O Ódio tem um Lar
[Traduzi este breve mas acutilante texto do Carl Trueman na First Things - leiam aqui (clicar em cima de "aqui") o original em inglês. Não tenho formação em tradução, por isso sejam benevolentes comigo.]
O Ódio tem um Lar - por Carl Trueman
Recentemente participei num painel sobre a natureza civil da sociedade. A determinada altura, perguntaram-me se havia alguma possibilidade de reformular o princípio de prejuízo de Mill para o seu uso na defesa actual da moral tradicional [Nota do tradutor: muito sucintamente o princípio do prejuízo em Stuart Mill é que só em caso de necessidade de impedir um membro de uma sociedade civilizada de prejudicar outros é que legitimamente pode empregar-se a força contra ele]. Tendo em conta a prevalência da linguagem do prejuízo psicológico no discurso ético contemporâneo, a ideia de Mill possui um certo apelo. Isso significa que podemos defender posições morais tradicionais nos termos estabelecidos por Mill?
À superfície, parece uma abordagem auspiciosa para a discussão na praça pública. Uma defesa da moral tradicional que emprega o vocabulário tipicamente usado para defender as categorias de dano e vitimização certamente se mostraria potente. O problema é que esta abordagem é fatalmente defeituosa.
O argumento de Mill funciona quanto o critério para “prejuízo” [ou dano] pode ser entendido em termos de condições externas. A pobreza, a opressão legal, a falta de direitos eleitorais - todas estas são coisas que indiscutivelmente prejudicam aqueles que estão expostos a elas, e podemos compreendê-las por padrões consensuais públicos. O problema hoje, como já notei antes, é que “prejuízo” é cada vez mais compreendido em termos psicológicos. Isso torna-o um conceito vago, susceptível a manipulação e [manipulação essa] cada vez mais política.
A urgência do ódio como um factor em procedimentos judiciais é um bom exemplo deste desenvolvimento. Num mundo onde a vitimização psicológica absolve aqueles que a reclamam para si, o ódio tornou-se um atributo dos piores crimes. Como é óbvio, adicionar “ódio” a “crime” torna os corpos e as propriedades de certas classes de pessoas mais valiosas e importantes do que outras. O bandido que ataca um homem gay porque ele é gay enfrenta uma pena mais dura do que o bandido que ataca uma rapariga ruiva porque ele detesta a cor do cabelo dela. Aos olhos da lei, o homem gay merece mais protecção do que a rapariga ruiva.
A noção de “crimes de ódio” deveria ser uma redundância desnecessária. Quantos assassinos matam as suas vítimas porque na verdade gostam muito delas? O mesmo se aplica a violadores e a ladrões. A relação entre o atacante e a vítima raramente é de afectividade ou indiferença. O desprezo odioso do outro é característico do crime violento. “Ódio” como uma categoria que intensifica a pena por um crime apenas faz sentido num mundo onde as características psicológicas se juntaram aos interesses políticos dos grupos identitários, e foram promovidas por lobbies. Grupos de identidade sexual e minorias raciais têm lobbies. Ruivas, como a maior parte das vítimas de crimes, não. Por isso, azar para as ruivas.
Podíamos tentar defender o argumento de Mill acerca do prejuízo. O problema é que “prejuízo” deixou de ser uma categoria económica ou legal determinada como era no Século XIX. Agora é mais uma matéria de sentimento [feeling], ou de disposição psicológica, em vez de espoliação de propriedade, de dano de um corpo, ou de impedimento de franquia. E é por isso que o discurso livre ficou debaixo de tanta pressão. Um discursos que directamente incita pessoas a magoarem outras não é protegido pela Primeira Emenda. Mas assim que “magoar outros” signifique “fazer os outros sentirem-se mal”, então qualquer afirmação que possa parecer que magoa alguém está sujeita a ser vista, não apenas como incitando alguém a um crime, mas como um próprio crime em si.
De facto, o ódio tem um lar - [esse lar é o de] principal papão na imaginação moral de um mundo escravo do terapêutico, e das noções psicologizadas de prejuizo que servem as causas das políticas identitárias. E enquanto o ódio tiver aí um lar, o argumento de Mill sobre o prejuízo de pouco servirá para aqueles que desejam defender a liberdade de religião ou de expressão. A resposta para a nossa actual tolice não pode ser resolvida pela troca de argumentos. Tem antes de ser tratada trabalhando para mudar o ethos do mundo em que vivemos.
[Traduzi este breve mas acutilante texto do Carl Trueman na First Things - leiam aqui (clicar em cima de "aqui") o original em inglês. Não tenho formação em tradução, por isso sejam benevolentes comigo.]
O Ódio tem um Lar - por Carl Trueman
Recentemente participei num painel sobre a natureza civil da sociedade. A determinada altura, perguntaram-me se havia alguma possibilidade de reformular o princípio de prejuízo de Mill para o seu uso na defesa actual da moral tradicional [Nota do tradutor: muito sucintamente o princípio do prejuízo em Stuart Mill é que só em caso de necessidade de impedir um membro de uma sociedade civilizada de prejudicar outros é que legitimamente pode empregar-se a força contra ele]. Tendo em conta a prevalência da linguagem do prejuízo psicológico no discurso ético contemporâneo, a ideia de Mill possui um certo apelo. Isso significa que podemos defender posições morais tradicionais nos termos estabelecidos por Mill?
À superfície, parece uma abordagem auspiciosa para a discussão na praça pública. Uma defesa da moral tradicional que emprega o vocabulário tipicamente usado para defender as categorias de dano e vitimização certamente se mostraria potente. O problema é que esta abordagem é fatalmente defeituosa.
O argumento de Mill funciona quanto o critério para “prejuízo” [ou dano] pode ser entendido em termos de condições externas. A pobreza, a opressão legal, a falta de direitos eleitorais - todas estas são coisas que indiscutivelmente prejudicam aqueles que estão expostos a elas, e podemos compreendê-las por padrões consensuais públicos. O problema hoje, como já notei antes, é que “prejuízo” é cada vez mais compreendido em termos psicológicos. Isso torna-o um conceito vago, susceptível a manipulação e [manipulação essa] cada vez mais política.
A urgência do ódio como um factor em procedimentos judiciais é um bom exemplo deste desenvolvimento. Num mundo onde a vitimização psicológica absolve aqueles que a reclamam para si, o ódio tornou-se um atributo dos piores crimes. Como é óbvio, adicionar “ódio” a “crime” torna os corpos e as propriedades de certas classes de pessoas mais valiosas e importantes do que outras. O bandido que ataca um homem gay porque ele é gay enfrenta uma pena mais dura do que o bandido que ataca uma rapariga ruiva porque ele detesta a cor do cabelo dela. Aos olhos da lei, o homem gay merece mais protecção do que a rapariga ruiva.
A noção de “crimes de ódio” deveria ser uma redundância desnecessária. Quantos assassinos matam as suas vítimas porque na verdade gostam muito delas? O mesmo se aplica a violadores e a ladrões. A relação entre o atacante e a vítima raramente é de afectividade ou indiferença. O desprezo odioso do outro é característico do crime violento. “Ódio” como uma categoria que intensifica a pena por um crime apenas faz sentido num mundo onde as características psicológicas se juntaram aos interesses políticos dos grupos identitários, e foram promovidas por lobbies. Grupos de identidade sexual e minorias raciais têm lobbies. Ruivas, como a maior parte das vítimas de crimes, não. Por isso, azar para as ruivas.
Podíamos tentar defender o argumento de Mill acerca do prejuízo. O problema é que “prejuízo” deixou de ser uma categoria económica ou legal determinada como era no Século XIX. Agora é mais uma matéria de sentimento [feeling], ou de disposição psicológica, em vez de espoliação de propriedade, de dano de um corpo, ou de impedimento de franquia. E é por isso que o discurso livre ficou debaixo de tanta pressão. Um discursos que directamente incita pessoas a magoarem outras não é protegido pela Primeira Emenda. Mas assim que “magoar outros” signifique “fazer os outros sentirem-se mal”, então qualquer afirmação que possa parecer que magoa alguém está sujeita a ser vista, não apenas como incitando alguém a um crime, mas como um próprio crime em si.
De facto, o ódio tem um lar - [esse lar é o de] principal papão na imaginação moral de um mundo escravo do terapêutico, e das noções psicologizadas de prejuizo que servem as causas das políticas identitárias. E enquanto o ódio tiver aí um lar, o argumento de Mill sobre o prejuízo de pouco servirá para aqueles que desejam defender a liberdade de religião ou de expressão. A resposta para a nossa actual tolice não pode ser resolvida pela troca de argumentos. Tem antes de ser tratada trabalhando para mudar o ethos do mundo em que vivemos.