quinta-feira, julho 28, 2016

Um ano de oração pelo Miguel Vale de Almeida - parte III e última

Uma qualidade do Miguel Vale de Almeida e que o faz realmente distinto é ele transmitir a convicção de que a missão que tem é maior do que ele. Atenção. Não estou a dizer que ele assim se exprimirá ou que colocaria da mesma maneira o que estou a colocar. Mas tendo em conta que hoje habitamos uma cultura tão insuportavelmente auto-complacente, em que somos ensinados desde a creche até aos anúncios de iogurte que somos especiais e que a nossa maior missão na vida deve ser amar-nos a nós próprios, o Miguel, ainda que trabalhe em favor de uma causa que faz parte desta mundividência, exibe uma redentora crença nos méritos do trabalho que tem para fazer. A pessoa que segue o Miguel não é exposta a uma promoção ininterrupta do Miguel como a sua própria causa. O Miguel é neste sentido um oásis no triste desfile de políticos que temos que, acima de qualquer convicção ideológica, têm em si próprios a sua missão pública última. O Miguel mostra que acredita realmente nas causas que defende e isso é hoje em dia tão invulgar como incómodo (já repararam na maneira como cada vez mais as pessoas abominam apresentarem-se como tendo missões específicas na vida? Por aqui, consigo até apreciar a coerência com que a Isabel Moreira tatuou no braço a data da aprovação legislativa do chamado casamento homossexual). Temos muito a aprender com o Miguel como antídoto ao cinismo reinante. Nesse sentido, quero ir mais longe e dizer que o Miguel parece ter uma ética de trabalho verdadeiramente puritana e calvinista, à qual não será estranha os anos que passou nos Estados Unidos. Como sei que mais ninguém usará os termos "puritano" e "calvinista" para elogiar o Miguel, quero que o Miguel saiba que a maneira de trabalhar tão culturalmente protestante que tem é inspiradora.

Outra qualidade do Miguel é a persistência. Já em algumas ocasiões o Miguel usou expressões como "esperei vinte anos para ver isto acontecer". A minha reacção quando leio coisas destas é vergonha: caramba, a que tipo de coisas é que me entrego ao ponto de poder aguentar nelas por décadas? E é por aqui que tenho de reconhecer que os cristãos têm muito a aprender com os activistas da causa gay. Minha gente, eles andam há muito muito muito ano a dar o couro e o cabelo para agora estarem onde estão. Nós, que devíamos ser especialistas em sacrifício, somos uns meninos ao lados destes homens e mulheres que, muitas vezes contra tudo e contra todos e sofrendo a sério, aguentam a bandeira na mão. Talvez seja eu agora a querer cristianizar à força o que não é cristianizável mas tenho uma teoria: a euforia e a exuberância das marchas de orgulho gay é menos movida pela alegria na afirmação da identidade homossexual, e é mais movida pelo mérito de uma vitória que já pareceu improvável mas que agora é factual. Por isto mesmo, prevejo um futuro onde as marchas de orgulho gay podem esvaziar-se porque a emoção da conquista se esvaziará das gerações que a tenham como comum. Meus amigos gays, tenham atenção ao tédio que pode estar por vir. Vão sentir-se como muitos cristãos no meio de um cristianismo apenas institucional.

Uma terceira qualidade do Miguel é a atenção que mostra em muitas das suas leituras. Diria que o Miguel gosta de ler além do óbvio e por isso diz com frequência coisas que os mais distraídos não topam. Há uns anos valentes chamava certeiramente "patridiotas" às pessoas movidas pelo suposto patriotismo da bola que plantavam bandeiras nacionais em qualquer canto. Para dar um exemplo mais recente, e que me vai fazer perder simpatia nos meus companheiros católicos romanos, o Miguel já percebeu e bem que o Papa Francisco não é um factor favorável para uma vida mais livre e esclarecida (continuo a dizer que este Papa é o Papa Solnado de "façam o favor de ser felizes" e que isso é filosoficamente trágico para um Ocidente às voltas com os conceitos de liberdade política - e não me venham com acusações de anti-catolicismo primário que eu dou-me ao trabalho que vocês não se dão de ler o Papa) *. Aliás, o Miguel indicou e bem que uma das conquistas que deveria suscitar a nossa prudência é precisamente a celebrização do termo familiarizante "Papa Francisco", dentro e fora da Igreja Romana. Isto é uma observação atenta e profunda, digna de um político que sabe que os factos não se constatam apenas, também se lêem.

Agora vocês vão dizer: "sinceramente, Tiago... Que batota! Dizes que ias falar das qualidades do Miguel Vale de Almeida e despachas em três parágrafos o assunto, tendo derretido muito mais do nosso tempo a malhares nele". Ao que eu reconheço: é facto. Mas apenas acrescento que as verdadeiras homenagens querem-se com pudor e contenção. Vocês não precisam do meu exagero (que em mim é bastante natural) para compreenderem que neste exercício de orar pelo Miguel Vale de Almeida, Deus vai-me abrindo olhos para apreciá-lo, admirá-lo e, espero no sentido mais cristão e devido do termo, amá-lo também. Estando todas estas coisas escritas, é preciso lembrar que estamos em lados contrários da guerra. Como o Miguel Vale de Almeida me ajuda a perceber, as convicções opostas que defendemos valem para nós mais do que nós mesmos. Continuarei a orar com a ajuda de Deus.



* Ainda hoje li umas desgraçadas declarações do Papa a pretexto do martírio do padre francês: "todas as religiões são de paz". Céus... Digam ao Francisco onde ele possa arranjar uma coluna vertebral.

quarta-feira, julho 27, 2016

Um ano de oração pelo Miguel Vale de Almeida - parte II

Este texto vai ser ainda mais longuinho. Como apanho a boleia da antropologia, não estou nos meus domínios. Posso cometer erros particulares de imprecisão ou simplesmente de ignorância geral - sejam pacientes comigo. O motor de me meter no campo antropológico é o de, por ele ser o do Miguel Vale de Almeida e me parecer que há leituras inconsistentes que faz, desejar uma reflexão mais profunda sobre os assuntos das relações de género no contexto religioso. Parece-me sempre pobre que um antropólogo no Ocidente não demonstre um conhecimento efectivo do texto bíblico (e, não querendo ser injusto para com o Miguel, gostava de o ver mais à vontade nas referências religiosas). A Bíblia não é só para os crentes. Se vamos trabalhar com a realidade, que façamos por conhecer aquilo que mexeu na construção dela (a ignorância que geralmente as ciências sociais demonstram em relação ao texto sagrado do cristianismo tira credibilidade a qualquer proposta sociológica que queira ser séria sobre o nosso tempo e o nosso espaço).

A determinada altura do ano, o Miguel deu uma entrevista à Rita Ferro Rodrigues para os/as Capazes. Foi, e sem qualquer ponta de ironia, das entrevistas portuguesas mais interessantes que vi no último ano (os portugueses são no geral maus entrevistadores e maus entrevistados pelo excesso de misticismo da nossa cultura que olha para um sistema de perguntas e respostas como um meio demasiado superficial para mostrar a realidade, mas essa é outra conversa). Acho que seria fantástico os Capazes falarem também com pessoas que discordam deles num espírito de discussão franca e civilizada, que já praticam internamente com os das suas causas. Nessa entrevista de cerca de um quarto de hora, o Miguel falava do seu percurso e fazia uma espécie de leitura antropológica resumida do sistema ao qual chama patriarcado. Nas próximas linhas quero ir atrás do que disse porque é aqui que encontrei uns quantos equívocos. Para o fazer, devo assumir que vou estabelecer uma equivalência entre patriarcado e cristianismo que o Miguel não fez explicitamente na entrevista, mas que me parece insinuada de um modo implícito ao longo da conversa.

Não se esqueçam então que estou a assumir uma equivalência entre patriarcado e cristianismo e, sim, sei que muitos cristãos não se identificarão com essa equivalência (paciência, escrevam eles textos diferentes sobre o mesmo assunto). Dizia então que o Miguel afirma que o patriarcado encara os sexos como complementares e que o patriarcado sugere uma hierarquia favorável ao homem. Por muito impopular que isto possa soar, concordo. Mas quero qualificar essa concórdia - concordo no sentido em que a hierarquia não é no cristianismo uma qualquer: no cristianismo, a hierarquia é um acto de entrega e de sacrifício. Num texto como o de Efésios 5:25, explica-se que o marido é aquele a quem a esposa se deve submeter não porque o marido sabe e pode o que a mulher não sabe e não pode, mas porque o marido, ao estar pronto para morrer pela mulher como Cristo morreu pela Igreja, se apresenta como uma autoridade confiável (usando termos mais rigorosos: a submissão não é ontológica mas funcional, na medida em através da articulação dos comportamentos a submissão conta uma história). Por aqui podemos ver que o cristianismo não promove um seguimento sonâmbulo dos patriarcados típicos que já existiam antes dele (que defendiam que o homem devia dominar porque ele era essencialmente superior à mulher - o cristianismo rompe e diz que ontologicamente "em Cristo (...) não há judeu nem grego, escravo ou livre, homem ou mulher", como narra Gálatas 3:28). O cristianismo defende o patriarcado desde que o patriarcado exista em função de imitar Cristo: o pai ou o marido dão a sua vida por todos aqueles que estão ao seu cuidado. Se o patriarcado puder ser entendido sob a regra de que o pai ou o marido é o primeiro a sacrificar a sua vida, tal como Cristo fez, sim, podemos dizer que cristianismo é patriarcal. Eu estou muito OK com isso (e, por um lado, não estou nada OK porque é isso que trama a minha tendência pessoal para a passividade e para ser convenientemente feminista como pretexto de não me sacrificar).

Por outro lado, e ao contrário do que o Miguel sugere, no patriarcado (visto desta perspectiva cristã) o feminino não é uma falha que precisa de ser explicada ou uma espécie de vírus para o qual os homens precisam de arranjar vacina. Se assim fosse, nunca um marido seria chamado a fazer pela sua mulher aquilo que Cristo fez pela Igreja. Se o cristianismo achasse que o feminino era um erro, não chamaria os homens a darem a sua vida pelo erro que supostamente seriam as suas mulheres. Este é um buraco estranho de entender na argumentação do Miguel (e, sim, é verdade que ele não estabelece explicitamente a equivalência que eu estou a estabelecer entre patriarcado e cristianismo). Aliás, um dos sinais que demonstra que o cristianismo (e o judaísmo) têm do feminino uma visão antropológica radicalmente positiva é que Eva, sendo criada da costela de Adão, representa uma espécie de aperfeiçoamento da invenção do humano (a velha anedota que diz que o homem é o rascunho e a mulher o produto final tem algum fundamento teológico no relato do Génesis).

Para usar da expressão do Miguel, se "a homossexualidade é uma ameaça para o patriarcado" não é porque a homossexualidade alarga as opções que o patriarcado quer manter restritas. Se a homossexualidade é uma ameaça para o patriarcado é precisamente porque a homossexualidade estreita as opções que uma relação sexual exige, abertas ao ponto de necessitar de dois universos radicalmente distintos entre si, o masculino e o feminino. Se a "a homossexualidade é o pior desprestígio da masculinidade", como afirma o Miguel, é porque ela representa uma obliteração flagrante do feminino. Se o patriarcado não aprova a homossexualidade é porque sempre entendeu que a homossexualidade não dava mais mundos ao mundo, pelo contrário, retirava mundo ao mundo.

A "feminização do homem" (outra expressão usada pelo Miguel) é condenado pelo cristianismo não porque um homem ser feminino é sinal de fraqueza. É precisamente o oposto. A feminização do homem é condenada pelo cristianismo porque um homem ser feminino representa uma força de ataque contra a criação humana, completamente dependente de um equilíbrio entre as coisas radicalmente diferentes que são o masculino e o feminino. Neste sentido, um homem ser feminino é uma agressão a um dispositivo delicado que carece de um encontro de diferentes.

É esta a lógica que vemos a funcionar no texto bíblico, do Velho ao Novo Testamento. Na Bíblia aqueles que praticam a homossexualidade não são vistos como homens fracos mas como homens injustamente fortes (alguém já se deu ao trabalho de ler o relato da destruição de Sodoma no Génesis? Os sodomitas são agressores, não vítimas passivas). Mais à frente, quando chegamos à Carta de Paulo aos Romanos, no capítulo 1, é precisamente esta a crítica que encontramos à homossexualidade: a homossexualidade é a expressão de eu estar tão satisfeito comigo mesmo que me encanto de uma pessoa fundamentalmente igual a mim, do mesmo sexo que eu. A homossexualidade corporifica uma auto-salvação ou, se quisermos, uma salvação por méritos próprios, quando os homens se entregam aos seus próprios prazeres para concretizarem o sentido da sua existência. O cristianismo, como religião da graça, em que somos salvos por aquilo que Deus faz por nós e não por aquilo que fazemos por nós próprios, não topa este jogo porque este jogo lhe cheira naturalmente a narcisismo (e eu tenho saudades de um tempo em que a homossexualidade era espaço assumido de narcisismo, com resultados políticos que eram muito mais pobres porque não se valiam do jogo da vitimização, é certo, mas com resultados culturais muito mais estimulantes - já repararam que, por exemplo, os verdadeiros herdeiros de Oscar Wilde são gays conservadores? Já ouviram falar do Milo Yiannopoulos?).

O cristianismo nunca aprovou a homossexualidade porque simbolicamente a homossexualidade grita alto que estamos livres para dependermos somente de nós próprios, não precisando de ninguém fundamentalmente diferente de nós próprios para sermos pessoas mais completas. O cristianismo sempre criticou a homossexualidade por ela ser a representação perfeita de um poder auto-gerado, indiferente à diferença, realmente contrário a acreditar que a diferença é fundamental para a experiência humana. Não é casual que historicamente a homossexualidade tenha sido uma experiência associada aos possuidores de poder, não aos desapossados. Desde o elitismo dos filósofos gregos, ao apetite sexual apreciado esteticamente pelo seu efeito de desvio nas aristocracias modernas europeias, a homossexualidade costumava ser uma expressão de domínio, de força, de liberdade dos constrangimentos normais da natureza. Só uma antropologia da espessura histórica do papel vegetal, e reveladoramente colocada ao serviço das elites intelectuais do Ocidente, pode ser virada ao contrário para hoje querer sugerir o seu contrário. A homossexualidade só é uma luta antiga dos oprimidos para quem se alimenta exclusivamente de uma dieta de pós-marxismo-pós-moderno para conhecer a história. É melhor estudar antropologia além da segunda metade do Século XX. E, já agora, dêem uma vista de olhos na Camille Paglia, para outro exemplo ("Personas Sexuais", anyone?).

Ao contrário do que infelizmente se tem tornado normal assumir, o cristianismo não se opõe à prática homossexual pelo facto de o cristianismo ser contra a diferença. É precisamente o oposto. O cristianismo sempre se opôs à prática homossexual precisamente por causa de o cristianismo ser favorável à diferença e a prática homossexual representar o oposto dessa diferença. É a afirmação intransigente da diferença, visível no facto de a sexualidade humana depender de um encontro de assimetrias absolutas entre homem e mulher, que fez do cristianismo uma voz crítica da homossexualidade mesmo quando ela era tolerada no paganismo mediterrânico. O cristianismo criticava a homossexualidade (como o judaísmo já o fazia) porque a homossexualidade rejeita que a diferença é fundamental para a expressão genuína da sexualidade humana. Não é preciso ser um cientista da NASA para compreender isto.

Agora, tendo em conta que afirmo que a vitimização é o palco da grande vitória política dos direitos LGBT, não preciso de negar a História: desde que o mundo é mundo, é óbvio que uma grande multidão de homossexuais foi maltratada, exterminada, violentada, torturada e vítima de uma enorme série de horrores. Como cristão, assumo que muitas expressões institucionais do cristianismo contribuíram para isto, o que me parece uma vergonha que deve ser assumida e corrigida. Contra este desfile de atrocidades do passado o que pode ser feito é um presente e um futuro diferente, onde a condição homossexual merece os direitos cívicos que qualquer outra condição merece (o que é substancialmente diferente de transformar estatalmente instituições prévias ao estado, como o casamento, para supostamente cumprir essa liberdade cívica). O chamado casamento homossexual só é uma conquista cívica para quem acha que a civilização é conquistar (simplificando: o casamento gay é uma vingança da violência praticada pelo poder sobre os gays, sendo agora os gays violentos com o poder que têm). Se antes uma parte da civilização perdia, agora perde-se toda a civilização.

Onde estão os cristãos a defender que os homossexuais não sejam livres para viver como querem? Creio que um homossexual deve ser tanta liberdade para a expressão do seu amor, como eu tenho para a expressão da minha fé. E estou absolutamente convicto que a invenção do casamento gay não nos dá isto, como nos querem fazer crer. Creio no oposto: a invenção do casamento gay, entronizada no coração ocidental pela romantização da peregrinação do indivíduo dentro de si mesmo (não há paciência para o auto-fascínio teen pelo encontro de cada pessoa consigo mesma), só subsiste suprimindo a liberdade para a expressão de divergências morais. Julgamo-nos hoje moralmente mais flexíveis (então cada um não faz o que quer?). Que erro: hoje somos moralmente muito mais inflexíveis com aqueles que albergam dissonâncias nos consensos emocionais que nos parecem irrecusáveis. Reparem que hoje há políticos a ser condenados moralmente por não mostrarem as devidas emoções pelas causas tidas como certas (verifiquem como a guarda gay policiou as reacções ao massacre de Orlando). Brave new world, meus caros, brave new world. Here I stand - julguem-me pelas minhas convicções e actos e não por cenários virtuais alimentados a medo. No próximo texto falo das virtudes do Miguel.

P.S. Vale a pena acrescentar uma contribuição do Pedro Figueiredo que, há dois dias, sabendo que me ia meter no assunto da antropologia, comentou: "Como antropólogo dá para fazer uma espécie de 'disco pedido'? Então aqui vai: para a segunda parte do 'post', mais antropológica, dá para pensar um pouco até que medida não estamos também perante um embate entre uma abordagem 'identitária' à sociedade (e portanto em certa medida fundacionalista - a do Miguel) e uma mais 'processualista' (como o 'ano de oração' sugere)? (...) Não sei recomendar leituras, mas entre a comunidade de antropólogos mais novos, quando se discute se a abordagem dos estudos identitários está em falência, ou não, uma das alternativas que surge como óbvia é a inspirada em Alfred North Whitehead, que não só inspirou vários filósofos/antropólogos agora bastante relevantes, como a "process theology", especialmente influente nos EUA. Nesse contexto, e do meu ponto de vista paroquial de antropólogo, a discussão em curso pareceu muito interessante, porque, posso estar errado, mas parecem estar em choque uma metafísica assente em identidades (estáticas, em certa medida) e uma em que estas são processos . Daí o Tiago poder surgir neste evento como 'queer', porque relativamente o é, e não existe uma identidade absoluta de 'queer' - e daí a crença no poder da oração, ou do baptismo, enquanto capazes de alterar uma identidade (claro que esta é uma análise antropológica "científica"; do ponto de vista de quem acredita não é a justificação metafisica que eu avancei que alicerça a crença). De qualquer maneira, boa discussão, estamos todos a aprender!"

terça-feira, julho 26, 2016

Ouvir

Somos uma igreja que despreza a ideia que orar é bom mas fazer é melhor. Desprezamos a dicotomia entre orar e fazer porque enquanto igreja o que fazemos é para nos levar a orar. Não temos comunhão com Deus como um processo para ter outras coisas que são o produto final, mas temos comunhão com Deus como um processo que também é o produto final. Logo, para nós começar a orar por alguém é o primeiro passo para fazer alguma coisa concreta por essa pessoa.

O sermão de Domingo passado, chamado "Do Rei para a ruína", pode ser ouvido aqui.

segunda-feira, julho 25, 2016

Um ano de oração pelo Miguel Vale de Almeida

Este vai ser um texto longuinho e distribuído por alguns dias. Se está numa de insta-writing, dedique-se a ver fotos das férias que leitura turística aqui não vai dar. O objectivo deste texto é marcar um ano de oração pelo Miguel Vale de Almeida, assinalando na última parte algumas das suas qualidades, ao mesmo tempo que nas primeiras assumo o que me parecem ser fraquezas óbvias da sua vocação antropológica e política. O meu propósito é elogiar o Miguel mas também não vou estar com salamaleques e desperdiçar a oportunidade de o criticar.

Comecemos pelo princípio. Há um ano escrevi um texto que dediquei ao Miguel Vale de Almeida e à Isabel Moreira, por conta do assunto do aborto. Tomei uma espécie de compromisso que era orar por eles, enquanto meus adversários nesta área. Porquê? Porque a minha fé pede que faça por amar os meus inimigos. Reconheço que durante este ano houve nas minhas orações mais Miguel que Isabel e a internet em grande parte pode explicar isso. Durante os meses a seguir ao texto de há um ano, escrito em Julho de 2015, não fiz por seguir o que o Miguel escreve na internet. Foi preciso ele se meter comigo para eu começar a ter curiosidade por aquilo que ele escreve - logo, assumo que foi preciso o Miguel dar-me alguma importância para lhe dar eu mais importância ainda (no fundo, quem sabe se não temos aqui um bromance a despontar?). Por duas vezes li o Miguel a criticar-me publicamente no seu mural do Facebook (que é aberto e por isso dá para ser lido por qualquer pessoa) e das duas vezes achei interesse na crítica. Da primeira foi a partir do texto que lhe dediquei e à Isabel. Da segunda foi por causa do primeiro single do meu disco "Bairro Janeiro". O interesse que achei nas críticas que o Miguel me fez não tem a ver com a justiça delas mas com aquilo que me pareceu um elemento de incoerência em relação à mundividência que ele defende. Concluo que sou demasiado queer para o Miguel Vale de Almeida.

Nas palavras do Miguel eu sou "nada de genuíno, tudo máscara e artifício", o que é uma acusação estranha por parte de quem se dá à causa dos que não encaixam na suposta naturalidade da maioria. Em que normalidade é que o Miguel me quer forçar a encaixar para poder sentenciar que sou uma fraude? Por que é o Miguel tão binário quando me avalia como um elemento estranho e não-genuíno? A minha conclusão, que espero que não seja precipitada tendo em conta as certezas firmes do Miguel acerca de quem sou, é uma: a guarda gay portuguesa é só gay até certo ponto. Quando lhes aparece um evangélico desengonçado que não encaixa na rotina mediterrânica que a guarda gay se habituou a cartografar, a guarda gay resvala para a heteronormatividade mais rígida. Lendo o Miguel Vale de Almeida aprendo que sou gay demais para ele. A Isabel Moreira, mais metida nos seus afazeres políticos e talvez menos dada a grandes gorjetas a pobres taxistas como eu, criou menos elã na minha curiosidade. Não sigo o que diz ou escreve. O Miguel tornou-se um real labour of love - raro é o dia que não pico o que escreve.

Sei que muitos leitores, por muitas incoerências que encontrem nos advogados da causa LGBT, não conseguirão compreender aquilo que vêem como uma fixação da minha parte (e de outros cristãos) neste assunto. A maior parte das vezes perguntam-me: Tiago, por que é que não vives e deixas viver? Por que é que tens de estar preocupado com aquilo que as pessoas decidem fazer com a liberdade sexual que têm? Sei que estas perguntas me são colocadas de uma maneira sincera, e por isso quero só tentar dar uma resposta igualmente sincera e simples a estas perguntas que podem ser mais complexas do que parecem. Não vou responder de uma maneira filosófica (explicando que a rejeição moderna do transcendente nos torna imanentistas absolutos que só sabem acreditar em coisas desde que elas sejam sentidas subjectivamente - um cartesianismo em esteróides fora do prazo ao jeito de "a realidade é o que eu penso que é" ou "o que é bom é o que eu sinto pessoalmente e qualquer bom absoluto que eu não possa sentir é uma violência que me impõem" --» logo a homossexualidade não pode ser reprovada moralmente porque a moral é o que cada pessoa decide que seja). E não vou responder uma maneira antropológica (deixo isso para o próximo texto). Vou responder com brevidade de uma maneira mais política.

Está ainda por provar que legislar a liberdade sexual do modo como o Ocidente tem legislado (inventando o conceito de casamento gay) é a maneira de vivermos todos mais livres. A prova é que existem sinais reveladores que à medida que a liberdade sexual legislada na invenção do casamento gay avança, diminui a liberdade religiosa. À medida que se confunde a invenção do casamento gay com a verdadeira liberdade política, todos os que não afinam com essa compreensão são vistos como inimigos da liberdade. Por exemplo, foi revelador e patético ver a celebração das imagens de duas miúdas a beijarem-se nos festejos da vitória no Europeu como o sinal que Portugal é um país verdadeiramente livre - isso significa que eu e qualquer outra pessoa que tenha objecções morais à homossexualidade somos o quê, fundamentalistas religiosos prontos a acabar com a democracia portuguesa? É este tipo distorção lógica que em grande parte vejo sustentada pela causa LGBT, e por pessoas como o Miguel Vale de Almeida em particular. Passam a vida a incutir esta dicotomia nas pessoas: "ou o casamento homossexual como prova que somos livres, ou a barbárie dos intolerantes religiosos". O medo é a arma que usam e, por isso, quando um tipo com a liberdade que tem canta "I'm a true believer" e usa a palavra "maricas" numa música para caracterizar um snob da treta, eles dizem: cuidados com os verdadeiros crentes. O Miguel afirma uma mundividência que não pratica com quem acredita em coisas substancialmente diferentes das dele.

O medo como ferramenta constante da causa LGBT é uma prova de que liberdade não é o objectivo - o poder é. A conduta dos advogados da causa LGBT diante de expressões artísticas que lhes pareçam reaccionárias, conservadoras, homofóbicas, fascistas (ou qualquer outro nome usado para pôr as pessoas a tremer) só revela que mal tenham o poder de calar, calarão mesmo. Por enquanto, não atrapalho muito - o que não impediu de algumas pessoas sugerirem nos comentários do Facebook do Miguel Vale de Almeida que a Antena 3 não deveria passar a minha canção. Quando atrapalhar, não digam que não avisei.

[Continua.]

sexta-feira, julho 22, 2016

Aninha-te no meu colo, gato

Às vezes mais do que ter uma boa crítica importa quem nos critica. Neste caso, o Gato Mariano deu-se ao trabalho de ouvir o "Bairro Janeiro". Não resisti a dizer-lhe, depois de ter lido o que escreveu, que ele precisa mesmo de voltar a ouvir e de coração muito aberto (porque o "Bairro Janeiro" é o meu disco onde o factor "coração aberto" mais interessa). Mas sobretudo fico contente por chegar às Crónicas Felinas - a crítica musical mais criativa e coerente que por aí anda.



quarta-feira, julho 20, 2016

14

Chegar quase aos 39 anos e ter 24 de uma vida boa e 14 de uma vida melhor.


terça-feira, julho 19, 2016

Ouvir

Vamos tentar ser Neemias para alguém? Vejamos então, como a partir da oração que ele fez, podemos aliviar o mal daqueles que queremos servir.

O sermão de Domingo passado, chamado "Pôr no coração quem não temos diante dos olhos", pode ser ouvido aqui.

terça-feira, julho 12, 2016

Ouvir

Quem está a trabalhar como escravo em lugares que só conhecemos enquanto turistas? Quem é que dá anos da sua vida por Igrejas que nem em férias visitamos? Quem transpira onde nos refrescamos, por esse Algarve e Alentejo fora? Brasileiros. Nós, os portuguesinhos, muito sentadinhos no trono do nosso conforto urbano, não perdemos tempo com comunidades destas, onde ser evangélico ainda parece mais esquisito e piroso que na capital.

O sermão de Domingo passado, chamado "O que queremos é copos com o Rei Persa", pode ser ouvido aqui.

segunda-feira, julho 11, 2016

Somos campeões para a glória de Deus, seus pagãos!

Sinceramente, acho que um cristão protestante nunca poderá ser dado a maluquices futebolísticas. E até reconheço que a maneira como antes os evangélicos censuravam as conversas sobre a bola nos devia fazer parar hoje um bocadinho - hoje no meio evangélico está tudo tranquilo com a ideia de que podemos sofrer e nos zangar à custa do futebol. O que não é certo. Um cristão não deve sofrer e zangar-se à custa do futebol. A bola é uma idolatria nacional que não devia ser recebida de braços abertos nas nossas igrejas.

Tendo dito isto, não defendo que tenhamos de ser contra a bola. Deus não é contra as coisas do mundo mas é a favor que as coisas do mundo existam para lhe dar glória. Acredito que o futebol pode ser uma coisa do mundo que sirva para a glória de Deus. Ontem reconheço que senti e sofri com o jogo. Quase chorei quando o Cristiano chorou. Espero não ter incorrido em nenhum pecado de idolatria.

Fiquei mesmo feliz com a vitória (há um texto maravilhoso do Ferreira Fernandes hoje no Diário de Notícias que deviam ler, onde ele termina dizendo que está feliz - um texto maravilhoso!). E fiquei ainda mais feliz depois de ter ouvido o pequeno discurso do Fernando Santos. O Fernando Santos deu um exemplo prático de que o futebol pode ser para a glória de Deus (ainda que preferisse que ele beijasse a mulher primeiro que a mãe, e que a nota mariana fosse descartada). Leiam a coisa aqui em baixo. Somos campeões para a glória de Deus, seus pagãos!

“Em primeiro lugar e acima de tudo, quero agradecer a Deus Pai por este momento e tudo aquilo da minha vida. Deixar uma palavra especial ao presidente, dr. Fernando Gomes, pela confiança que sempre depositou em mim. Não esqueço que comecei com um castigo de oito jogos pendentes. A toda a direcção e a todos os que viveram comigo estes meses. Aos jogadores, dizer mais uma vez que tenho um enorme orgulho em ter sido o seu treinador. A estes e aqueles que aqui não puderam estar presentes. Também é deles esta vitória. O meu desejo pessoal é ir para casa. Poder dar um beijo do tamanho do mundo à minha mãe, à minha mulher, aos meus filhos, ao meu neto, ao meu genro e à minha nora e ao meu pai, que junto de Deus está certamente a celebrar. A todos os amigos, muitos deles meus irmãos, um abraço muito apertado pelo apoio mas principalmente pela amizade. Por último, mas em primeiro, ir falar com o meu maior amigo e sua mãe. Dedicar-lhe esta conquista e agradecer-lhe por ter sido convocado e por me conceder o dom da sabedoria, perseverança e humildade para guiar esta equipa e Ele a ter iluminado e guiado. Espero e desejo que seja para glória do Seu nome”.