O Compacto de Férias Voz do Deserto
As férias já acabaram há muito mas não queria deixar de mencionar algumas coisas acerca delas. Seguem em ordem alfabética.
Acampamentos
A Família Cavaco não sabe passar férias sem acampamentos. Este ano passámos duas semanas no Acampamento Baptista de Água de Madeiros. A primeira ajudando a dirigir a semana do Acampamento Familiar II, destinado sobretudo a famílias. A segunda frequentando a Conferência Bíblica, destinada a uma reflexão mais intensa e profunda sobre as Escrituras. Quando se consegue juntar descanso a descanso na Palavra as férias ficam mais perfeitas.
Chicago
Estive mais tempo nos subúrbios de Chicago do que propriamente em Chicago. Eu e o grupo de Pastores que fomos de Portugal para o Leadership Summit na Igreja de Willow Creek passámos apenas um dia a conhecer a cidade. Mas gostámos do que vimos. A mim Chicago pareceu-me uma Nova Iorque mais dada ao mar (que na verdade é um rio). Tem as torres (não tantas) mas tem mais espírito balnear. Vi pouco mas gostei muito.
Confissão de pecados
Creio que os evangélicos se orgulham precocemente no facto de não terem a confissão auricular. Concordo com o facto de uma igreja evangélica não ter a confissão auricular como Roma tem. Mas isto não apaga a necessidade da vida entre cristãos ser marcada pela confissão de pecados uns aos outros. Nestas férias assisti a uma cena de confissão de pecados que me abençoou. Assistir a uma coisa que geralmente preferimos fazer longe de qualquer assistência é um dos privilégios de Deus me ter chamado para cuidar espiritualmente de pessoas. Porque confessar os pecados uns aos outros passa por reconhecer a nossa derrota, é certo, mas é sobretudo uma experiência de vitória. O perdão, destino natural de qualquer confissão, é dos maiores triunfos que podemos esperar desta vida.
Driscoll, Mark
Creio que o maior contributo que podemos oferecer ao "caso Driscoll" (os curiosos googlem com prudência) é oração e não oratória. Só queria dizer que a minha vida foi decisivamente influenciada pelo Pastor Mark Driscoll e duvido que hoje servisse no ministério pastoral como sirvo sem esta influência. Por isso, quando vejo a paragem do exercício pastoral provocada por uma convicção generalizada que o Pr. Mark não está em condições de pastorear enquanto não resolver as acusações que lhe são colocadas, não me sinto assim tão fora do problema. Provavelmente faço parte de uma pequena multidão de jovens pastores no mundo que se inspira no Pr. Driscoll para ambicionar coisas parecidas com aquelas que ele tem feito. Que Deus nos ajude a que sejam as coisas certas e não as coisas erradas que aparentemente o colocaram em sarilhos agora. E que Deus ajude o Pr. Driscoll.
Estados Unidos
Depois de quase 12 anos voltei aos Estados Unidos.
Man, eu amo os Estados Unidos! Doze anos depois é diferente estar lá porque não é o mesmo Tiago que lá chega. Acho que tenho mais paciência para os defeitos americanos. Amar seja o que for não é esquecer o mal que tem aquilo que amamos. E a América, com certeza!, não é o Céu na terra. Mas é uma cultura que, creio, maneja princípios celestes: o valor do trabalho, a excelência do que se faz, a oportunidade para que o indivíduo se afirme através das suas acções, entre outras coisas. Há muitas consequências que daqui nascem. Algumas delas, e bem simples, estou a tentar implementar melhor na minha vida e da minha comunidade. A pontualidade, por exemplo. Por que é que os Americanos tendem a ser quase insuportavelmente pontuais? Arrisco esta resposta curta: porque não têm complexos a reconhecerem o valor infinito do bem no valor finito do tempo.
Ética do trabalho
Durante a semana em Água de Madeiros fomos ao mar. O mar de Água de Madeiros não é famoso por ser meigo. Conseguimos uns bons banhos mesmo tendo em conta que nos últimos anos a praia ficou mais descascada e por isso com muitas rochas que tornam o acesso ao oceano mais complicado. Numa tarde houve um rapaz que se sentiu mal dentro de água e o meu amigo Tiago Branco, quase a terminar os estudos de medicina, rapidamente desceu do bar onde tomávamos uma cerveja para acudir. Tudo correu bem. Impressionou-me a mim e ao Filipe, com quem também estava, aquela prontidão. Apercebi-me que no caso dos médicos a ética de trabalho parece uma coisa mais assumida. Claro que ajuda o facto de ser uma vocação que salva vidas. Mas se todos se lembrassem que qualquer trabalho pede uma ética (até os trabalhos que directamente não salvam vidas), teríamos profissões a serem exercidas que mais facilmente fariam pela vida dos outros.
Kroker, Valdemar
Pela segunda vez estivemos com o Pr. Valdemar Kroker e com a sua esposa Simone (na Conferência Bíblica). O Pr. Valdemar serve numa Igreja Menonita, o que na prática significa que não concordará com tudo aquilo que eu, um baptista reformado, concordo. Isso notou-se uma vez quando falou em Hebreus 6, dando a entender a sua crença na possibilidade da perda da salvação. A partir daí ganhámos um filão incessante de piadas de calvinistas versus arminianos. Mas onde quero chegar é que com cristãos como o Pr. Valdemar não só dá para trocar piadas como daria para trocar púlpitos. O Pr. Valdemar Kroker poderia pregar um ano inteiro na minha igreja que estaria certo que a congregação receberia bom ensino bíblico. Isto porque o cuidado que revelou quando numa doutrina importante divergiu não foi a custo de desvalorizá-la (o truque habitual dos nossos dias: "discutir teologia não faz mal porque a teologia não é assim tão importante"). O Pr. Valdemar fez o oposto: explicou que por valorizar a doutrina não podia, quando chegava a outro entendimento, concordar em consciência com uma boa parte das pessoas que o ouviam. Estas são características de um homem fiel à Palavra. Um calvinista e um arminiano têm muito em comum quando, chegando a conclusões diferentes, amam e confiam na Bíblia.
Luiz Sayão
Ouvir Luiz Sayão é bênção, apetece dizer com pronúncia brasileira. Uma imagem visual que guardo das suas palestras em Água de Madeiros faz-me pensar num rabi ensinando na sinagoga. A calma que transmite não é um pretexto para o aborrecimento mas para uma compreensão mais profunda. Um mestre sentado a fazer-nos o cérebro correr.
Maceira Liz
Pela primeira vez assisti a um seviço de culto na Igreja Baptista de Maceira Liz. Éramos um grupo familiar, 17 pessoas. Recordei-me do tempo da nossa Missão em São Domingos de Benfica, quando contávamos com cerca de 15 em cada reunião. O Pastor Pedro Afonso dirigiu a Escola Dominical, pregou e ainda tocou violino no Prelúdio. É fácil esquecermo-nos da realidade do País quando estamos nos confortos da capital. É fácil saltarmos de culto para culto em Lisboa conforme o nosso ritmo religioso turístico, esquecendo que grande parte das igrejas locais se mantém através de um verdadeiro acto de resistência e sacrifício.
Semana
Pela primeira vez desde que me casei há doze anos, passei uma semana longe da Rute. E, consequentemente, pela primeira vez passei uma semana longe dos meninos. Não sabia como ia ser a despedida mas foi uma choradeira sobretudo com os rapazes. Acho que os Cavacos homens são uns valentes chorões. Não tenho um problema com isso na medida em que acho que é preciso coração para haver coragem autêntica. Estava ansioso pelo regresso. Trazia bastões pequenos de basebol para os meninos, bonecas Disney para as meninas, um livro para a Rute, e vontade de regressar às pessoas a quem pertenço. Sair é bom mas voltar é muito melhor.
Voar
Depois de mais de dez anos sem voar, apercebi-me que tenho um problema. Voar sai-me do pêlo. Estou conciliado teologicamente com a ideia de que, se Deus me predestinou para morrer num avião, assim será. Mas não estou conciliado emocionalmente com o facto quando voo. Nos quatro voos que tive de apanhar, tive a minha experiência mais recente de pura ansiedade. Orava, orava e orava. Se pensava na Rute ou nos miúdos, ainda mais ansioso ficava. Os meus companheiros de viagem, outros pastores que voavam comigo para o Summit em Chicago, iam impávidos e serenos. Arminianos mais conciliados com a soberania divina que eu (depois tenho de fazer justiça a estes homens incríveis escrevendo à
parte acerca deles - o Carlitos, o Paulo Gomes e o Américo Marques). Para a próxima creio que me renderei às maravilhas da farmacêutica.
Willow Creek
A Igreja de Willow Creek tem um parque de estacionamento maior que o Continente de Alfragide. As suas instalações cobrem talvez a área do Colombo. O auditório leva mais de sete mil pessoas sentadas. Há dois grandes ecrãs
state-of-the-art no palco e outros quantos espalhados pelas filas de cadeiras (dizendo de outra maneira, aquela igreja evangélica tem condições que nenhuma casa de espectáculo em Portugal tem). Há um lago e relvados generosos para descansarmos. Há todo um universo que não pode deixar de surpreender quem venha de fora da América. O Pastor, Bill Hybels, coloca muito a tónica no conceito de liderança. Na minha opinião, há um exagero nessa tónica. Mas tenho de reconhecer que a ética de trabalho (lá estou eu!) é invejável. Mesmo não sendo a minha praia, apanhei umas quantas boas ondas na Igreja de Willow Creek. Aprendi lições importantes acerca de responsabilidade, visão, mordomia, empenho, excelência. E regressei a Portugal com mais vontade de fazer melhor. Não para ter uma comunidade que imite a Willow Creek. Mas para ter uma comunidade que imite Cristo.