutros que não são baptistas. Como um baptista como eu entende que o ecumenismo tende a procurar primeiro o uso e só depois a origem, não se sentirá a perder nada de realmente essencial por não ser ecuménico.
Ao afirmar esta prática de não-ecumenismo o que faz um baptista como eu do texto do Evangelho de João, capítulo 17, verso 21? Afinal é o próprio Jesus que diz:
"Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste." Um baptista como eu não pode desvalorizar a unidade entre os cristãos porque foi Cristo que a pregou mas um baptista como eu vai valorizar a unidade entre os cristãos precisamente por ter sido pregada por Cristo. Ou seja, e colocando a questão pela negativa e de um modo bem simples: se Cristo não for encontrado nos outros cristãos, não precisamos de ter comunhão com eles. Joel Beeke explica melhor do que eu:
"O maior fardo na oração de Cristo em João 17 não é que os santos devam gozar união uns com os outros, embora isso esteja implícito no texto, mas antes que os crentes possam gozar uma união com o Pai e com o Filho, porque o Pai e o Filho estão neles (João 14:20, 1 João 4:15)."
Os baptistas, como outros cristãos evangélicos, ao não fazerem parte dos encontros ecuménicos podem muitas vezes passar uma ideia de indiferença à unidade entre cristãos. E isso pode e deve ser corrigido na medida em que a divisão entre cristãos é um mal. No entanto o árbitro último que pode apitar essa divisão terá de ser o próprio Cristo e não os cristãos. Em termos práticos, o que não falta hoje aos baptistas e a outros cristãos evangélicos é um saudável e fraterno ambiente inter-denominacional. Aliás, estivesse a comunicação social mais atenta para os eventos entre evangélicos e rapidamente veria que juntam muitos mais cristãos do que os encontros ecuménicos inflaccionados na sua cobertura mediática. Para finalizar, acrescento apenas aquele que deveria ter sido o primeiro esclarecimento. Por todas estas razões, aceleradas pelo princípio que os baptistas abraçam de que cada igreja local é autónoma, não falo em nome da Igreja Baptista. Não existe uma Igreja Baptista no sentido global do termo. Mas existem muitas Igrejas Baptistas locais com experiências humanas de sucesso e fracasso no princípio divino da comunhão.