Certeza na consciência por causa de Cristo no coração
William Perkins era um puritano que alguns colocavam numa tríade reformada especial, integrada por Calvino, Beza e ele próprio. Isto é para ver o calibre que alguns conferem ao nosso William. Ora, o nosso William queria casar a teologia com o dia-a-dia. Usando uma expressão mais teológica, William sabia que acreditar na teologia decretal era viver a teologia experimental. Aliás, e como todos estes textos sobre puritanos têm mencionado, um objectivo comum a todos eles. William começava no supralapsarianismo (Deus tem um plano de salvação para homens específicos antes dos homens caírem) e terminava no exame da alma (os homens específicos para quem Deus tem um plano de salvação vivem em arrependimento quotidiano). É isto que torna impossível acreditar que a predestinação é uma razão para não levar a sério o pecado cometido depois da conversão. A predestinação é a razão para levar a sério o pecado cometido depois da conversão!
Já antes temos falado na questão da certeza da salvação. Sempre foi um assunto que trouxe opiniões diferentes e alguma dose de ansiedade. Os puritanos, que não tinham nenhum interesse em sugerir segurança a quem não levava a sério a salvação, reagiam por isso a uma ortodoxia morta. O trabalho pastoral de William Perkins visava equilibrar a soberania divina com a responsabilidade humana. Para isso é necessário uma doutrina prática que mostre concretamente um processo de redenção.
A coisa interessante é que estar certo da salvação faz parte do bolo. Estar seguro da salvação é um sinal prático que a pessoa é de facto cristã. Com isto não se está a dizer que só se salva quem está certo da salvação (não entremos tão depressa nessa noite escura!), mas que é ilógico querer demonstrar que o Espírito Santo está em nós e ao mesmo tempo que o impedimos de nos assegurar que somos cristãos. Ter a segurança que somos salvos é na prática reconhecer que Deus é fiel às suas promessas. Porque na sua Palavra ele farta-se de falar desta segurança que o crente tem.
Para compreendermos melhor este assunto, vale a pena fazer algumas qualificações. Joel Beeke e Mark Jones explicam assim:
"O objecto da fé não é o pecador nem as suas experiências da própria fé; é somente Jesus Cristo." Isto é fantástico. Quando falamos de estarmos seguros da nossa salvação, a questão não é quem somos, como indivíduos convencidos da salvação. Quando falamos de estarmos seguros da nossa salvação, a questão tão pouco é as circunstâncias que já vivemos e que testemunham da nossa fé. Quando falamos de estarmos seguros da nossa salvação, a questão é só e apenas o próprio Cristo, que nos assegurou algo tão perfeito na cruz e na ressurreição que alguma dúvida sobre a salvação seria uma ofensa a ele. Logo, a fé é um instrumento na medida em que quando está activa é usada por algo maior que ela - Jesus.
"For man is never granted salvation on account of his faith but by means of faith." Muito simplificado: a fé não é a salvação, a fé é meio pelo qual nos salvamos. A salvação é Cristo.
Por um lado, a certeza da salvação aparece como a fé. Por outro, aparece como fruto dela. Para optar por uma destas, dependia da pessoa com quem Perkins discutisse o assunto. Dependendo destas variáveis, Perkins poderia distinguir uma fé fraca (sem segurança na salvação) de uma fé forte (com segurança na salvação). E aqui é preciso fazer um aviso. Acreditar na certeza da salvação não é crer que qualquer pessoa que está segura, está salva. Uma coisa é certeza da salvação, outra é presunção da salvação. As palavras de Jesus em Mateus 25 deixam claro o elemento de surpresa que o Dia do Juízo trará. Há pessoas que estão convictas que o Céu lhes pertence e vão a caminho de uma desilusão cósmica. Deus nos ajude a não cairmos nesse equívoco derradeiro.
Crer em Cristo, mais do que crer em Cristo como redentor da humanidade, é crer em Cristo como redentor meu (!), sabendo que nele sou eleito, justificado, santificado, e, futuramente, glorificado. Perkins fala de três níveis de segurança: 1) as promessas do evangelho; 2) o testemunho que o Espírito Santo nos dá; e 3) os frutos da santificação. O objectivo é
"mover a corrente da certeza da salvação da eternidade para a convicção dentro do eleito no tempo." Estes acontecimentos não se dão apenas na cabeça de quem acredita. Antes, sendo acontecimentos que também se dão na cabeça de quem acredita, dão-se igualmente naquilo que aquele que acredita faz. As obras não salvam mas asseguram a salvação ao eleito. Ser cristão é viver nesta boa consciência permitida pela salvação.
Ao grande e último exame sugerido por Perkins chamaria do exame da mesa. O exame do sabor.
"Christianity that falls short of delighting in God is pharisaism." Nem mais. O maior problema dos fariseus não era viverem obcecados com a lei. O maior problema dos fariseus é que faziam da lei o reflexo de estarem obcecados com eles mesmos. Por isso Jesus disse que a nossa justiça tinha de ser maior que a deles. Todas as marcas da religião verdadeira têm de ter um entendimento trinitariano. Se assim não for, é apenas uma religião de homens. Essas marcas dão-se num exame conclusivo sobre as experiências que temos com o Espírito Santo. Para Perkins, pensar sobre a certeza da salvação era necessariamente espicaçar a iniciativa do cristão. Por estar na consciência, está na conduta.
[Escrito a partir do capítulo "William Perkins and his greatest case of conscience", do calhamaço "A Puritan Theology" de Joel Beeke e Mark Jones.]