O ABC de 2014
A - Amizades
Dois mil e catorze foi um ano onde a palavra amizade sai destacada. Porque, pela graça de Deus, ganhei novas amizades e aprofundei algumas que já tinha (coisa que tem acontecido noutros anos). Mas também porque igualmente tive a experiência contrária (coisa que não tem acontecido noutros anos). Não somos educados para perder amigos. E, nesse sentido, permitam-me, somos mal-educados. Porque, na teoria, a minha fé cristã sempre me ensinou que é absolutamente normal perder ligações quando uma ligação maior a Jesus implica uma diferenciação no caminho que até então seguimos acompanhados. Afirmamos na teoria mas na prática acho que nunca estamos muito preparados. Perder uma amizade pode ser uma lição dura mas necessária acerca da suficiência de Cristo.
B - Blogger do ano: Rod Dreher
Rod Dreher bloga na American Conservative e é um católico romano que se tornou ortodoxo. Está a escrever um livro sobre Dante (e influenciou-me ao ponto de ter acabado de comprar nas Amoreiras "A Divina Comédia"), vive no sul dos estados Unidos e é equilibrado ao mesmo tempo que corajoso. Foi o melhor blogue que descobri e passei a seguir este ano.
C - Chata, vida chata
Estou a exagerar, claro. A vida nunca é chata para um cristão. E se há coisa que a minha vida não é, é chata. Mas entendam o argumento. Quando me ponho a pensar sobre 2014 encontro um padrão novo. Este ano em boa parte foi um ano substancialmente diferente dos anos anteriores. Porquê? Porque de um modo geral, desde 2007 que os anos foram extraordinários. Ou porque vivia projectos novos no que diz respeito à igreja, ou porque vivia anos excepcionais no que diz respeito à música (e isto para não falar de 2004 em diante, desde que os miúdos começaram a nascer). Digamos que havia expectativas pouco usuais que, de um modo ou outro, se concretizavam. Ora, 2014 não foi um ano em que nada de especial aconteceu (é assinalável que tenha sido o ano em que a Igreja Baptista de São Domingos de Benfica se tenha unido oficialmente à Segunda Igreja Baptista de Lisboa). Mas foi um ano em que não esperei ou recebi nenhum reconhecimento específico por algo invulgar. Isso faz-me pensar que estou finalmente a amadurecer: os anos valem por si mesmo quando não prometem nada de espantoso.
D - Discos
- "Popular Problems", Leonard Cohen
- "Divide and Exit", Sleaford Mods
- "Pela Surra", Manuel Ferreira
- "#batequebate", D'Alva
- "Sente", HMB
- Disco do Bruno Morgado que, tendo sido gravado, não foi editado
E - Escrever um livro
De facto, foi no ano passado que escrevi um livro e o publiquei (Dezembro). Mas foi neste que o promovi com a minha mulher. Foram quase vinte eventos a falar sobre o "Felizes Para Sempre e Outros Equívocos Acerca do Casamento". O assunto do casamento é uma grande necessidade entre cristãos. Isto porque provavelmente os cristãos o têm mais assumido que aplicado. Por outro lado, aqueles que não são cristãos mostram uma curiosidade genuína sobre ele, até quando não se sentem confortáveis com os seus pressupostos religiosos. Creio que o casamento é um assunto para durar no meu ministério pastoral.
F - Filmes
"Interstellar" de Christopher Nolan
"12 Years A Slave" de Steve McQueen
"The Wolf Of Wall Street" de Martin Scorsese
"Nightcrawler" de Dan Gilroy
"Fury" de David Ayer
"'78" de Yann Demange
"Maps to the Stars" de David Cronenberg
G - Gratidão
Ser grato por obrigação não é uma contradição? Não necessariamente. Ser grato é uma obrigação para quem acredita que viver é uma graça. Logo, ser grato é algo que obrigatoriamente se acrescenta ao acto de existir. A gratidão como disciplina é um absurdo para quem acha que vive porque merece viver. A minha perspectiva é, naturalmente, outra. "Mais louvação, menos murmuração."
H - Henrique Raposo
Geralmente o padrão de quem escreve na imprensa é usar a realidade como pretexto de validar a sua opinião. Há muita selectividade para que se assine a letras grossas aquilo que mantém alguém na posição de justificar ser lido: o seu ego. O Henrique Raposo não faz este percurso. Não digo com isto que quem lê o Henrique não se aperceba de convicções que são visíveis desde que ele começou a escrever. Claro que sim. Ter uma espinha também é isto. Mas o que não tem preço na escrita do Henrique é revelar valores maiores que ele mesmo. O Henrique não escreve para fazer fintinhas de efeito que o mantenham no poleiro literário. O Henrique está interessado nessa coisa chatíssima para a imprensa que é a verdade. Estar interessado nessa coisa chatíssima para a imprensa que é a verdade não implica ser chato. E o Henrique comprova-o. Mas estar interessado na verdade é fazer um percurso de muita solidão. Nesse sentido, o Henrique é a pessoa mais sozinha da nossa imprensa. Quero vê-lo mais acompanhado, claro que sim. Mas a sua peregrinação é uma verdadeira inspiração.
I - Intensidade
O meu amigo Nuno Ornelas alertou-me esta ano para uma característica minha que frequentemente é problemática. A parte de ser problemática foi uma conclusão minha. O Nuno apenas falou na característica. Essa característica é a intensidade. Reconheço isso. A minha intensidade muitas vezes cega-me. Deus tem pegado na minha intensidade e, com muita misericórdia, não raramente a reverte para coisas boas. Mas o meu instinto é, sentindo essa intensidade, fazer dela um passaporte para só parar quando o que desejo se concretiza. Muito trabalho pela frente!
J - João Rosa de Oliveira
2014 ficará como o ano em que partiu o Pr. João Rosa de Oliveira. Muito partiu com ele. Aumentou o peso na balança a favor de desejarmos ir para o Céu.
K - Keller
Este foi o ano em que, como já escrevi, o Kellerista conheceu o Tim Keller. Li o "Encounters With Jesus" e preparo-me para o novo acerca da oração. Como tenho sido próspero em elogios, acrescento só mais um. Uma das coisas mais significativas acerca de Tim Keller é que ele não começa a surfar a crista da onda. Falamos de um homem que teve de pedalar muito para lá chegar. O trabalho em Nova Iorque começou há mais de 25 anos por isso Keller não é um pregador que colhe precocemente os louros da moda calvinista. As lições de Keller foram experimentadas, não são teologia pronta-a-vestir. Isto é precioso para uma geração de pastores jovens como eu que anseia resultados de preferência sem eles nascerem de uma prática longa e consistente. Keller antes de ser da mocidade é da maturidade.
L - Livros
- "How (Not) To Be Secular" de James K.A. Smith. Onde o autor pega no filósofo Charles Taylor e explica que a nossa era secular não é o resultado de Deus ter sido subtraído. As coisas não são assim tão simples. No nosso mundo não é só a descrença que é nova, é também a crença - crer hoje é certamente diferente de crer há cem anos. É um livro de 2014.
- "Delighting In The Trinity" de Michael Reeves. O livro não é deste ano mas foi neste ano que me lembrou que a Trindade é O assunto.
- "As Primeiras Coisas" de Bruno Vieira Aamaral. Foi em 2013 que este livro arrumou os prémios todos mas o meu coração foi só em 2014.
- "Crazy Busy" de Kevin DeYoung. Viver bem é saber do que devemos estar desligados para ficarmos ligados ao que realmente vale a pena. Também não é de 2014.
- "Raised?" de Jonathan Dodson e Brad Watson. Crer em Cristo é não fugir de lutar com o fundamento da ressurreição (e ser vencido por ele). É de 2014!
- "Encounters With Jesus" de Timothy Keller. Ou nos encontramos com Cristo ou a cristandade não vale a pena. Não é de 2014.
- "The Portrait Of A Lady" de Henry James. Um clássico de sempre. E não é de 2014.
M - Mark Driscoll
Este também foi o ano da morte da moda calvinista. Claro que falo dos Estados Unidos porque Portugal não conta. A onda dos Young, Restless and Reformed passou. E os calvinistas, a pouco e pouco, regressam ao lugar que naturalmente lhes pertence: o da minoria (embora seja verdade que o número aumentou nestes últimos anos). O grande momento simbólico deu-se com a queda de Mark Driscoll. Driscoll deixou de ser o pastor da igreja que fundou, recusando-se a cumprir o programa de reabilitação que os anciãos da igreja tinham para si. Isto é tudo muito triste sobretudo tendo em conta que o Pastor Mark era claro e enfático na necessidade de disciplina na igreja. Claro que continuamos a orar por ele esperando que regresse à pregação clara e viva do evangelho a que nos habituou, e que permita que essa mesma pregação o corrija naquilo que é necessário. A boa notícia é que é mais saudável que o evangelho seja pregado livre das modas que aparentemente o podem beneficiar. Nesse sentido, que o calvinismo vá para que Cristo fique.
N - Negas
Aquelas coisas que idealizámos para 2014 e que aparentemente 2014 se negou a nos oferecê-las. Digo aparentemente porque descubro duas coisas positivas nas negas. Uma é que termos negas muitas vezes nos permite termos depois maiores positivas. Outra é saber que muitas vezes as negas são apenas fases intermédias de termos muito mais do que pedimos.
O - Oceano
Este ano fui ao mar 162 vezes. Mais 32 vezes que no ano passado. Fui ao mar uma vez em cada 2,25 dias. Estou animado mas gostava de subir a média em 2015!
P - Pedro Gil
Conheci o Pedro Gil há coisa de um ano. O Pedro trata do gabinete de imprensa do Opus Dei. Em alguns aspectos o Pedro tem-me ensinado mais acerca do catolicismo romano num ano do que aprendi em 37. Contra todos os preconceitos que é fácil formar a partir da péssima imprensa que o Opus tem, demonstrou um interesse genuíno em compreender o protestantismo de um baptista e mostrou na prática essa abertura convidando-me para vários eventos onde deu uma oportunidade à minha voz reformada. É este o tipo de ecumenismo em que continuo a acreditar. Não tem nada a ver com bailes de máscaras onde cada um veste a sua melhor toga para o belo retrato institucional (sei que estou a ser duro mas aturem-me só mais um bocadinho). O meu ecumenismo não é das rezas partilhadas mas é o do conhecimento mútuo para a assunção do que nos une, assunção essa imprescindivelmente acompanhada pela outra assunção do que nos separa.
Q - Quase
Na última viagem de avião senti-me a quase perder o medo de voar. Quase. O que me ajudou? Usei as duas horas da viagem para decorar o Salmo 4. Pode estar aqui uma estratégia de futuro. O rapaz que ia ao meu lado, ao ver-me a abrir e a fechar repetidamente a Bíblia, pode ter ficado com medo que eu me preparasse para algum atentado fundamentalista. Não aconteceu.
R - Rede, estar em rede
Progressivamente vou-me desligando. Ainda estou demasiado ligado. Mas o pouco que me desliguei fez muito. Ouçam-me: para que estejamos ligados ao que interessa, precisamos de nos desligar de muita, muita coisa que consome a nossa atenção (sei que já disse isto a pretexto do livro do Kevin DeYoung mas vale a pena ser repetido).
S - Sérgio Gomes
O Pastor Sérgio Gomes cuida da Igreja Baptista de Rio de Mouro e é mais velho que eu cerca de 15 anos. Não sendo a distância das nossas idades assim tão grande, diria no entanto que o Pr. Sérgio tende a inspirar uma autoridade que o torna aparentemente mais velho. Por causa disso é fácil ganhar uma ideia dele que não corresponde inteiramente à realidade. Antes da minha consagração ao pastorado, tinha-o como colega improvável. Como sabemos, Deus tem sentido de humor e no dia do concílio examinador, quem dirigiu o questionário sobre doutrina e ética? Ele mesmo. Uns tempos depois entregou-me as folhas que usou como rascunho para o orientar nas questões que me fez, recordação que guardo na Bíblia que utilizo para pregar. Ora, o Pr. Sérgio Gomes tem sido um dos grandes impulsionadores das reuniões mensais de pastores baptistas da zona de Lisboa. Adicionando a isso, é pai da Sandra Raquel Henriques que tem sido uma pessoa muito importante na formação escolar dos nossos filhos. Estes factos contribuiram para que o meu contacto com o Pr. Sérgio se tornasse muito frequente este ano. Descobri nele um verdadeiro companheiro. Se já conhecia nele uma reputação de firmeza doutrinária, a surpresa deu-se por descobrir uma generosidade à mesma dimensão. Também entre pastores muito do que parece, não é. O Pr. Sérgio Gomes é daqueles homens que une fibra a braços abertos. Isto é especialmente valioso numa época que tende a estabelecer uma dicotomia pateta entre esses dois aspectos. Não tem de ser ter fibra ou ter braços abertos. Tem de ser as duas coisas ao mesmo tempo. Tenho aprendido isso com o Pr. Sérgio.
T - Tranquilidade
Quantas pessoas realmente tranquilas conhecemos? Que pessoas realmente tranquilas invejamos? Falo de tranquilidade naquele equilíbrio delicado de aceitação e ambição. Aceitar a realidade como prova de humildade e ambicionar outra realidade como prova de justiça. Lotta work to do.
U - Último a morrer
Na minha lista de filmes deste ano um deles é o "Fury". O "Fury" podia ser um filme muito melhor se se mantivesse na dinâmica que aguenta até metade. Ainda assim é o filme com os melhores diálogos para serem absorvidos por um cristão evangélico (são muito saborosas as referências aos cristãos protestantes mainline e, por oposição, aos evangélicos mais fundamentalistas - é preciso estar dentro do contexto para perceber). O "Fury" é, como boa parte do cinema americano, acerca de aguentar até ao fim nem que sejamos os últimos. E por causa disso lembra-me o meu amigo Jónatas Lopes. O Jónatas é um amigo que também é pastor e que me tem ensinado essa arte heróica de aguentar até ao fim, mesmo que seja o último. O Jónatas faz-me lembrar um tanque de guerra parecido com o do "Fury". Ser fiel a alguma coisa implica que tenhamos resistência. Os tiros vêm. E nós não fugimos deles. Se morrermos, paciência (como no filme). Fomos fiéis até ao fim. É o que interessa.
V - Viajar
Viagei muito comparado com a última década. Fui aos Estados Unidos e a França. Foi óptimo. Para ser excelente tenho de o fazer acompanhado da minha mulher.
W - Willow Creek
Este foi o ano em que pela primeira vez tive um contacto directo com a Igreja de Willow Creek. Li uma vez na wikipedia que era a sétima maior igreja dos Estados Unidos. Foi um contacto saudável. É fácil demonizar as igrejas grandes sem grande conhecimento de facto. Não saí fã do Bill Hybels nem na onda da Willow Creek. Mas Deus deu-me a capacidade de me inspirar com algumas das suas virtudes. No Fim-de-Semana Cheio na Lapa tentámos reproduzir a pontualidade, a organização e a excelência como traços do evento. Temos ainda muito caminho pela frente. Mas já somos gratos pelas coisas certas que os cristãos de Willow Creek fazem.
X - XNC2
Quem já grava música há mais de 20 anos sabe que há discos que resultam e outros nem tanto. O segundo disco da Xungaria no Céu, "Dropa o Beat", saiu em Setembro e ficou entalado, sobretudo porque a equipa que o gravou entretanto ocupou-se de outros trabalhos mais prioritários. Uma boa parte da genica com que o gravámos já não existiu na altura em que o editámos e isto faz com que o CD passasse a ser daqueles que, numa perspectiva imediata, não resultaram. Acontece que eu sou um fã de discos entalados, de objectos estranhos e abandonados precocemente. Não é a primeira vez que gravo um disco assim. Aliás, o padrão da reacção aos meus discos era o abandono precoce. Só nos últimos anos, e com a atenção inesperada de alguma imprensa, é que experimentei o contrário: gravar discos ouvidos, criticados, e falados. O segundo disco da XNC já é para mim dos mais especiais. Se ninguém cuida dele, eu serei dos seus maiores aliados. We're all about underdogs.
Y - Yay!
A única crítica que o disco da XNC teve terminava com um Yay! Não era uma crítica positiva (e não a achei completamente justa) mas era uma crítica divertida. O Gato Mariano é em Portugal a melhor crítica musical. É pós-moderna no melhor sentido (porque geralmente não uso o termo pós-moderno como elogio), e traz novidade. Parte de um disco para nos dar mais do que apenas a opinião acerca desse disco. Espero que o Gato Mariano continue (de preferência menos especializado na cenazinha indie deprê nacional).
Z - Zeros
Como escrevi no ano passado, a rigor não são zeros porque o zero inspira-nos neutralidade. Quando falo de zeros não falo de neutralidade mas de erro, de pecado, de mal (na Palavra saber fazer o bem e não o fazer é fazer o mal). Batalhas para 2015: menos distracção e mais coragem.
A ilustração é do Pedro Lourenço.
A - Amizades
Dois mil e catorze foi um ano onde a palavra amizade sai destacada. Porque, pela graça de Deus, ganhei novas amizades e aprofundei algumas que já tinha (coisa que tem acontecido noutros anos). Mas também porque igualmente tive a experiência contrária (coisa que não tem acontecido noutros anos). Não somos educados para perder amigos. E, nesse sentido, permitam-me, somos mal-educados. Porque, na teoria, a minha fé cristã sempre me ensinou que é absolutamente normal perder ligações quando uma ligação maior a Jesus implica uma diferenciação no caminho que até então seguimos acompanhados. Afirmamos na teoria mas na prática acho que nunca estamos muito preparados. Perder uma amizade pode ser uma lição dura mas necessária acerca da suficiência de Cristo.
B - Blogger do ano: Rod Dreher
Rod Dreher bloga na American Conservative e é um católico romano que se tornou ortodoxo. Está a escrever um livro sobre Dante (e influenciou-me ao ponto de ter acabado de comprar nas Amoreiras "A Divina Comédia"), vive no sul dos estados Unidos e é equilibrado ao mesmo tempo que corajoso. Foi o melhor blogue que descobri e passei a seguir este ano.
C - Chata, vida chata
Estou a exagerar, claro. A vida nunca é chata para um cristão. E se há coisa que a minha vida não é, é chata. Mas entendam o argumento. Quando me ponho a pensar sobre 2014 encontro um padrão novo. Este ano em boa parte foi um ano substancialmente diferente dos anos anteriores. Porquê? Porque de um modo geral, desde 2007 que os anos foram extraordinários. Ou porque vivia projectos novos no que diz respeito à igreja, ou porque vivia anos excepcionais no que diz respeito à música (e isto para não falar de 2004 em diante, desde que os miúdos começaram a nascer). Digamos que havia expectativas pouco usuais que, de um modo ou outro, se concretizavam. Ora, 2014 não foi um ano em que nada de especial aconteceu (é assinalável que tenha sido o ano em que a Igreja Baptista de São Domingos de Benfica se tenha unido oficialmente à Segunda Igreja Baptista de Lisboa). Mas foi um ano em que não esperei ou recebi nenhum reconhecimento específico por algo invulgar. Isso faz-me pensar que estou finalmente a amadurecer: os anos valem por si mesmo quando não prometem nada de espantoso.
D - Discos
- "Popular Problems", Leonard Cohen
- "Divide and Exit", Sleaford Mods
- "Pela Surra", Manuel Ferreira
- "#batequebate", D'Alva
- "Sente", HMB
- Disco do Bruno Morgado que, tendo sido gravado, não foi editado
E - Escrever um livro
De facto, foi no ano passado que escrevi um livro e o publiquei (Dezembro). Mas foi neste que o promovi com a minha mulher. Foram quase vinte eventos a falar sobre o "Felizes Para Sempre e Outros Equívocos Acerca do Casamento". O assunto do casamento é uma grande necessidade entre cristãos. Isto porque provavelmente os cristãos o têm mais assumido que aplicado. Por outro lado, aqueles que não são cristãos mostram uma curiosidade genuína sobre ele, até quando não se sentem confortáveis com os seus pressupostos religiosos. Creio que o casamento é um assunto para durar no meu ministério pastoral.
F - Filmes
"Interstellar" de Christopher Nolan
"12 Years A Slave" de Steve McQueen
"The Wolf Of Wall Street" de Martin Scorsese
"Nightcrawler" de Dan Gilroy
"Fury" de David Ayer
"'78" de Yann Demange
"Maps to the Stars" de David Cronenberg
G - Gratidão
Ser grato por obrigação não é uma contradição? Não necessariamente. Ser grato é uma obrigação para quem acredita que viver é uma graça. Logo, ser grato é algo que obrigatoriamente se acrescenta ao acto de existir. A gratidão como disciplina é um absurdo para quem acha que vive porque merece viver. A minha perspectiva é, naturalmente, outra. "Mais louvação, menos murmuração."
H - Henrique Raposo
Geralmente o padrão de quem escreve na imprensa é usar a realidade como pretexto de validar a sua opinião. Há muita selectividade para que se assine a letras grossas aquilo que mantém alguém na posição de justificar ser lido: o seu ego. O Henrique Raposo não faz este percurso. Não digo com isto que quem lê o Henrique não se aperceba de convicções que são visíveis desde que ele começou a escrever. Claro que sim. Ter uma espinha também é isto. Mas o que não tem preço na escrita do Henrique é revelar valores maiores que ele mesmo. O Henrique não escreve para fazer fintinhas de efeito que o mantenham no poleiro literário. O Henrique está interessado nessa coisa chatíssima para a imprensa que é a verdade. Estar interessado nessa coisa chatíssima para a imprensa que é a verdade não implica ser chato. E o Henrique comprova-o. Mas estar interessado na verdade é fazer um percurso de muita solidão. Nesse sentido, o Henrique é a pessoa mais sozinha da nossa imprensa. Quero vê-lo mais acompanhado, claro que sim. Mas a sua peregrinação é uma verdadeira inspiração.
I - Intensidade
O meu amigo Nuno Ornelas alertou-me esta ano para uma característica minha que frequentemente é problemática. A parte de ser problemática foi uma conclusão minha. O Nuno apenas falou na característica. Essa característica é a intensidade. Reconheço isso. A minha intensidade muitas vezes cega-me. Deus tem pegado na minha intensidade e, com muita misericórdia, não raramente a reverte para coisas boas. Mas o meu instinto é, sentindo essa intensidade, fazer dela um passaporte para só parar quando o que desejo se concretiza. Muito trabalho pela frente!
J - João Rosa de Oliveira
2014 ficará como o ano em que partiu o Pr. João Rosa de Oliveira. Muito partiu com ele. Aumentou o peso na balança a favor de desejarmos ir para o Céu.
K - Keller
Este foi o ano em que, como já escrevi, o Kellerista conheceu o Tim Keller. Li o "Encounters With Jesus" e preparo-me para o novo acerca da oração. Como tenho sido próspero em elogios, acrescento só mais um. Uma das coisas mais significativas acerca de Tim Keller é que ele não começa a surfar a crista da onda. Falamos de um homem que teve de pedalar muito para lá chegar. O trabalho em Nova Iorque começou há mais de 25 anos por isso Keller não é um pregador que colhe precocemente os louros da moda calvinista. As lições de Keller foram experimentadas, não são teologia pronta-a-vestir. Isto é precioso para uma geração de pastores jovens como eu que anseia resultados de preferência sem eles nascerem de uma prática longa e consistente. Keller antes de ser da mocidade é da maturidade.
L - Livros
- "How (Not) To Be Secular" de James K.A. Smith. Onde o autor pega no filósofo Charles Taylor e explica que a nossa era secular não é o resultado de Deus ter sido subtraído. As coisas não são assim tão simples. No nosso mundo não é só a descrença que é nova, é também a crença - crer hoje é certamente diferente de crer há cem anos. É um livro de 2014.
- "Delighting In The Trinity" de Michael Reeves. O livro não é deste ano mas foi neste ano que me lembrou que a Trindade é O assunto.
- "As Primeiras Coisas" de Bruno Vieira Aamaral. Foi em 2013 que este livro arrumou os prémios todos mas o meu coração foi só em 2014.
- "Crazy Busy" de Kevin DeYoung. Viver bem é saber do que devemos estar desligados para ficarmos ligados ao que realmente vale a pena. Também não é de 2014.
- "Raised?" de Jonathan Dodson e Brad Watson. Crer em Cristo é não fugir de lutar com o fundamento da ressurreição (e ser vencido por ele). É de 2014!
- "Encounters With Jesus" de Timothy Keller. Ou nos encontramos com Cristo ou a cristandade não vale a pena. Não é de 2014.
- "The Portrait Of A Lady" de Henry James. Um clássico de sempre. E não é de 2014.
M - Mark Driscoll
Este também foi o ano da morte da moda calvinista. Claro que falo dos Estados Unidos porque Portugal não conta. A onda dos Young, Restless and Reformed passou. E os calvinistas, a pouco e pouco, regressam ao lugar que naturalmente lhes pertence: o da minoria (embora seja verdade que o número aumentou nestes últimos anos). O grande momento simbólico deu-se com a queda de Mark Driscoll. Driscoll deixou de ser o pastor da igreja que fundou, recusando-se a cumprir o programa de reabilitação que os anciãos da igreja tinham para si. Isto é tudo muito triste sobretudo tendo em conta que o Pastor Mark era claro e enfático na necessidade de disciplina na igreja. Claro que continuamos a orar por ele esperando que regresse à pregação clara e viva do evangelho a que nos habituou, e que permita que essa mesma pregação o corrija naquilo que é necessário. A boa notícia é que é mais saudável que o evangelho seja pregado livre das modas que aparentemente o podem beneficiar. Nesse sentido, que o calvinismo vá para que Cristo fique.
N - Negas
Aquelas coisas que idealizámos para 2014 e que aparentemente 2014 se negou a nos oferecê-las. Digo aparentemente porque descubro duas coisas positivas nas negas. Uma é que termos negas muitas vezes nos permite termos depois maiores positivas. Outra é saber que muitas vezes as negas são apenas fases intermédias de termos muito mais do que pedimos.
O - Oceano
Este ano fui ao mar 162 vezes. Mais 32 vezes que no ano passado. Fui ao mar uma vez em cada 2,25 dias. Estou animado mas gostava de subir a média em 2015!
P - Pedro Gil
Conheci o Pedro Gil há coisa de um ano. O Pedro trata do gabinete de imprensa do Opus Dei. Em alguns aspectos o Pedro tem-me ensinado mais acerca do catolicismo romano num ano do que aprendi em 37. Contra todos os preconceitos que é fácil formar a partir da péssima imprensa que o Opus tem, demonstrou um interesse genuíno em compreender o protestantismo de um baptista e mostrou na prática essa abertura convidando-me para vários eventos onde deu uma oportunidade à minha voz reformada. É este o tipo de ecumenismo em que continuo a acreditar. Não tem nada a ver com bailes de máscaras onde cada um veste a sua melhor toga para o belo retrato institucional (sei que estou a ser duro mas aturem-me só mais um bocadinho). O meu ecumenismo não é das rezas partilhadas mas é o do conhecimento mútuo para a assunção do que nos une, assunção essa imprescindivelmente acompanhada pela outra assunção do que nos separa.
Q - Quase
Na última viagem de avião senti-me a quase perder o medo de voar. Quase. O que me ajudou? Usei as duas horas da viagem para decorar o Salmo 4. Pode estar aqui uma estratégia de futuro. O rapaz que ia ao meu lado, ao ver-me a abrir e a fechar repetidamente a Bíblia, pode ter ficado com medo que eu me preparasse para algum atentado fundamentalista. Não aconteceu.
R - Rede, estar em rede
Progressivamente vou-me desligando. Ainda estou demasiado ligado. Mas o pouco que me desliguei fez muito. Ouçam-me: para que estejamos ligados ao que interessa, precisamos de nos desligar de muita, muita coisa que consome a nossa atenção (sei que já disse isto a pretexto do livro do Kevin DeYoung mas vale a pena ser repetido).
S - Sérgio Gomes
O Pastor Sérgio Gomes cuida da Igreja Baptista de Rio de Mouro e é mais velho que eu cerca de 15 anos. Não sendo a distância das nossas idades assim tão grande, diria no entanto que o Pr. Sérgio tende a inspirar uma autoridade que o torna aparentemente mais velho. Por causa disso é fácil ganhar uma ideia dele que não corresponde inteiramente à realidade. Antes da minha consagração ao pastorado, tinha-o como colega improvável. Como sabemos, Deus tem sentido de humor e no dia do concílio examinador, quem dirigiu o questionário sobre doutrina e ética? Ele mesmo. Uns tempos depois entregou-me as folhas que usou como rascunho para o orientar nas questões que me fez, recordação que guardo na Bíblia que utilizo para pregar. Ora, o Pr. Sérgio Gomes tem sido um dos grandes impulsionadores das reuniões mensais de pastores baptistas da zona de Lisboa. Adicionando a isso, é pai da Sandra Raquel Henriques que tem sido uma pessoa muito importante na formação escolar dos nossos filhos. Estes factos contribuiram para que o meu contacto com o Pr. Sérgio se tornasse muito frequente este ano. Descobri nele um verdadeiro companheiro. Se já conhecia nele uma reputação de firmeza doutrinária, a surpresa deu-se por descobrir uma generosidade à mesma dimensão. Também entre pastores muito do que parece, não é. O Pr. Sérgio Gomes é daqueles homens que une fibra a braços abertos. Isto é especialmente valioso numa época que tende a estabelecer uma dicotomia pateta entre esses dois aspectos. Não tem de ser ter fibra ou ter braços abertos. Tem de ser as duas coisas ao mesmo tempo. Tenho aprendido isso com o Pr. Sérgio.
T - Tranquilidade
Quantas pessoas realmente tranquilas conhecemos? Que pessoas realmente tranquilas invejamos? Falo de tranquilidade naquele equilíbrio delicado de aceitação e ambição. Aceitar a realidade como prova de humildade e ambicionar outra realidade como prova de justiça. Lotta work to do.
U - Último a morrer
Na minha lista de filmes deste ano um deles é o "Fury". O "Fury" podia ser um filme muito melhor se se mantivesse na dinâmica que aguenta até metade. Ainda assim é o filme com os melhores diálogos para serem absorvidos por um cristão evangélico (são muito saborosas as referências aos cristãos protestantes mainline e, por oposição, aos evangélicos mais fundamentalistas - é preciso estar dentro do contexto para perceber). O "Fury" é, como boa parte do cinema americano, acerca de aguentar até ao fim nem que sejamos os últimos. E por causa disso lembra-me o meu amigo Jónatas Lopes. O Jónatas é um amigo que também é pastor e que me tem ensinado essa arte heróica de aguentar até ao fim, mesmo que seja o último. O Jónatas faz-me lembrar um tanque de guerra parecido com o do "Fury". Ser fiel a alguma coisa implica que tenhamos resistência. Os tiros vêm. E nós não fugimos deles. Se morrermos, paciência (como no filme). Fomos fiéis até ao fim. É o que interessa.
V - Viajar
Viagei muito comparado com a última década. Fui aos Estados Unidos e a França. Foi óptimo. Para ser excelente tenho de o fazer acompanhado da minha mulher.
W - Willow Creek
Este foi o ano em que pela primeira vez tive um contacto directo com a Igreja de Willow Creek. Li uma vez na wikipedia que era a sétima maior igreja dos Estados Unidos. Foi um contacto saudável. É fácil demonizar as igrejas grandes sem grande conhecimento de facto. Não saí fã do Bill Hybels nem na onda da Willow Creek. Mas Deus deu-me a capacidade de me inspirar com algumas das suas virtudes. No Fim-de-Semana Cheio na Lapa tentámos reproduzir a pontualidade, a organização e a excelência como traços do evento. Temos ainda muito caminho pela frente. Mas já somos gratos pelas coisas certas que os cristãos de Willow Creek fazem.
X - XNC2
Quem já grava música há mais de 20 anos sabe que há discos que resultam e outros nem tanto. O segundo disco da Xungaria no Céu, "Dropa o Beat", saiu em Setembro e ficou entalado, sobretudo porque a equipa que o gravou entretanto ocupou-se de outros trabalhos mais prioritários. Uma boa parte da genica com que o gravámos já não existiu na altura em que o editámos e isto faz com que o CD passasse a ser daqueles que, numa perspectiva imediata, não resultaram. Acontece que eu sou um fã de discos entalados, de objectos estranhos e abandonados precocemente. Não é a primeira vez que gravo um disco assim. Aliás, o padrão da reacção aos meus discos era o abandono precoce. Só nos últimos anos, e com a atenção inesperada de alguma imprensa, é que experimentei o contrário: gravar discos ouvidos, criticados, e falados. O segundo disco da XNC já é para mim dos mais especiais. Se ninguém cuida dele, eu serei dos seus maiores aliados. We're all about underdogs.
Y - Yay!
A única crítica que o disco da XNC teve terminava com um Yay! Não era uma crítica positiva (e não a achei completamente justa) mas era uma crítica divertida. O Gato Mariano é em Portugal a melhor crítica musical. É pós-moderna no melhor sentido (porque geralmente não uso o termo pós-moderno como elogio), e traz novidade. Parte de um disco para nos dar mais do que apenas a opinião acerca desse disco. Espero que o Gato Mariano continue (de preferência menos especializado na cenazinha indie deprê nacional).
Z - Zeros
Como escrevi no ano passado, a rigor não são zeros porque o zero inspira-nos neutralidade. Quando falo de zeros não falo de neutralidade mas de erro, de pecado, de mal (na Palavra saber fazer o bem e não o fazer é fazer o mal). Batalhas para 2015: menos distracção e mais coragem.
A ilustração é do Pedro Lourenço.