Pastores que são Papas
Já noutras ocasiões escrevi sobre a dificuldade que as Igrejas Baptistas têm em Portugal de cumprir a realidade bíblica do pastorado colectivo. Não me entendam mal nesta observação: uma boa parte dos pastores baptistas tem feito neste país um trabalho que chega a ser heróico, no meio de recursos bem escassos. Pensando sobretudo nas décadas anteriores, a minha crítica não serve para ajustar contas com homens que não tiveram a papinha feita como muitos de nós hoje temos. Há dez anos, quando eu e um pequeno grupo demos início à Igreja Baptista de S. Domingos de Benfica, lembro-me bem do que era eu ter de ser pau para toda a obra. Era pastor-faz-tudo e não tinha grande alternativa. Não é acerca disto que falo.
Falo acerca de, independentemente das dificuldades do presente, acreditar que a realidade pastoral deve ser colectiva e trabalhar seriamente para isso. E também insisto porque, na nossa própria experiência, foi esse o caminho que decidimos fazer ainda quando a igreja nem a mim conseguia sustentar totalmente. O que desempatou não foram os recursos da igreja mas a convicção que ela tinha que era necessário sustentar totalmente a família do pastor que presidia, e ter logo ao início um presbitério (naturalmente colectivo). Foi uma decisão dupla tomada quando éramos apenas doze membros e a igreja não tinha mais de 500 euros para me dar mensalmente. A questão não é o que se tem mas o que se quer ter.
O que nos impede então de irmos mais longe? Creio que existe nos pastores baptistas portugueses um síndrome de auto-suficiência pastoral que raia o messianismo. O Mark Bustrum, outro dos pastores da Igreja da Lapa que como o nome indica é norte-americano, disse que quando chegou a Portugal reparou que, se por um lado os evangélicos aqui são muito anti-católicos, por outro em cada Igreja Baptista o pastor funciona como mini-Papa. Tudo na vida da igreja tende a estar centralizado na figura do pastor como se não houvesse acção divina realmente sólida além dele. Somos a favor do sacerdócio universal desde que haja centralização pastoral - não faz sentido. E digo isto como culpado. Ainda há um ano quase tudo passava por mim na Lapa (ouçam o sermão de Domingo passado para perceberem como).
Para isto contribuem muitas razões e só ofereço duas, que são praticamente opostas entre si. A primeira é uma grande necessidade de aprovação pessoal que muitos pastores têm, não se apercebendo que se comportam em função de quererem ser apreciados em todo o centímetro de actividade da igreja. A segunda é um resquício de territorialismo episcopal lusitano à Igreja Católica Romana - cada paróquia, um padre. Haverá muitas mais mas estas parecem-me óbvias.
Estas notas não devem soar como desculpa para a desvalorização da função pastoral - elas servem mesmo para o oposto. A ironia é que o ofício pastoral será tão mais respeitado quanto toda a igreja reconheça que aqueles que o desempenham o fazem segura e liberalmente confiando numa maior horizontalidade das suas funções. Graças a Deus pelos cristãos de outros países que nos ajudam a perceber melhor os erros do nosso.