terça-feira, setembro 30, 2014

Ouvir
Muitas vezes o que nos afasta de Cristo não é o que sentimos que ele já nos dá. Muitas vezes o que nos afasta de Cristo é não levarmos até ele o que ele ainda não nos deu. A Mulher Siro-Fenícia fez uma berraria até que Cristo a atendesse. Quando foi a última vez que nos desunhámos pela misericórdia de Cristo?
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).

segunda-feira, setembro 29, 2014

Celebrando um homem sem fermento dos fariseus

[Este sermão foi pregado no passado Sábado num serviço de culto que serviu para homenagear o Pastor João Rosa de Oliveira, a pretexto do seu 80º aniversário. Sempre que se se fala no Pr. Oliveira, fala-se também e necessariamente na sua esposa, Lídia Oliveira.]

Marcos 8:10-21

Quando se foi pastoreado por 16 anos pelo Pastor João Rosa de Oliveira é difícil não ter o Pastor João Rosa de Oliveira como referência quando nos tornamos pastores. Mal de mim se tivesse a pretensão de resumir a importância do seu exemplo para mim. Seria um absurdo porque estou convencido que uma boa parte dessa importância ainda está para ser compreendida, à medida que ganhe uma experiência maior como a dele. No entanto, há tanto que já podia dizer agora e que nem sequer quero tentar. Gostava de me concentrar apenas num aspecto. Aspecto esse que encontro no texto que quero partilhar convosco. Vamos até Marcos 8:10-21.
No nosso meio evangélico, se alguém chamar a outro fariseu é do mais próximo que temos para um palavrão. Na Bíblia os fariseus não saem por cima porque são o tipo de pessoa que mais chocou com Jesus. Por isso não é descabido que fariseu seja uma palavra feia para um crente. Mas gostava de, sem perder a ortodoxia bíblica, dizer só uma coisinha a favor dos fariseus.
Se tivermos em conta que este episódio acontece em Dalmanuta (como vemos no v. 10), e se lembrarmos que Dalmanuta era no norte, na costa ocidental da Galileia, bem longe do abrigo seguro dos fariseus que era a capital em Jerusalém, não devemos deixar de ficar impressionados com o trabalho a que se davam estes homens. Os fariseus levavam a sua missão de confrontar Jesus muito a sério, dispondo-se a irem a lugares que os repugnavam. A Galileia era uma zona em que a mistura de judaísmo com paganismos vários corria solta. A Bíblia não nos diz que Jesus queria evitar os fariseus, mas não deixa de ser significativo que nos indique que os fariseus não o querem evitar a ele. Tivéssemos nós um bocadinho do empenho em seguir Jesus que os fariseus tinham em persegui-lo.
O Evangelho de Mateus, narrando o mesmo acontecimento (Mt 16:1-12), detalha que com os fariseus estão também os saduceus (também chamados Herodianos), a classe religiosa mais progressista. O facto recorda-nos que a oposição a Jesus junta os tipos mais opostos de gente, dos conservadores aos liberais. Odiar Cristo parece ser o ecumenismo mais fácil. O que quer esta inesperada coligação? Apanhar Cristo em falso. Para isso pedem-lhe um sinal. Quando pedem um sinal a Cristo, o pretexto é averiguar se Jesus é um profeta legítimo. Mas apercebemo-nos que na realidade essa não é a questão fundamental dos fariseus e dos saduceus. No seu coração eles já tomaram uma decisão sobre quem Jesus é. Interiormente eles já concluiram que Jesus não alguém a seguir mas um alvo a abater. Por isso não há sinceridade no seu pedido. Vão a Jesus não na possibilidade de acreditarem nele mas na certeza de lhe tirarem crédito. Não é fácil muitas vezes cairmos no mesmo erro? Apresentarmos questões sobre a fé que não são genuinamente questões mas conclusões precipitadas que o cristianismo não nos serve. Há presunções que chegam mascaradas de pedidos.
Jesus responde com as vísceras. Arranca do íntimo do seu espírito um gemido e diz: "Por que pede esta geração um sinal? Em verdade vos digo que a esta geração não será dado sinal algum". Em mais nenhuma ocasião é descrito deste modo o suspiro do Mestre. O que ele revela é mais que cansaço, enfado ou simples falta de paciência. No sinal que os fariseus e saduceus pedem está uma rejeição convicta de Cristo. De quem ele é e do que tem feito. No fundo, e como diz Darby, é sobre as próprias provas que Jesus já tem dado que os fariseus constroem a sua dúvida. Quanto mais o Senhor revela, menos os religiosos aceitam. Por isso o pedido que fazem não é uma possibilidade de verem mas uma certeza que querem continuar de olhos fechados. Não é apenas Jesus que interrompe a conversa, ela já está terminada no coração dos seus opositores. Por isso, não há nada a fazer ali. Jesus deixa-os e passa de barco para a outra margem. E Mateus dá um pormenor que Marcos não. Revela que o Mestre fala no sinal de Jonas, que prefiguramos como símbolo da Ressurreição futura de Cristo (os três dias do profeta contrariado dentro do estômago do peixe).
Há ironias muito saborosas no que acontece a seguir. Estávamos no rescaldo de uma multiplicação de pães e peixes. No entanto, esta viagem leva um mísero resto da abundância desse milagre – apenas um pão (v. 14). E Jesus decide ficar no assunto do pão. "Guardai-vos do fermento dos fariseus e do fermento de Herodes", diz-lhes. Os discípulos concluem que Jesus está a ser ácido com eles, com o facto de não terem guardado pão que chegasse para a ocasião (v. 16). Mas a culpa que começam a sentir está mal orientada. Jesus não quer confrontar a falta de sentido prático quotidiano dos discípulos. Jesus quer confrontar a falta de sentido prático eterno deles. O que Jesus quer que os discípulos sintam não é a fome de pão. Jesus quer que eles sintam falta de um tipo de comida para a qual ainda nem sequer têm fome. Por isso faz oito perguntas de rajada.
A figura do fermento, ao longo de toda a Bíblia, é associada ao pecado e apenas nas parábolas de Cristo aparece como um elemento positivo. O fermento dos fariseus e dos herodianos, os dois extremos da oposição a Jesus, representava por um lado o legalismo e o mundanismo. Posso ignorar Cristo colocando o meu esforço em ser uma pessoa eticamente irrepreensível. Isto era o que caracterizava os fariseus. Mas também posso ignorar Cristo colocando o meu esforço em relativizar tudo e render-me às tendências. Isto era o que caracterizava os saduceus. Para os seus discípulos Jesus quer decididamente mais que regras ou relaxamento. No fundo, o conservador e o progressista são bons a procurar uma identidade que é artificial porque tenta resolver por nós mesmos aquilo que só Deus pode resolver. O fariseu quer salvar-se pelas regras, o saduceu quer salvar-se pelo relaxe. São manobras parecidas com o que o fermento faz com a farinha. O tamanho aumenta facilmente sem que o conteúdo acompanhe. Qualquer pessoa que se tenta salvar a si mesmo vende uma salvação contrabandeada. É um pão de muito fermento e pouca farinha.
Nestas oito perguntas de Cristo podemos pelo menos compreender três insinuações que redundam numa acusação final. Primeiro, que os discípulos não estão a usar a sua inteligência e percepção (falta de consideração e compreensão no verso 17, olhos e ouvidos fechados no verso 18). Segundo, que os discípulos revelam coração duro (verso 17). E, terceiro, que os discípulos têm memória curta (no verso 18, que servirá de base para Cristo perguntar sobre o número de cestos que recolheram dos restos dos dois milagres da multiplicação dos pães, de onde sairá uma resposta correcta dos discípulos). Portanto, pouca inteligência, coração duro e pouca memória. A pergunta final: "não compreendeis ainda?" parece-nos difícil também para nós, se formos honestos. Os discípulos não estão a compreender porque não estão a dar uso aos olhos da fé, sugere Jesus. E a próxima cura do cego de Betsaida é a ilustração perfeita dessa lição que Cristo quer ensinar. É preciso olhar espiritualmente para ver melhor.
Por que razão falo neste texto num dia que queremos honrar a fidelidade do Pastor João Rosa de Oliveira? Porque conheço-o como um homem que olha com a fé. E que, por olhar com fé, é um homem sem fermento dos fariseus e dos herodianos.
Deixem-me terminar com uma história recente. Graças ao Pastor Rui Sabino e ao Pastor Jónatas Lopes começaram no ano passado umas reuniões mensais de pastores baptistas. Têm sido uma bênção. Uma das coisas que se tornou um hábito nessas reuniões é a partilha de assuntos de oração. Como foi novo para mim conhecer pastores a partir das suas necessidades! Ao mesmo tempo, e logo desde as primeiras reuniões, um momento tornou-se repetitivo. Abençoadamente repetitivo. Geralmente sentados lado a lado estavam o Pr. Oliveira e o Pr. Leal. Esta tarde gostava de homenagear também o Pr. Leal que igualmente tem sido um mestre fiel e um companheiro inseparável para mim. Dizia que geralmente sentados lado a lado estavam o Pr. Oliveira e o Pr. Leal. Geralmente o Pr. Oliveira levantava-se e agradecia. Agradecia pela reunião, pelos pastores, pela doença, pela oportunidade de testemunho "nos hospitais onde é freguês". E muitos de nós ríamos primeiro mas chorávamos depois.
Alguns, que ainda não conheciam bem o Pr. Oliveira e o Pr. Leal, começaram a perceber que aquela dupla era especial. Que estava lá para muito mais do que dar um toque de experiência a uma reunião que, graças a Deus!, tem uns quantos pastores jovens. Uma boa parte de nós percebeu que aquela dupla, o Pr. Oliveira e o Pr. Leal, estava lá não para nos lembrar do passado mas para nos fazer desejar um futuro. O Pr. Oliveira e o Pr. Leal estavam lá para nos servir de exemplo para o modo como queremos terminar a nossa carreira. Leais ao Senhor e lado a lado com os irmãos.
Esta tarde celebro o meu Redentor a partir do exemplo do Pr. Oliveira. Celebro o Senhor por me ter dado exemplos bíblicos na minha vida. Homens que não põem no fermento o seu crescimento. Mas homens que põem em Cristo o seu crescimento. Homens que vêem melhor porque olham com fé. Homens que me ensinaram a amar mais Cristo. A minha gratidão a Deus pela vida do Pr. Oliveira é demasiado grande para caber nestas palavras. Mas por isso é que Deus nos deu uma eternidade junto a ele. Teremos tempo para agradecer-lhe por tudo isto.

sexta-feira, setembro 26, 2014

O Compacto de Férias Voz do Deserto
As férias já acabaram há muito mas não queria deixar de mencionar algumas coisas acerca delas. Seguem em ordem alfabética.

Acampamentos
A Família Cavaco não sabe passar férias sem acampamentos. Este ano passámos duas semanas no Acampamento Baptista de Água de Madeiros. A primeira ajudando a dirigir a semana do Acampamento Familiar II, destinado sobretudo a famílias. A segunda frequentando a Conferência Bíblica, destinada a uma reflexão mais intensa e profunda sobre as Escrituras. Quando se consegue juntar descanso a descanso na Palavra as férias ficam mais perfeitas.

Chicago
Estive mais tempo nos subúrbios de Chicago do que propriamente em Chicago. Eu e o grupo de Pastores que fomos de Portugal para o Leadership Summit na Igreja de Willow Creek passámos apenas um dia a conhecer a cidade. Mas gostámos do que vimos. A mim Chicago pareceu-me uma Nova Iorque mais dada ao mar (que na verdade é um rio). Tem as torres (não tantas) mas tem mais espírito balnear. Vi pouco mas gostei muito.

Confissão de pecados
Creio que os evangélicos se orgulham precocemente no facto de não terem a confissão auricular. Concordo com o facto de uma igreja evangélica não ter a confissão auricular como Roma tem. Mas isto não apaga a necessidade da vida entre cristãos ser marcada pela confissão de pecados uns aos outros. Nestas férias assisti a uma cena de confissão de pecados que me abençoou. Assistir a uma coisa que geralmente preferimos fazer longe de qualquer assistência é um dos privilégios de Deus me ter chamado para cuidar espiritualmente de pessoas. Porque confessar os pecados uns aos outros passa por reconhecer a nossa derrota, é certo, mas é sobretudo uma experiência de vitória. O perdão, destino natural de qualquer confissão, é dos maiores triunfos que podemos esperar desta vida.

Driscoll, Mark

Creio que o maior contributo que podemos oferecer ao "caso Driscoll" (os curiosos googlem com prudência) é oração e não oratória. Só queria dizer que a minha vida foi decisivamente influenciada pelo Pastor Mark Driscoll e duvido que hoje servisse no ministério pastoral como sirvo sem esta influência. Por isso, quando vejo a paragem do exercício pastoral provocada por uma convicção generalizada que o Pr. Mark não está em condições de pastorear enquanto não resolver as acusações que lhe são colocadas, não me sinto assim tão fora do problema. Provavelmente faço parte de uma pequena multidão de jovens pastores no mundo que se inspira no Pr. Driscoll para ambicionar coisas parecidas com aquelas que ele tem feito. Que Deus nos ajude a que sejam as coisas certas e não as coisas erradas que aparentemente o colocaram em sarilhos agora. E que Deus ajude o Pr. Driscoll.

Estados Unidos
Depois de quase 12 anos voltei aos Estados Unidos. Man, eu amo os Estados Unidos! Doze anos depois é diferente estar lá porque não é o mesmo Tiago que lá chega. Acho que tenho mais paciência para os defeitos americanos. Amar seja o que for não é esquecer o mal que tem aquilo que amamos. E a América, com certeza!, não é o Céu na terra. Mas é uma cultura que, creio, maneja princípios celestes: o valor do trabalho, a excelência do que se faz, a oportunidade para que o indivíduo se afirme através das suas acções, entre outras coisas. Há muitas consequências que daqui nascem. Algumas delas, e bem simples, estou a tentar implementar melhor na minha vida e da minha comunidade. A pontualidade, por exemplo. Por que é que os Americanos tendem a ser quase insuportavelmente pontuais? Arrisco esta resposta curta: porque não têm complexos a reconhecerem o valor infinito do bem no valor finito do tempo.

Ética do trabalho
Durante a semana em Água de Madeiros fomos ao mar. O mar de Água de Madeiros não é famoso por ser meigo. Conseguimos uns bons banhos mesmo tendo em conta que nos últimos anos a praia ficou mais descascada e por isso com muitas rochas que tornam o acesso ao oceano mais complicado. Numa tarde houve um rapaz que se sentiu mal dentro de água e o meu amigo Tiago Branco, quase a terminar os estudos de medicina, rapidamente desceu do bar onde tomávamos uma cerveja para acudir. Tudo correu bem. Impressionou-me a mim e ao Filipe, com quem também estava, aquela prontidão. Apercebi-me que no caso dos médicos a ética de trabalho parece uma coisa mais assumida. Claro que ajuda o facto de ser uma vocação que salva vidas. Mas se todos se lembrassem que qualquer trabalho pede uma ética (até os trabalhos que directamente não salvam vidas), teríamos profissões a serem exercidas que mais facilmente fariam pela vida dos outros.

Kroker, Valdemar
Pela segunda vez estivemos com o Pr. Valdemar Kroker e com a sua esposa Simone (na Conferência Bíblica). O Pr. Valdemar serve numa Igreja Menonita, o que na prática significa que não concordará com tudo aquilo que eu, um baptista reformado, concordo. Isso notou-se uma vez quando falou em Hebreus 6, dando a entender a sua crença na possibilidade da perda da salvação. A partir daí ganhámos um filão incessante de piadas de calvinistas versus arminianos. Mas onde quero chegar é que com cristãos como o Pr. Valdemar não só dá para trocar piadas como daria para trocar púlpitos. O Pr. Valdemar Kroker poderia pregar um ano inteiro na minha igreja que estaria certo que a congregação receberia bom ensino bíblico. Isto porque o cuidado que revelou quando numa doutrina importante divergiu não foi a custo de desvalorizá-la (o truque habitual dos nossos dias: "discutir teologia não faz mal porque a teologia não é assim tão importante"). O Pr. Valdemar fez o oposto: explicou que por valorizar a doutrina não podia, quando chegava a outro entendimento, concordar em consciência com uma boa parte das pessoas que o ouviam. Estas são características de um homem fiel à Palavra. Um calvinista e um arminiano têm muito em comum quando, chegando a conclusões diferentes, amam e confiam na Bíblia.

Luiz Sayão
Ouvir Luiz Sayão é bênção, apetece dizer com pronúncia brasileira. Uma imagem visual que guardo das suas palestras em Água de Madeiros faz-me pensar num rabi ensinando na sinagoga. A calma que transmite não é um pretexto para o aborrecimento mas para uma compreensão mais profunda. Um mestre sentado a fazer-nos o cérebro correr.

Maceira Liz
Pela primeira vez assisti a um seviço de culto na Igreja Baptista de Maceira Liz. Éramos um grupo familiar, 17 pessoas. Recordei-me do tempo da nossa Missão em São Domingos de Benfica, quando contávamos com cerca de 15 em cada reunião. O Pastor Pedro Afonso dirigiu a Escola Dominical, pregou e ainda tocou violino no Prelúdio. É fácil esquecermo-nos da realidade do País quando estamos nos confortos da capital. É fácil saltarmos de culto para culto em Lisboa conforme o nosso ritmo religioso turístico, esquecendo que grande parte das igrejas locais se mantém através de um verdadeiro acto de resistência e sacrifício.

Semana
Pela primeira vez desde que me casei há doze anos, passei uma semana longe da Rute. E, consequentemente, pela primeira vez passei uma semana longe dos meninos. Não sabia como ia ser a despedida mas foi uma choradeira sobretudo com os rapazes. Acho que os Cavacos homens são uns valentes chorões. Não tenho um problema com isso na medida em que acho que é preciso coração para haver coragem autêntica. Estava ansioso pelo regresso. Trazia bastões pequenos de basebol para os meninos, bonecas Disney para as meninas, um livro para a Rute, e vontade de regressar às pessoas a quem pertenço. Sair é bom mas voltar é muito melhor.

Voar
Depois de mais de dez anos sem voar, apercebi-me que tenho um problema. Voar sai-me do pêlo. Estou conciliado teologicamente com a ideia de que, se Deus me predestinou para morrer num avião, assim será. Mas não estou conciliado emocionalmente com o facto quando voo. Nos quatro voos que tive de apanhar, tive a minha experiência mais recente de pura ansiedade. Orava, orava e orava. Se pensava na Rute ou nos miúdos, ainda mais ansioso ficava. Os meus companheiros de viagem, outros pastores que voavam comigo para o Summit em Chicago, iam impávidos e serenos. Arminianos mais conciliados com a soberania divina que eu (depois tenho de fazer justiça a estes homens incríveis escrevendo à parte acerca deles - o Carlitos, o Paulo Gomes e o Américo Marques). Para a próxima creio que me renderei às maravilhas da farmacêutica.

Willow Creek
A Igreja de Willow Creek tem um parque de estacionamento maior que o Continente de Alfragide. As suas instalações cobrem talvez a área do Colombo. O auditório leva mais de sete mil pessoas sentadas. Há dois grandes ecrãs state-of-the-art no palco e outros quantos espalhados pelas filas de cadeiras (dizendo de outra maneira, aquela igreja evangélica tem condições que nenhuma casa de espectáculo em Portugal tem). Há um lago e relvados generosos para descansarmos. Há todo um universo que não pode deixar de surpreender quem venha de fora da América. O Pastor, Bill Hybels, coloca muito a tónica no conceito de liderança. Na minha opinião, há um exagero nessa tónica. Mas tenho de reconhecer que a ética de trabalho (lá estou eu!) é invejável. Mesmo não sendo a minha praia, apanhei umas quantas boas ondas na Igreja de Willow Creek. Aprendi lições importantes acerca de responsabilidade, visão, mordomia, empenho, excelência. E regressei a Portugal com mais vontade de fazer melhor. Não para ter uma comunidade que imite a Willow Creek. Mas para ter uma comunidade que imite Cristo.

quinta-feira, setembro 25, 2014

Mais na agenda
Na Sexta-feira 3 de Outubro vou estar à noite com a Rute a promover o "Felizes Para Sempre e outros equívocos acerca do casamento" na Igreja Baptista de Viseu às 21h. No Sábado 4 de Outubro vou estar a fazer o mesmo no Porto, na Igreja Metodista do Mirante às 17h30 (por ter este compromisso marcado não vou poder estar na Caminhada contra o aborto desse mesmo dia em Lisboa - que aconselho todos a ir! - mas sobre isso falarei ainda).
Venham ter connosco acabar o stock dos livros.


terça-feira, setembro 23, 2014

Dropa com estrondo na agenda



E, já agora, acrescenta aí o Nuno Markl.

segunda-feira, setembro 22, 2014

Ouvir
A nossa obsessão pela auto-estima pode ser um parente próximo do orgulho de Jonas que o fazia ser um profeta indiferente ao destino daqueles a quem profetizava.
O sermão de ontem aqui (clicar em cima de aqui).

sexta-feira, setembro 19, 2014

Antevendo o Fim-de-Semana Cheio na Lapa
Entretanto avançam as confirmações para o Fim-de-Semana Cheio na Lapa. Voltem a pôr na agenda que já falta pouco: 10, 11 e 12 de Outubro.
A primeira sessão começa na Sexta às 20h30 e junta cinco pastores. Eu estarei a conversar com o Carlitos Cardoso da Igreja Cristã Manancial de Águas Vivas, com o Jónatas Lopes da Igreja Baptista da Graça, com o Mário Rui Boto do Centro Cristão da Cidade e com o Nuno Ornelas da Comunidade Cristã de Lisboa. Acho que não é exagerado dizer que é raro pastores evangélicos conversarem em público. Aliás, talvez haja até algum mistério quando algumas pessoas pensam no tipo de relação que os pastores têm uns com os outros. Sobretudo quando são pastores de denominações evangélicas diferentes.
O objectivo não é polémico, não é falar sobre as coisas que nos fazem discordar. Essas coisas são muito importantes e posso assegurar que todos os pastores presentes levam a sério as divergências teológicas que têm entre si. A teologia é essencial porque é a consequência do que acreditamos no modo como vivemos. Mas o propósito principal desta noite passa por termos uma conversa em que partilhamos convicções e experiências que, sendo distintas, podem ser de bênção uns para os outros. Por exemplo, o Carlitos e o Mário Rui servem igrejas numericamente grandes para o contexto evangélico português. Quais alguns dos seus maiores desafios para a qualidade espiritual das suas comunidades? Por exemplo, o Jónatas Lopes já pastoreou no interior do País. Que diferenças existem entre o interior e a capital? Por exemplo, o Nuno Ornelas serve uma igreja com pouco menos de dois anos. Que tipo de oportunidades são mais fáceis de agarrar para uma comunidade muito jovem? Estas e outras questões podem ser excelentes inícios de conversa.
Creio que nunca assisti a nenhum evento parecido no nosso contexto português. Permitam-me um desabafo: estou habituado a ver pastores juntos com palavras de bênção quando um deles morre (ainda esta semana isso aconteceu no culto fúnebre que honrou a vida inspiradora do Pr. Daniel Machado). Que tal sermos capazes de nos abençoarmos enquanto nos juntamos ainda estando todos vivos? Que Deus nos ajude.


quinta-feira, setembro 18, 2014

Agenda
Quanto custa querer só fazer discos de rock a sério? Provavelmente o que o Filipe da Graça anda a pagar: dois cedês que o radar pouco apanhou, concertos obscuros, guitarras captadas com cada vez mais distorção. Não queremos fazer sociologia mas a verdade é que Lisboa parece ainda não saber rocar, o que é grave tendo em conta que o Filipe fez da Graça uma fiel batida quaternária. E esta é a verdadeira reorganização urbana que a capital precisa.
Enquanto esperamos ansiosamente pelo terceiro disco, o Filipe volta a uma qualquer cave para devolver à distorção as guitarras que não se deviam afastar dela. Vamos estar lá para assistir a esse tão pouco que nos diz tanto. Rock a sério.

quarta-feira, setembro 17, 2014

A salvação no relógio
Os Puritanos ajudam-nos a entender que quem tem história com Deus tem consequentemente a história de Deus em si. O que é que isto quer dizer? Quer dizer que a salvação não é apenas um registo de alguém que se salva mas é também o registo de quem salva. Vamos dizer isto com os termos teológicos certos: faz toda a diferença que a salvação seja apresentada na Escritura a partir da palavra justificação. A palavra justificação é o que nos assegura que quem tem história com Deus tem consequentemente a história de Deus em si. A palavra justificação é o que nos assegura que que ao sermos salvos o mais importante nem é o sermos salvos, mas o facto de ao sermos salvos contarmos uma história que é acerca de Deus.
O Puritano Peter Bulkeley (1583-1659) explicava a justificação num padrão tríplice: 1) a justificação é determinada na vontade de Deus; 2) é obtida através da obediência de Cristo; e 3) é efectivamente aplicada a nós (através do Espírito Santo). Por que razão é importante perceber a justificação? Porque é o que nos impede de achar que o mais importante na nossa salvação somos nós próprios. Perceber a justificação é o que nos lembra que o mais importante na nossa salvação é Deus. O mais importante na nossa história com Deus é a história de Deus. Daí encontramos toda a Trindade em acção na nossa salvação.
É por terem as prioridades no sítio certo que os Puritanos se dedicavam às doutrinas da união com Cristo, da regeneração, da adopção, da justificação e da santificação. Os Puritanos não se dedicavam a estas doutrinas por não terem mais nada que fazer e resolverem armarem-se em crânios. A dedicação puritana a estas doutrinas é a verdadeira humildade de reconhecer que a nossa salvação não é acerca do quão especiais somos mas acerca do quão especial Deus é. Logo, os miolos dos Puritanos funcionam muito porque o seu amor pelo Senhor funciona primeiro.
Os cristãos só podem ser justos a partir do momento em que se encontram unidos a Cristo. Se nos mantivermos longe de Cristo, nada do que ele fez enquanto mediador pelos homens nos serve. John Owen dizia que só podemos ser regenerados porque estamos unidos a Cristo (logo implicando uma ordem: primeiro união com Cristo, depois regeneração). "In justification we are freed from the guilt of sin, and so have a title to life; in regeneration we are freed from the filth of sin, and have the purity of God's image in part restored to us."
Por que razão é que os Puritanos gastavam tanto tempo a colocar coisas que têm um valor eterno numa escala temporal? Afinal de contas, será aconselhável falar da salvação em termos cronológicos? Arriscaria que eles diriam que sim explicando que o quanto mais percebemos, melhor vivemos, e vice-versa. "Sinners are not justified because they were regenerated, but because Christ has paid the penalty of their sins and has applied all his benefits to them." Quando entendemos que podemos estar de bem com Deus não primariamente pela nossa nova qualidade espiritual mas pelo facto de Jesus ter pagado a nossa dívida, tornamo-nos cristãos mais centrados nas qualidades de Cristo do que cristãos precocemente centrados nas nossas qualidades. Isto faz muita diferença na vida de uma pessoa. Mais Cristo e menos eu.
Por fim, compreendemos a fé como uma consequência e não como uma causa. Ou seja, temos fé porque Cristo funciona em nós e não porque resolvemos funcionar a partir de Cristo. Novamente isto faz muita diferença. "Faith is only possible because Christ, through the Spirit, has joined Himself to the sinner. In response, the sinner exercises faith toward Christ, as an effect of regeneration. With the union complete, the sinner receives from Christ everything that Christ merited, including justification, adoption, and sactification." Vale a pena colocar a salvação no relógio quando o resultado é amar mais Cristo.

[Escrito a partir do capítulo sobre a a relação entre as doutrinas da união com Cristo, justificação e regeneração do calhamaço "A Puritan Theology" de Joel Beeke e Mark Jones.]


















My main man, Peter Bulkeley.

segunda-feira, setembro 15, 2014

Ouvir
Para muitos de nós o maior problema não é o sofrimento que temos. O maior problema é o sofrimento que não temos ainda. Porque revela que tentamos viver cristianismo sem cruz, o mesmo que Satanás e Pedro sugeriram a Jesus.
O sermão de ontem aqui (clicar em cima de aqui).
Na Flur foi assim


sexta-feira, setembro 12, 2014

P'ra Cima



Sou fã de telediscos. Para mim fazer música também serve de pretexto para ilustrar essa música no ecrã. Porque em boa parte foi o ecrã que me levou a gostar mais de música. Ainda hoje lembro como o "Wild Boys" dos Duran Duran se tornou uma canção importante para mim não tanto pelo factor musical mas sobretudo pelo factor visual. Aquele teledisco assustava-me. Para já não falar em como o "Thriller" do Michael Jackson fez com que ainda hoje prefira dormir em quartos de porta aberta (no meu pânico infantil eu via através de uma janela de vidro que a minha porta do quarto tinha os mortos-vivos do "Thriller" a passarem). Continuo a achar que os músicos portugueses desvalorizam os telediscos. E quando digo isto não estou a pensar nas boquinhas para a câmara às quais em Portugal vulgarmente chamamos videoclips. São raríssimos os videoclips ou telediscos com ideias a serem feitos por cá.
Tenho tentado usar a música para o tal pretexto de fazer telediscos. Sendo um músico de pequena escala (o truque é dizer músico independente) tenho uma grande satisfação com as pessoas com as quais já fiz telediscos. O Manel Fúria, o Cravidão, o Almirante e o Pedro para o do "Beijas Como Uma Freira". O Marco Miranda para as "Sete Voltas" (o meu mais visto). O Filipe e o Adriano para a "Praia Verde". A equipa da desaparecida Central Musical para o "Nabucodonosor" (e houve uma versão anterior muito louca pelo Marco Miranda que por culpa minha ficou injustamente por ser conhecida). O Ben Monteiro para o "Subtracção e Não Soma", para "Um Peito em Forma de Bala", para as "Cabanas do Tédio" e para o "Condenados a Cumprir o Céu". O Ângelo Silva também para "Um Peito em Forma de Bala". O Alex D'Alva Teixeira para o "Amamos Duvall" e para "Pousaste os Auscultadores". E depois até eu me meti a tentar os meus próprios telediscos ("Homens de Água" e "100 Toneladas"). E, mais recentemente, o Martim Torres para os da Xungaria no Céu: "Tou Pronto", "Por Te Amar Não Me Contive" e "Na Cabeça Levo a Festa".
Fiquei tão entusiasmado quando ontem vi pela primeira vez este teledisco que agora partilho convosco! Sabia que trabalhar com o Pedro Lourenço em vídeo iria ser um luxo. Até porque é a primeira vez que o Pedro faz um teledisco. Trabalhar com o Pedro em XNC tem sido um privilégio. O Pedro é um ilustrador talentosíssimo e poder estar no mesmo barco dele vem da graça de Deus. Quando este ano o talento do Pedro começou a ser mais reconhecido fora do País eu senti aquele arrepio saloio de pensar: será que ainda tenho espaço na navegação do Pedro? A generosidade dele está ao nível do seu talento.
Quando o Pedro trouxe as primeiras ideias para o teledisco, a partir de algumas séries americanas de desenhos animados dos anos 60, sentimos que estavam em sintonia completa com XNC. A partir daí foi esperar (porque o Pedro trabalha com aquele tipo de excelência técnica que leva tempo) nas melhores expectativas. As expectativas eram altas mas o resultado é ainda superior. Espero que se divirtam a ver o teledisco e a espalhá-lo. E façam desse divertimento uma razão para se juntarem amanhã à pequena festa que XNC vai fazer na Flur. A partir das 16h. O disco novo vai ser lançado. O preço é segundo os velhos cânones da FlorCaveira: cada um paga o que quiser por ele (quem não tiver dinheiro não há-de sair da Flur sem o disco por causa disso). Vamos!

quinta-feira, setembro 11, 2014

Nas bancas
Já está nas bancas a revista Ler para a qual contribuo com um texto que tenta desenhar uma ligação entre o escritor Robert Walser e o Apóstolo Paulo. Diz assim a linhas tantas:

Festo, que como governador romano era quem recebia o Rei Agripa no Palácio de Cesaréia, agitado pelo ímpeto narrativo de Paulo, interrompe-o dizendo: "Estás louco, Paulo! As muitas letras fazem-te delirar!" Agripa, por seu lado, confessa: "Por pouco me convences a tornar-me cristão." E é um momento ímpar em que a pregação do cristianismo é apreciada em dois extremos possíveis: ou nos repele como sinal de perturbação mental, ou nos atrai como uma genuína transformação de vida.


quarta-feira, setembro 10, 2014

Não esqueçam este Sábado


















Matiné na Flur.

terça-feira, setembro 09, 2014

O ridículo voluntário
Os Puritanos, injustamente conhecidos pela sua alegada vontade violenta de impor virtude aos outros, eram sim impiedosos a desmascarar os nossos vícios. Daí orgulharem-se na disciplina da auto-suspeita. Muito antes do Ocidente se encantar com clichés acerca das do auto-conhecimento já os Puritanos o praticavam a sério. E continuam a sugerir-nos hoje: orgulha-te de seres a primeira pessoa a tirar a senha para dizer mal de ti. Apetece perguntar - será que hoje teríamos no Ocidente esta moda do humor auto-depreciativo sem o impacto teológico dos Puritanos? Estou convencido que não. O Ricardo Araújo Pereira provavelmente não sabe mas não teria a carreira que tem se antes os Puritanos não tivessem contribuído para acharmos bem sermos capazes de pensar mal de nós.
Stephen Charnock dizia que o nosso afecto pelo mal era desproporcionalmente superior ao afecto pelo bem. E perguntava: "Não são as nossas vidas, na maior parte, voluntariamente ridículas?" Já Ezekiel Hopkins notava que o percurso de muitos homens em relação aos pecados que praticavam era curioso: boa parte das vezes há pecados que abandonamos porque com a idade perdemos a capacidade de os praticar.
Mas não pensemos que os Puritanos só olham para o copo meio vazio. Quanto mais se dedicavam a apreciar o estrago do pecado na vida dos seres humanos, mais se deslumbravam com a graça de Deus em salvar pessoas tão moralmente miseráveis como nós. Por isso a regeneração é uma doutrina bíblica amada pela pregação puritana. A regeneração é um fenómeno que acontece por total iniciativa de Deus e onde o homem se limita a um lugar passivo - essa iniciativa é cem por cento divina. Mas na santificação, um momento posterior necessário no processo da regeneração (e os Puritanos sublinhavam o facto da regeneração ser, em termos mais amplos, um processo), o crente tem um papel activo. Não há cá passividade no que toca a depender do Espírito Santo. É um trabalho diário em que concorremos para o que Deus faz connosco.
Charnock rejubilava com o facto de a regeneração desforrar-se do mal: "a regeneração é tão larga a renovar como o pecado a desfigurar." Muito se caiu. Mas muito agora se levanta.

[A partir do capítulo sobre os Puritanos e a Regeneração do calhamaço "A Puritan Theology" de Joel Beeke e Mark Jones.]

segunda-feira, setembro 08, 2014

Ouvir
A simpatia de Pedro é uma arma do diabo para que Jesus caia. A empatia não é o valor mais importante na nossa relação com Cristo.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui). O segundo da série "Uma igreja que estima sem ser obcecada com a auto-estima".

quarta-feira, setembro 03, 2014

O mais inacreditável no cristianismo é o que o torna credível
Há quase vinte anos entrei para o Seminário Teológico Baptista em Queluz. Nele tive um professor chamado Glenn Watson. Foi um professor que deixou uma marca muito positiva. Para tentar ilustrar essa marca positiva, dou um exemplo dela que não é necessariamente teológico. Todos os alunos do Glenn eram convidados para passarem uma noite com os Watsons, para um jantar familiar tipicamente americano. Nunca me esquecerei do mais glorioso banana split que alguma vez provei. Ir a casa dos Watsons era um regalo tão espiritual quanto gastronómico. Era também um contacto com uma família hospitaleira, que não era apenas um detalhe acerca do professor Glenn mas a base dele. A esposa Sherri e os três miúdos eram o que permitia a boa teologia do Pai Watson.
Porquê esta introdução para falar de um livro? Porque o livro sobre o qual escrevo agora, "Raised" foi escrito precisamente por um dos Watsons filhos, o Brad. Lembro-me do Brad como um miúdo tímido e agora surpreendo-me com a qualidade bem visível do que acabou de escrever. Por isso, para mim ler o "Raised" é voltar a saborear aquele banana split com altíssimos retroactivos teológicos. É uma refeição cheia.
Há cerca de quatro anos a pequena comunidade cristã que servia em São Domingos de Benfica resolveu gastar algum tempo a entender o que é que uma comunidade cristã deve ser. Isso fez-nos ir para a Primeira Carta aos Coríntios. É um texto magno para apresentar o que é a Igreja, exposta nos seus triunfos humanos e nas piores escandaleiras paroquiais. Nessa altura duas coisas ficaram na minha mente: a santidade dos cristãos não depende do que eles fazem mas do que Cristo fez por eles; e a ressurreição de Cristo é o facto fundamental da fé. É acerca desta segunda lição que trata "Raised" de Jonathan K. Dodson e Brad Watson. 1 Coríntios 15 deveria ser um texto lido repetidamente por todos os cristãos porque ninguém pode continuar cristão sem que as palavras de 1 Coríntios 15 permaneçam nele. Ao mesmo tempo, o que é afirmado dogmaticamente em 1 Coríntios 15 não funciona hermeticamente mas é exposto a escrutínio. Ou seja, o argumento do Apóstolo Paulo é que quem duvida da ressurreição deve ir às testemunhas oculares dela. A ressurreição de Cristo não é uma fábula forçada a crédulos mas uma crença exposta a exame.
O livro de Dodson e Watson não é um estudo académico mas mistura apologética e testemunho de uma forma sugestiva. Dodson e Watson são pastores em cidades norte-americanas de temperatura céptica. Ao invés de acharem que têm de tratar o seu contexto urbano como inimigo, tentam abrir-se a ele com uma postura dialogante. Por isso sabem que testemunhar a fé é mais eficaz quando se ouve com atenção aqueles a quem se testemunha, e quando se transporta a história pessoal de quem testemunha. Por um lado, os cristãos têm de reconhecer que nem sempre honram as questões que lhes são colocadas. Por outro, ao serem atenciosos para os que questionam, também lhes devem pedir que a dúvida não seja apenas uma embalagem rápida para o cinismo. "Don't reduce your doubts to a state of unsettled cynicism. Wrestle with your doubts. Find answers." Mas esta verdade também se deve aplicar a crentes. "If you call yourself a believer, don't settle for pat proofs, emotional experiences, or duty-driven religion. Keep asking questions. Those who haven't questioned their faith can easily become doctrinaire, even detached from the everyday struggle of faith."
Honrando estas questões, Dodson e Watson explicarão que o cristianismo, ao colocar o seu fundamento na ressurreição física de Cristo, desde logo encarou a luta de frente. "The ancient Greeks possessed no hope of an embodied existence after death. Resurrection was not just impossible; it was undesirable. (...) For Jews, it was unthinkable that resurrection would occur in the middle of history, apart from worldwide renewal of the created order. (...) Christian faith affirmed the body as worthy of resurrection, worthy of care. This naturally led the to care for the sick and the hurting." Os cristãos defendem a sua fé no terreno intelectual (Jesus ressurgiu mesmo e o sepulcro vazio não é uma idealização mas uma prova) e materializam a sua fé no terreno físico, aplicando as consequências da ressurreição no modo como se relacionam com os outros. Por isso os cristãos passam a cuidar dos seus corpos e dos corpos dos outros, mesmo quando esses outros não partilham da sua convicção religiosa. É assinalável que a origem do que hoje temos como um conceito moderno incontornável - o do cuidado hospitalar universal, tenha raiz no facto dos cristãos acreditarem que Jesus ressuscitou em carne e osso. Acreditar na ressurreição não inspira platonismo (a matéria é má e o espírito é bom) mas sensibilidade ao corpo. Essa sensibilidade ao corpo gera também uma compreensão integrada da existência humana. "If the resurrection is true, it means that people aren't witless spirits or meaningless series of biological mutations. They are made in the image of God and worth resurrecting. And that's good news."
Um dos aspectos notáveis de "Raised", sendo um livro breve e sobretudo introdutório, é o equilíbrio no tom. A sua atenção ao cepticismo ("Jesus has patience for doubt") não é uma rendição a ele. Há um cuidado assinalável em explicar que a ressurreição não é um pretexto para um optimismo tonto acerca da imortalidade. "Those who only have nice sentiment about heaven but do not have Christ have no real hope for resurrection. If they are honest with themselves, they aren't interested in being with Christ; they just want to avoid death or a painful existence after death." No cristianismo a vida depois da morte é menos uma questão de recompensa que de convívio. Por isso é sempre ridículo ouvir de um suposto cristão a querer meter no Céu quem não quer lá estar - não amar Cristo é não desejar a eternidade. A ressurreição é o que permite que Cristo dê uma nova vida a quem crê nele já, e o que permite que Cristo dê uma nova vida depois a quem crê nele para sempre. Crer é querer. "Jesus binds himself, in this life and the next, to impart resurrection life to those who put their hope in him. (...) It's not that life is better with God, something we add on to what we have. It's that without God, we don't have true life at all."
Termino voltando ao paradoxo do título. Na fé cristã o inacreditável é o que a torna credível. É por isso que aquilo que julgaríamos mais descartável ("ok pessoal, vamos ser cristãos sem exagerar na nossa certeza num milagre embaraçoso") foi o que deu força às primeiras testemunhas ("se o túmulo está vazio, tudo é possível, e se tudo é possível, nem o risco de morte nos impedirá de espalhar esta fé"). Por isso a fé está fundamentada não numa numa confiança ética (serei cristão enquanto me comportar de uma determinada maneira) mas na confiança colocada num facto (o poder que permitiu que Cristo ressuscitasse é o suficiente para me tornar cristão e para me manter cristão). "This is not a life-and-death matter; it is a matter of death for life. Jesus does not claim to die - period. He claims do have died and risen to life. This means that if we have faith in Jesus as a moral philosopher, a good example, or even a suffering saviour, it is not enough. Biblical faith is faith in a resurrected Christ. Paul is saying that in order for our faith to be fruitful and real, it has to be based on the power of a new life."


















Obrigado ao meu cunhado Tiago Oliveira que me ofereceu este livro.

terça-feira, setembro 02, 2014

Ouvir
A partir do momento em que Jesus passou a falar da sua morte, a vida dos discípulos com ele passou a ser outra. Nós também não temos alternativa. A cruz não acontece porque o pior dos homens triunfou sobre o melhor de Deus. É o contrário: a cruz acontece porque o melhor de Deus triunfa sobre o pior dos homens.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).

segunda-feira, setembro 01, 2014

1 de Setembro
Na minha opinião, quando Deus criou o mundo era Setembro. Setembro tem a luz suave dos começos. Começar o mundo na Primavera parece-me apressar as coisas para um clímax prematuro. Setembro dá-nos a tranquilidade de descer. O frio que está pela frente é mais pedagógico, para que quando o calor apareça de novo saibamos tê-lo como uma dádiva e não com indiferença.
Hoje comecei a ler de novo o Génesis. É preciso estar morto para ser indiferente à beleza do primeiro e segundo capítulos de Génesis. Continua a surpreender-me o modo como Deus decide criar numa atitude de pura liberdade. No relato da Criação os momentos são marcados por uma ousadia serena. Por isso continuamos a não saber lidar muito bem com o facto de Deus ser alguém que conscientemente faz coisas ao mesmo tempo que espontaneamente se encanta com elas. Dizer primeiro "faça-se" e depois "é bom". Não sabemos encaixar muito bem nos nossos padrões humanos a simultaneidade entre consciência e entusiasmo. Mas Deus sabe. E a existência do mundo é a prova disso.
Para mim o ano começa em Setembro. Com a sua mistura única de abrandamento e surpresa. Mãos ao trabalho!