Hillsong no Tivoli, Segunda Fila
Ontem foi um Domingo em cheio não só por causa do que aconteceu na igreja local à qual pertenço na Lapa mas também pelo que aconteceu na igreja local do Centro Cristão da Cidade, de Loures.
O CCC desceu até ao centro de Lisboa para celebrar o seu 12º aniversário. Para a festa trouxe parte da banda da igreja Hillsong de Londres, o Pastor Peter Wilson e ocupou o Tivoli para duas sessões que se tornaram três. Como nasceu uma amizade entre mim e o Mário Rui Boto, Pastor do CCC, a minha família foi generosamente convidada para se juntar à celebração. Assim fizemos.
Quando chegámos ao local contávamos com muita gente mas o que encontrámos estava muito além da expectativa. Segundo as estimativas, cerca de duas mil pessoas esperavam na frente do Tivoli numa fila que ia até aos Restauradores. A Rádio Comercial e a RFM avisavam em antena para as pessoas evitarem o inesperado movimento daquele Domingo na Avenida da Liberdade. Não posso negar que sentimos o prazer de entrarmos por outra porta onde os nossos nomes não só estavam registados como nos deram lugar a seis assentos na segunda fila do fantástico auditório. Assistimos à sessão das 17h30, segunda depois de uma primeira às 15h e seguida de uma terceira às 20h, extraordinária, para atender à multidão que se aglomerou. Basicamente organizaram-se excursões espontâneas de todo o País (e, segundo me disseram, também de Espanha) para formar aquela batelada de cristãos evangélicos que não queria perder a oportunidade de assistir à festa. Foi uma experiência única.
O Tiago de 2004 ia fazer pouco do Tiago de 2014. Porque o Tiago de 2004 era um cristão evangélico muito cioso de uma identidade evangélica que em muita se baseava em não ser assim tão parecido com os outros evangélicos. Na prática significava que, em 2004 onde a moda entre os evangélicos já passava por ouvir obsessivamente os discos de Hillsong (primeiro da Austrália e depois de Londres), o Tiago orgulhava-se de não o fazer. Foram precisos uns anos para que começasse a ouvir a chamada música evangélica e apreciá-la pelos seus próprios méritos. O que não quer dizer que hoje seja um fã da chamada música evangélica no geral mas que, pelo menos, já não deixo de a ouvir por razões secundárias. Ou seja, quando ouço música o mais importante não é o que o que o tipo de música que ouço faz pela minha imagem pública. Quando ouvimos música a partir desse tipo de preocupação passamos ao lado de uma das melhores coisas que a música tem para nos dar: novidade. Quando ouvimos música a partir do que essa música imediatamente faz pela nossa reputação, perdemos a capacidade de realmente permitirmos que a música faça alguma coisa por nós, dando-nos a ouvir mais do que já ouvimos. Isto, sendo acerca da música, era acerca de muito mais.
O facto é que o Tiago de 2004 passou ao lado de muitas modas evangélicas. Isto significa que parte do que ontem era familiar para a maioria era estrangeiro para mim. Imaginem por isso a ironia de estar na segunda fila a poucos metros da banda, completamente alheado dos êxitos de Hillsong que incendiavam os gritos da juventude que lotava o Tivoli. Só conhecia a música final, e porque era uma que o Michael W. Smith também canta num disco seu (durante anos, como podem calcular, também achava que me ficava bem dizer mal do Michael W. Smith). O meu desconhecimento do repertório não me impediu de me impressionar com alguns cânticos (e a minha preferência foi para um chamado "Christ Alone, Cornerstone" com uma letra que derreteria o coração de qualquer calvinista que se preze).
Uma das lições que retirei do dia de ontem é que vale a pena reavaliar algumas das categorias que me têm organizado a cabeça, no que diz respeito à relação entre música dita sagrada e música dita profana. Isto não quer dizer que o modelo de culto de igrejas como Hillsong ou do Centro Cristão da Cidade seja aquele onde me sinta mais à vontade ou mesmo aquele que me parece mais ortodoxo. Neste domínio continuo a sentir-me mais confortável em saber distinguir uma hora de fazer rock'n'roll no palco de uma hora de fazer louvor na casa de oração. Mas dias como ontem também provam que é possível ocasiões onde o registo fica intencionalmente intermédio. A questão é: há alguma coisa que proíbe um cristão de encher um teatro para rocar declarando a fé tão ou mais alto que nos shows habituais desse local? Mesmo que o estalo sonoro não me pareça o modo mais bíblico de adorar congregacionalmente, não encontro um impedimento necessário.
Outras das lições que tirei é que esta nova geração de meus irmãos pentecostais recebe-me mesmo como um irmão. O facto de ser baptista, e por isso eventualmente mais tímido na escala da extroversão festiva, não os impede de me convidarem para as suas festas. E isto sensibiliza-me e comove-me até. O ambiente de fraternidade interdenominacional entre evangélicos é uma bênção dos nossos dias e devemos saber declará-la. Há cinquenta anos os baptistas acusavam os pentecostais de serem hereges e os pentecostais acusavam os baptistas de não terem o Espírito Santo. Hoje reconhecemo-nos na mesma família da fé, sem que isso signifique esquecer as importantes divergências doutrinárias. Só que essas divergências doutrinárias, importantes que são, já não nos fazem ignorar a importância maior da fé cristã bíblica que ambos abraçamos. Ontem senti isto na pele em todos os abraços que recebi dos meus irmãos pentecostais e foi fantástico.
Ainda outra lição que tirei ontem é saber que a ousadia compensa. Mal entrei no Tivoli comentei com o Tiago Ferreira, Diácono na Lapa que estava connosco, que não íamos descansar até fazer o "Fim-de-Semana Cheio na Lapa" também naquele lugar. Há uma saudável inveja do que o CCC fez que faz bem a todos os outros. E vale a pena sublinhar que neste campo o Pr. Mário Rui Boto tem sido um exemplar peregrino. Isto não é estar concentrado apenas na questão do número de pessoas às quais chegamos, mas é reconhecer que a ambição da visão do CCC abre caminho a muitos mais. Depois de termos estado ontem na festa sabemos que há uma fasquia colocada bem alto, não só a nível do produto final mas também a nível do processo para lá chegar. O profissionalismo do CCC é um resultado da fé do CCC. É a esta altura da conversa que gosto de mencionar "o calvinismo dos pentecostais". Estou cansado de ouvir reformados de peito cheio a falarem da soberania de Deus mas que depois praticam-na em miserabilismo: como se o facto de o Senhor ser um governante excelente do universo não nos levasse a governar-nos com igual excelência no trabalho que empreendemos. Estes arminianos estão a dar lições de ética de trabalho a este pobre calvinista.
Uma última lição que gostava de partilhar é a certeza de que o que vi ontem me leva a orar hoje. Precisamos de orar pelo Pr. Mário Rui Boto e agradecer o seu ministério passado ao mesmo tempo que oramos pelo seu ministério futuro. O CCC atinge pessoas que provavelmente a maior parte das igrejas evangélicas em Portugal nunca vai atingir. Por um lado isso representa tarefa cumprida. Mas, por outro lado, representa também tarefa por cumprir. O Pr. Mário Rui Boto e o CCC precisam de permanecer firmes na Palavra, quer para os momentos populares como os de ontem, quer para os outros momentos em que pregar a Palavra não nos enche auditórios. Saí do Tivoli impressionado pela força do ministério do meu companheiro Mário Rui mas também empenhado a estar com ele nos momentos de fraqueza. A verdade que cantei junto com ele ontem é a verdade que nos basta para toda a eternidade e que reside em Cristo só.