Um ano de oração pelo Miguel Vale de Almeida - parte III e última
Uma qualidade do Miguel Vale de Almeida e que o faz realmente distinto é ele transmitir a convicção de que a missão que tem é maior do que ele. Atenção. Não estou a dizer que ele assim se exprimirá ou que colocaria da mesma maneira o que estou a colocar. Mas tendo em conta que hoje habitamos uma cultura tão insuportavelmente auto-complacente, em que somos ensinados desde a creche até aos anúncios de iogurte que somos especiais e que a nossa maior missão na vida deve ser amar-nos a nós próprios, o Miguel, ainda que trabalhe em favor de uma causa que faz parte desta mundividência, exibe uma redentora crença nos méritos do trabalho que tem para fazer. A pessoa que segue o Miguel não é exposta a uma promoção ininterrupta do Miguel como a sua própria causa. O Miguel é neste sentido um oásis no triste desfile de políticos que temos que, acima de qualquer convicção ideológica, têm em si próprios a sua missão pública última. O Miguel mostra que acredita realmente nas causas que defende e isso é hoje em dia tão invulgar como incómodo (já repararam na maneira como cada vez mais as pessoas abominam apresentarem-se como tendo missões específicas na vida? Por aqui, consigo até apreciar a coerência com que a Isabel Moreira tatuou no braço a data da aprovação legislativa do chamado casamento homossexual). Temos muito a aprender com o Miguel como antídoto ao cinismo reinante. Nesse sentido, quero ir mais longe e dizer que o Miguel parece ter uma ética de trabalho verdadeiramente puritana e calvinista, à qual não será estranha os anos que passou nos Estados Unidos. Como sei que mais ninguém usará os termos "puritano" e "calvinista" para elogiar o Miguel, quero que o Miguel saiba que a maneira de trabalhar tão culturalmente protestante que tem é inspiradora.
Outra qualidade do Miguel é a persistência. Já em algumas ocasiões o Miguel usou expressões como "esperei vinte anos para ver isto acontecer". A minha reacção quando leio coisas destas é vergonha: caramba, a que tipo de coisas é que me entrego ao ponto de poder aguentar nelas por décadas? E é por aqui que tenho de reconhecer que os cristãos têm muito a aprender com os activistas da causa gay. Minha gente, eles andam há muito muito muito ano a dar o couro e o cabelo para agora estarem onde estão. Nós, que devíamos ser especialistas em sacrifício, somos uns meninos ao lados destes homens e mulheres que, muitas vezes contra tudo e contra todos e sofrendo a sério, aguentam a bandeira na mão. Talvez seja eu agora a querer cristianizar à força o que não é cristianizável mas tenho uma teoria: a euforia e a exuberância das marchas de orgulho gay é menos movida pela alegria na afirmação da identidade homossexual, e é mais movida pelo mérito de uma vitória que já pareceu improvável mas que agora é factual. Por isto mesmo, prevejo um futuro onde as marchas de orgulho gay podem esvaziar-se porque a emoção da conquista se esvaziará das gerações que a tenham como comum. Meus amigos gays, tenham atenção ao tédio que pode estar por vir. Vão sentir-se como muitos cristãos no meio de um cristianismo apenas institucional.
Uma terceira qualidade do Miguel é a atenção que mostra em muitas das suas leituras. Diria que o Miguel gosta de ler além do óbvio e por isso diz com frequência coisas que os mais distraídos não topam. Há uns anos valentes chamava certeiramente "patridiotas" às pessoas movidas pelo suposto patriotismo da bola que plantavam bandeiras nacionais em qualquer canto. Para dar um exemplo mais recente, e que me vai fazer perder simpatia nos meus companheiros católicos romanos, o Miguel já percebeu e bem que o Papa Francisco não é um factor favorável para uma vida mais livre e esclarecida (continuo a dizer que este Papa é o Papa Solnado de "façam o favor de ser felizes" e que isso é filosoficamente trágico para um Ocidente às voltas com os conceitos de liberdade política - e não me venham com acusações de anti-catolicismo primário que eu dou-me ao trabalho que vocês não se dão de ler o Papa) *. Aliás, o Miguel indicou e bem que uma das conquistas que deveria suscitar a nossa prudência é precisamente a celebrização do termo familiarizante "Papa Francisco", dentro e fora da Igreja Romana. Isto é uma observação atenta e profunda, digna de um político que sabe que os factos não se constatam apenas, também se lêem.
Agora vocês vão dizer: "sinceramente, Tiago... Que batota! Dizes que ias falar das qualidades do Miguel Vale de Almeida e despachas em três parágrafos o assunto, tendo derretido muito mais do nosso tempo a malhares nele". Ao que eu reconheço: é facto. Mas apenas acrescento que as verdadeiras homenagens querem-se com pudor e contenção. Vocês não precisam do meu exagero (que em mim é bastante natural) para compreenderem que neste exercício de orar pelo Miguel Vale de Almeida, Deus vai-me abrindo olhos para apreciá-lo, admirá-lo e, espero no sentido mais cristão e devido do termo, amá-lo também. Estando todas estas coisas escritas, é preciso lembrar que estamos em lados contrários da guerra. Como o Miguel Vale de Almeida me ajuda a perceber, as convicções opostas que defendemos valem para nós mais do que nós mesmos. Continuarei a orar com a ajuda de Deus.
* Ainda hoje li umas desgraçadas declarações do Papa a pretexto do martírio do padre francês: "todas as religiões são de paz". Céus... Digam ao Francisco onde ele possa arranjar uma coluna vertebral.
Uma qualidade do Miguel Vale de Almeida e que o faz realmente distinto é ele transmitir a convicção de que a missão que tem é maior do que ele. Atenção. Não estou a dizer que ele assim se exprimirá ou que colocaria da mesma maneira o que estou a colocar. Mas tendo em conta que hoje habitamos uma cultura tão insuportavelmente auto-complacente, em que somos ensinados desde a creche até aos anúncios de iogurte que somos especiais e que a nossa maior missão na vida deve ser amar-nos a nós próprios, o Miguel, ainda que trabalhe em favor de uma causa que faz parte desta mundividência, exibe uma redentora crença nos méritos do trabalho que tem para fazer. A pessoa que segue o Miguel não é exposta a uma promoção ininterrupta do Miguel como a sua própria causa. O Miguel é neste sentido um oásis no triste desfile de políticos que temos que, acima de qualquer convicção ideológica, têm em si próprios a sua missão pública última. O Miguel mostra que acredita realmente nas causas que defende e isso é hoje em dia tão invulgar como incómodo (já repararam na maneira como cada vez mais as pessoas abominam apresentarem-se como tendo missões específicas na vida? Por aqui, consigo até apreciar a coerência com que a Isabel Moreira tatuou no braço a data da aprovação legislativa do chamado casamento homossexual). Temos muito a aprender com o Miguel como antídoto ao cinismo reinante. Nesse sentido, quero ir mais longe e dizer que o Miguel parece ter uma ética de trabalho verdadeiramente puritana e calvinista, à qual não será estranha os anos que passou nos Estados Unidos. Como sei que mais ninguém usará os termos "puritano" e "calvinista" para elogiar o Miguel, quero que o Miguel saiba que a maneira de trabalhar tão culturalmente protestante que tem é inspiradora.
Outra qualidade do Miguel é a persistência. Já em algumas ocasiões o Miguel usou expressões como "esperei vinte anos para ver isto acontecer". A minha reacção quando leio coisas destas é vergonha: caramba, a que tipo de coisas é que me entrego ao ponto de poder aguentar nelas por décadas? E é por aqui que tenho de reconhecer que os cristãos têm muito a aprender com os activistas da causa gay. Minha gente, eles andam há muito muito muito ano a dar o couro e o cabelo para agora estarem onde estão. Nós, que devíamos ser especialistas em sacrifício, somos uns meninos ao lados destes homens e mulheres que, muitas vezes contra tudo e contra todos e sofrendo a sério, aguentam a bandeira na mão. Talvez seja eu agora a querer cristianizar à força o que não é cristianizável mas tenho uma teoria: a euforia e a exuberância das marchas de orgulho gay é menos movida pela alegria na afirmação da identidade homossexual, e é mais movida pelo mérito de uma vitória que já pareceu improvável mas que agora é factual. Por isto mesmo, prevejo um futuro onde as marchas de orgulho gay podem esvaziar-se porque a emoção da conquista se esvaziará das gerações que a tenham como comum. Meus amigos gays, tenham atenção ao tédio que pode estar por vir. Vão sentir-se como muitos cristãos no meio de um cristianismo apenas institucional.
Uma terceira qualidade do Miguel é a atenção que mostra em muitas das suas leituras. Diria que o Miguel gosta de ler além do óbvio e por isso diz com frequência coisas que os mais distraídos não topam. Há uns anos valentes chamava certeiramente "patridiotas" às pessoas movidas pelo suposto patriotismo da bola que plantavam bandeiras nacionais em qualquer canto. Para dar um exemplo mais recente, e que me vai fazer perder simpatia nos meus companheiros católicos romanos, o Miguel já percebeu e bem que o Papa Francisco não é um factor favorável para uma vida mais livre e esclarecida (continuo a dizer que este Papa é o Papa Solnado de "façam o favor de ser felizes" e que isso é filosoficamente trágico para um Ocidente às voltas com os conceitos de liberdade política - e não me venham com acusações de anti-catolicismo primário que eu dou-me ao trabalho que vocês não se dão de ler o Papa) *. Aliás, o Miguel indicou e bem que uma das conquistas que deveria suscitar a nossa prudência é precisamente a celebrização do termo familiarizante "Papa Francisco", dentro e fora da Igreja Romana. Isto é uma observação atenta e profunda, digna de um político que sabe que os factos não se constatam apenas, também se lêem.
Agora vocês vão dizer: "sinceramente, Tiago... Que batota! Dizes que ias falar das qualidades do Miguel Vale de Almeida e despachas em três parágrafos o assunto, tendo derretido muito mais do nosso tempo a malhares nele". Ao que eu reconheço: é facto. Mas apenas acrescento que as verdadeiras homenagens querem-se com pudor e contenção. Vocês não precisam do meu exagero (que em mim é bastante natural) para compreenderem que neste exercício de orar pelo Miguel Vale de Almeida, Deus vai-me abrindo olhos para apreciá-lo, admirá-lo e, espero no sentido mais cristão e devido do termo, amá-lo também. Estando todas estas coisas escritas, é preciso lembrar que estamos em lados contrários da guerra. Como o Miguel Vale de Almeida me ajuda a perceber, as convicções opostas que defendemos valem para nós mais do que nós mesmos. Continuarei a orar com a ajuda de Deus.
* Ainda hoje li umas desgraçadas declarações do Papa a pretexto do martírio do padre francês: "todas as religiões são de paz". Céus... Digam ao Francisco onde ele possa arranjar uma coluna vertebral.