sexta-feira, maio 26, 2017

É muito conveniente da nossa parte

que os legalistas geralmente sejam os outros. Mas já nos olhámos ao espelho? O podcast desta semana trata deste assunto.

Generally it's other people who get to be the legalists. What about you?

quinta-feira, maio 25, 2017

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Brasil, liga aí a Alice no País das Maravilhas ao profeta Jonas!

quarta-feira, maio 24, 2017

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Uma criança que mama é mais convincente a provar que Deus existe e que encheu o mundo de beleza do que os argumentos sofisticados dos ateus.

O sermão de Domingo passado, chamado "A Luta dos Lactentes", pode ser ouvido aqui.

sexta-feira, maio 19, 2017

Os Lisbon Pirates não resistem e falam sobre o Salvador

(Esse mesmo!)

Brasil!

Está ligado!

terça-feira, maio 16, 2017

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O sermão de Domingo passado, chamado "Beijoqueiro para glória de Jesus", pode ser ouvido aqui.

quinta-feira, maio 11, 2017

Os piratas buscam alguma sanidade

Os evangélicos em Portugal gravitam entre o anti-catolicismo primário e o apoio aos peregrinos a caminho de Fátima. O podcast desta semana verifica se ainda nos resta algum juízo na cabeça (e fé no coração).

In Portugal, evangelicals go from anti-catholicism to helping pilgrims on their way to Fatima. This week's podcast looks for some sanity in our heads (and faith in our hearts).

quarta-feira, maio 10, 2017

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Na Igreja da Lapa somos cristãos que oram demasiado pouco. Para isso também contribui a imaturidade de só sabermos dizer a Deus aquilo que sentimos - somos escravos da nossa própria espontaneidade (que não nos tem levado longe na nossa vida de oração). Queremos mais do que isto.

O sermão de Domingo passado, chamado "Escravo da Espontaneidade", pode ser ouvido aqui.

terça-feira, maio 09, 2017

Calvino esmaga o crânio de C. S. Lewis mas graças à ressurreição tudo acaba bem

Acabo de ler um capítulo das Institutas sobre a ressurreição que é muito bom. Tendo em conta que ainda ontem lia o C.S. Lewis comentar os Salmos e criticar que a crença na vida eterna servisse de base para a fé, não deixa de ser estimulante chegar ao Calvino e encontrá-lo a assumir de frente essa mesma tese. E, com toda a consideração pelas partes justas da crítica de Lewis, Calvino ganha. Calvino volta a afirmar aquilo que, no fundo, já Paulo tinha dito quando estabelecia que se não há ressurreição, somos os mais miseráveis de todos (1 Coríntios 15:13-17). Por impopular que seja hoje afirmar de um modo tão simples a crença na ressurreição, ela é o terreno firme da nossa esperança.

E aqui aproveito para fazer um à parte, para criticar a crítica de Lewis. Lewis deseja o melhor quando quer fundamentar no desejo pela presença de Deus a base do cristianismo, e assim espantar para longe uma fé que seja essencialmente uma questão de gerir consequências. Lewis quer que o nosso cristianismo seja efectivamente mais o nosso desejo de Deus do que o nosso desprazer pelo Inferno. E creio que esta crítica tem méritos, sem dúvida. O problema é que nesta crítica de Lewis pode crescer uma espécie de vaidade escondida. Como assim?

Se eu vou para o Céu não tanto porque tive medo de ir parar ao Inferno mas sobretudo porque desejei a presença de Deus, até que ponto é que não continuo na lógica retributiva? Afinal, neste esquema posso continuar a merecer o Céu por uma questão de recompensa, recompensa essa que premeia um desejo que internamente sinto - de estar perto de Deus. A questão é que acabamos com outro problema: que salvação existe então para quem não quer estar perto de Deus? Pior ainda: podemos acabar numa lógica mais perversa em que o Céu é o lugar dos que essencialmente são melhores, porque desejam a presença de Deus, e o Inferno é dos que são piores, que não a desejam. C. S. Lewis, ao querer criticar justamente a dureza do coração daqueles que desejam o Céu de uma maneira quase indiferente à presença de Deus, pode redundar numa dureza pior que é separar as pessoas entre aquelas que têm um desejo muito correcto de estarem perto de Deus e as outras. Num certo sentido, continuamos com uma lógica de mérito, em que para o Céu vão os bons e para o Inferno os maus.

Creio que nas Escrituras as coisas podem ser abençoadamente um pouco mais complexas (para serem mais simples no fim). Quando lemos a Bíblia, vemos o Céu e o Inferno como lugares que, de certa maneira, já escolhemos aqui, mas também os encontramos como lugares que não escolhemos aqui. Vou tentar explicar. Acho que não é irrazoável aceitar a ideia de Lewis, de o Inferno ser um lugar em que a porta está trancada por dentro (por quem lá está e lá quer continuar, decididamente longe da presença de Deus). Até porque vários textos bíblicos (como Romanos 1) nos lembram que não há nada pior do que Deus abandonar-nos às coisas que desejamos. Mas também podemos ver o Céu e o Inferno como os lugares que não escolhemos. E é neste segundo sentido que a graça de Deus serve melhor de desempate para ver quem vai para onde.

Uma das coisas realmente escandalosas na mensagem do cristianismo é que ela vai além do “fizeste isto, mereces aquilo”. E o problema é que na ideia de que o Inferno é escolhido aqui, permanecemos essencialmente no terreno do “cá se fazem, lá se pagam”, quase rasando uma versão cristianizada do karma. A questão é que o cristianismo é cristianismo precisamente porque troca as nossas voltas e mete gente ruim no Céu e gente boa no Inferno - novamente nos surpreendemos com o sentido de humor divino. E a graça pode ser graça, um elemento muito mais irrequieto do que os nossos méritos, porque pessoas que nunca desejaram a presença de Deus podem chegar ao ponto de passar a eternidade com ele. E é aqui que quero criticar o meu herói C. S. Lewis.

Eu amo o C. S. Lewis. Na prática, a minha vida é tentar ser como ele. O meu sonho é escrever aquilo que mais próximo chegue das “Screwtape Letters”, o meu ideal de perfeição literária. Mas o Lewis, que facilmente alveja o farisaísmo de tantos cristãos, cai frequentemente noutro. Qual é o farisaísmo do Lewis? O Lewis maneja habilmente os textos bíblicos, com um olho atentíssimo para aquilo que neles é fantástico (e o “Reflections on the Psalms” que estou a ler é extraordinário) mas acaba a confiar demasiado na sua própria cabeça. O grande problema do C. S. Lewis é que lê a Bíblia demasiado a partir da cabeça do C.S. Lewis. E ler a Bíblia a sério é procurar lê-la com a cabeça dela. Certamente que não é fácil. Mas o bom cristão lê a Palavra tentando entendê-la a partir dela mesma, e não a partir dele mesmo.

Vou tentar ilustrar. Neste caso, em que o Lewis critica justamente que se queira ir para o Céu essencialmente por medo do Inferno, paira sempre a ideia de que ele, o bom do Lewis!, é diferente e neste caso deseja a eternidade porque é desinteressado das consequências e unha com carne com Deus. Isto é ainda mais irritante do que querer ir para o Céu por ter medo do Inferno - sim, querer ir para o Céu porque se está apaixonadíssimo por Deus pode ser mais insuportável do que querer ir para lá por medo do Inferno (e daí a minha falta de paciência com místicos). É que, ao menos, a pessoa que quer ir para o Céu por medo do Inferno assume que é pecadora ao ponto de pensar no seu interesse próprio. Já o C. S Lewis pode passar a ideia de que a sua estadia no Céu é completamente justificado tendo em conta o amor desinteressado que sente por Deus. O Lewis é um pecador menos pecador e por isso ir para o Céu é mais justificável. Mas, assim, o Lewis fica longe de uma das coisas mais bonitas do cristianismo que é o Céu poder abrir-se a pecadores tão horríveis que viveram ao ponto de nunca terem desejado Deus. Quando é que o amor de Deus tem de ser mais esticado? Quando ama aqueles que já o amam naturalmente? Não (Jesus disse no sermão do monte que amar assim até os publicanos amavam, o que não é grande espingarda). O amor de Deus tem de ser mais esticado quando tem de ir ao ponto de amar pessoas que são tão ruins que só pensam na sua própria sobrevivência. Ter medo de ir parar ao Inferno torna-se uma excelente razão para ser alcançado pelo perdão de Deus.

Por que me inflamo tanto com estas questões? Por que sou tão obcecado a falar sobre Céu e Inferno? Caramba, é o segundo dia seguido a publicar textos sobre o assunto. Sou obcecado a falar sobre o Céu e o Inferno porque, ao contrário da imagem que a cultura que me cerca projecta acerca de si, eu não sou uma pessoa inclinada para ter bons sentimentos nem para fazer boas acções - eu não sou material de Paraíso. Este que vos escreve, marido de mulher, pai de filhos, pastor de igreja, escritor de livros, músico de discos, projecto de intelectual e revolucionário cultural em progresso, é no seu coração das criaturas mais desprezíveis que podem conhecer. O bem não me está na massa do sangue. Eu não sou o C. S. Lewis, desejante natural da presença de Deus (pelo menos não na maneira como me parece que esse desejo é descrito). O meu cristianismo não é desinteressado, focado fundamentalmente no amor que sinto por Jesus. É verdade que amo Jesus. Mas amo Jesus no meio de sentimentos e acções feias e, se não for a certeza da ressurreição, o bem que vivo nesta vida não chega para salvá-la.

Entendam isto: apesar do amor que já sinto por Jesus (porque o Espírito Santo já está em mim pela fé), esse amor daqui desta vida terrena não chega para me fazer viver para sempre. O que me vai fazer viver para sempre é o facto de Jesus já ter ressuscitado e de, nessa ressurreição dele, me garantir que ficarei a amá-lo para sempre na eternidade. O que me salva não é o amor com que respondo ao amor de Jesus; o que me salva é que, por causa do amor de Jesus, posso amá-lo de volta no poder do amor dele, não do meu. E é aqui que Calvino vê mais longe que o C.S. Lewis (apesar de eles nunca terem tido esta discussão, mas na minha cabeça ela faz sentido). Ou esperamos pela ressurreição que nos leva à vida eterna ou somos as piores pessoas de todas porque estamos satisfeitos nas qualidades que já temos agora. E para mim existem poucas arrogâncias piores do que a auto-satisfação. Reparem no paradoxo: ser um cristão completamente satisfeito aqui pode ser a maneira de ser o mais cagão dos pecadores (perdoem-me o português, mas acho que se justifica). E essa é uma coisa que cada vez me cheira pior, a abundância de cristãos satisfeitos com a sua fé iluminada (sejam católicos progressistas ou evangélicos armados em intelectuais, satisfeitinhos em terem uma fé mais inquieta e curiosa do que os outros, os evangélicos supostamente básicos).

Calvino sabia que que viver neste corpo ainda continua a ser uma prisão, não no sentido em que o corpo é mau em si mas no sentido em que ele impede a nossa união perfeita com Cristo (e por isso a Palavra diz que a nossa vida mais real está escondida em Cristo). Logo, é natural que o cristão seja necessariamente obcecado pelo Céu. O cristão que é obcecado pelo Céu não o é porque se acha melhor que os outros; o cristão que é obcecado pelo Céu é assim porque está farto de tudo o que dentro dele é mau. Hoje os cristãos obcecados pelo Céu recebem muita má imprensa quando, na verdade, são pessoas muito mais humildes do que aqueles que os criticam (que só estão a pensar na boa imprensa que é ser um cristão higienicamente não-obcecado pelo Céu e refastelados no conforto que sentem nesta vida). Por que não encontramos os católicos progressistas e os evangélicos armados em intelectuais a falarem de assuntos tão primitivos como a ressurreição e o Céu? Basicamente, porque se encontram satisfeitos com a popularidade que adquirem graças à sua fé mais esclarecida.

Por outro lado, desejar o Céu também é entender que não é só a nossa vida que convém resgatar, mas todo o Cosmos. Na verdade o Céu é os Novos Céus e a Nova Terra, a Nova Jerusalém. A realidade eterna é a da renovação de todas as coisas espirituais e físicas. Ao contrário do que se costuma dizer, os cristãos que desejam o Céu não o fazem por desprezar este mundo, mas por amarem-no ao ponto de quererem vê-lo em perfeição, completamente restaurado na eternidade.

Calvino sabia que era difícil acreditar na ressurreição do corpo, sendo este assunto um saco de pancada dos filósofos de todos os tempos que, naquele amedrontamento típico da filosofia, escolhiam selectivamente apenas a imortalidade da alma. No entanto, há dois terrenos bem firmes para acreditar nela.

Em primeiro lugar, é firme acreditar na ressurreição pelo facto de Jesus já ter ressuscitado. Os cristãos não acreditam na ressurreição a pensar neles, mas a pensar em Cristo. Cristo prometeu que ia ficar para sempre connosco. Surpresa das surpresas, depois de ter dito isto não é que morreu?! Mas, surpresa ainda maior!, não é que ressuscitou a seguir? Logo, e se partirmos do princípio que um milagre destes pode acontecer (princípio de onde eu parto), a um tipo que me prometeu uma coisa antes de morrer mas que, a seguir, ressuscitou, dou um enorme benefício da dúvida. Ou seja, se Cristo é uma pessoa que chega ao ponto de ser mais competente que a morte, vencendo-a, provavelmente é pessoa para honrar as promessas que faz. Se Cristo ressuscitou, é estúpido não acreditar no que ele disse. E se ele disse que ia ficar para sempre connosco, é porque vai mesmo. A ressurreição é a base da nossa esperança.

Tendo ainda em conta que a Igreja é o corpo de Cristo, no qual ele é a cabeça, não confiar na ressurreição é achar que a Igreja é como aqueles instantes em que o gato do País das Maravilhas ficava só em cabeça, sem corpo. A Igreja não é o Gato do País das Maravilhas, minha gente! E Calvino lembra ainda o detalhe de Jesus, depois de ter ressuscitado, não ter vindo exibir-se a Pilatos ou ao Sinédrio em jeito de “pessoal, engulam lá esta! Olhem para mim vivinho da silva!”. Não. Jesus foi mostrar-se às mulheres primeiro e aos discípulos depois para provar que o ponto mais importante da ressurreição não é o poder (é óbvio que Deus tem poder para ressuscitar, se ele teve o poder para criar o universo a partir do nada), mas o amor aos que lhe pertencem. Em segundo lugar, e é neste lugar do poder de Deus que reside a nossa confiança na ressurreição.

Este foi um texto sinuoso mas saiu-me da alegria de acreditar na ressurreição ainda com mais intensidade do que amo o C.S. Lewis. Clive, não te aborreças. Mas olha que o Calvino ainda via mais longe do que tu.



segunda-feira, maio 08, 2017

Maneira peculiar de mostrar amor

Ao ouvir o Pr. John Piper pregar sobre Gálatas 1 (na conferência da Gospel Coalition de 2017), fiquei com um pensamento acerca da preponderância da palavra sobre a igreja, no fundamento da autoridade cristã. O Piper falava em particular sobre o verso 8, que diz: "Mas ainda que nós, ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que temos pregado, seja anátema". A lógica do texto é que em caso de impasse, diante de dois ensinos diferentes, o que deve prevalecer é o evangelho. Paulo estava a reconhecer uma possibilidade, ainda que remota, de que os cristãos da Galácia poderiam estar numa posição em que vinha Paulo ou um anjo pregar uma coisa diferente daquela que os tinha alcançado originalmente. Ou seja, Paulo está a dar aos Gálatas a consciência de que não deve ser estranho para um cristão deparar-se com conflitos entre pregações. E o que deve desempatar esses conflitos? Não as pessoas mas a palavra.

No esquema católico romano o que desempata é a pessoa e não a palavra. Como a palavra é tida como dependente da pessoa, da correcta interpretação dos pastores da Igreja, cabe à pessoa dizer o que a palavra diz. Muito resumidamente, a Igreja Católica Romana, que se crê continuação de Pedro, espera que seja Pedro a ter o direito de resolver os problemas. A questão é que Paulo estabelece aqui na palavra um princípio diferente (e não deixa de ser revelador que o próprio Pedro mereça a sua censura já no capítulo seguinte, em Gálatas 2). Ainda que viesse a própria pessoa que lhes tinha pregado o evangelho a primeira vez - neste caso, o próprio Paulo!, e viesse com todos os méritos vindos do facto especial de eles se terem convertido graças à sua pregação - se essa mesma pessoa lhes pregasse uma coisa diferente, os Gálatas deveriam dar-lhe um chuto no traseiro.

Chuto no traseiro é um eufemismo. Na realidade, a expressão "seja anátema" quer dizer amaldiçoar. Portanto, a pessoa, que podia ser a pessoa mais especial do mundo pelo facto de ter sido quem pregou o evangelho, deveria ser mandada para o Inferno pelas próprias pessoas que se tinham convertido pela pregação dessa pessoa, por estar agora a pregar uma coisa diferente (e vale a pena ver o modo como o Piper prega isto!). Sigam a lógica: eu converti-me por causa da pregação do Chico. É natural que o Chico seja mesmo especial para mim. Mas se o Chico vier-me pregar uma coisa diferente agora, por muito que eu o ame, o que eu devo fazer é mandá-lo para o Inferno. Chico, vai para o Diabo que te carregue!

É por isso que, com toda a estima que possa ter com o catolicismo, permanece sobre ele um problema grave. O catolicismo não tem como obedecer a esta lógica de Paulo na Carta aos Gálatas. O catolicismo, porque crê que a autoridade da palavra depende de a Igreja assim a reconhecer, torna a pessoa que guarda a palavra o desempate em caso de choque de palavras. O catolicismo, que crê que a autoridade da palavra depende da Igreja, coloca a Igreja a desempatar os choques da palavra. Mas, segundo Paulo, só a palavra pode desempatar os choques da palavra. Neste texto, o próprio Paulo, como autoridade incontornável da Igreja no seu apostolado, bem que podia ir lixar-se caso quisesse ser ele, com uma nova pregação, a dizer aos Gálatas o que eles tinham de fazer. Os cristãos não são chamados a ir atrás de pessoas (nem de anjos!) mas da palavra.

O catolicismo é essencialmente uma Igreja que permite uma primeira versão de Paulo a pregar A, uma segunda versão de Paulo a pregar B, uma terceira versão de Paulo a pregar C, e por aí em diante. O catolicismo permite que os evangelhos possam ser diferentes desde que sejam pregados pela mesma Igreja. O catolicismo é uma religião mais progressista, moderna e mais "para a frente" do que o protestantismo precisamente porque as pessoas são uma figura de autoridade superior à palavra. O protestantismo é uma coisa parada no tempo, retrógrada, anacrónica, a mandar eventualmente todos os bispos e pastores para o Inferno, precisamente porque leva à letra o que Paulo aqui diz. Ou seja, o protestantismo leva a palavra à letra onde o catolicismo leva a pessoa à letra. Os católicos podem ter hoje uma religião muito mais agradável porque, levando a pessoa à letra (neste caso, a autoridade da Igreja reconhecida no Papa), todos podem ser colocados dentro do céu (mesmo quando há 100 anos não era bem a mesma coisa). O protestantismo pode ser uma religião muito mais desagradável porque, levando a palavra à letra (neste caso, autoridade da Bíblia), todos podem ser colocados no Inferno, até o próprio Apóstolo Paulo, se pregar uma coisa diferente do evangelho. No catolicismo, todos podem ir para o Céu; no protestantismo até Paulo pode ir para o Inferno.

Portanto, e para terminar este pequeno espasmo em forma de texto, digo-vos: se me pregarem uma coisa diferente de Jesus Cristo, vão para o Inferno! Malditos sejam! P'ró Diabo que vos carregue! (Comecei a ler o Camilo Castelo Branco a semana passada.) Mais ainda: se eu próprio me armar em esperto e vos pregar outra coisa além de Jesus Cristo, façam o favor de me mandar para o Inferno! Maldito seja! P'ró Diabo que me carregue! Esta é a maneira peculiar como nós, protestantes, mostramos amor ao mundo.

P.S. Apesar de colocar este texto a morder o catolicismo, apetecia-me mais colocá-lo agora, uns dias depois de o ter escrito, a morder as igrejas evangélicas que miseravelmente começam a seguir a mesma lógica. Não é triste que haja igrejas a mudar de opinião por causa de iluminações progressivas nas cabeças dos seus pastores? Igrejas evangélicas em evolução à custa de iluminações místicas ou intelectuais nos pastores nem o Inferno merecem - são demasiado vaidosas na sua burrice que mais valia que se inventasse um sub-Inferno só para elas. Go and spread the love!



sexta-feira, maio 05, 2017

Três incentivos para continuarmos a gostar de cartas ou mesmo a escrevê-las

[Na terça-feira passada estive a falar sobre cartas com o Padre Alexandre Palma na bela sala dos reitores da Universidade de Lisboa - gostei muito de o conhecer. Agradeço ao João Pedro Vala o convite feito em nome da equipa organizadora.
A primeira parte da minha intervenção falava da carta que Martinho Lutero escreveu aos príncipes de todos os conselhos das cidades alemãs para manterem e criarem escolas. Poupo-vos essa parte porque ela pode ser chata não conhecendo o texto. Coloco agora apenas três incentivos para continuarmos a gostar de cartas ou mesmo a escrevê-las. São incentivos algo ingénuos mas sinceros - acredito neles.]

1. Quando se crê na palavra, toda a literatura é carta
Pessoalmente, creio que o estado actual da Universidade é o de quem quer acreditar na palavra mas se sente sem forças. Para quem, como eu, se formou nas questões da linguagem, ouviu da Faculdade que o texto é tudo o que nos resta ao mesmo tempo que não é assim tanto - é uma luta poética de não desistir da palavra ao mesmo tempo que ela já não tem assim tanto a que nos possamos agarrar com confiança. No entanto, e como cristão evangélico que sou, creio no poder absoluto da palavra. Não creio que a palavra é aquilo que os homens podem criar mas, pelo contrário, creio que os homens são a criação da palavra. Acredito que fomos mesmo feitos pela voz de Deus, e acredito que essa voz se revelou de um modo perfeito e completo em Jesus, sendo ele a palavra encarnada, e que, ao mesmo estilo, nos é dado o conhecimento de tudo isto através da palavra escrita que é a Bíblia. Sou um logocêntrico assumido porque logos é a palavra grega para “palavra”. Coloco a palavra no centro porque tudo o que existe é o resultado da sua força criativa.
Por isso não é de estranhar a importância das cartas na religião cristã. Se a palavra não for um valor relativo, tudo o que verbalmente dissermos e escrevermos uns aos outros pode ter um valor muito mais eterno do que julgamos. Afinal, sempre que lidarmos com palavras estaremos a cambiar na moeda que pagou tudo o que nos cerca. A obsessão protestante pela Bíblia vem da certeza que já estamos com uma carta em atraso na nossa correspondência com Deus. Deus já iniciou connosco uma conversa escrita que só pode ser mantida por nós na tinta da gratidão. O que respondermos de volta a Deus não é porque fomos nós quem desencantou a morada dele: foi ele que nos desencantou a nós, num gesto de pura graça. Lutero era um homem de voz alta quando dizia que não há obra que nos valha - tudo o que dura para sempre depende de Deus e não de nós. Toda a vida humana é responder a Deus.

2. A carta é mais realista
Numa época que, por defeito, se crê mais ligada, a carta assume-se desavergonhadamente como uma procura da ligação em face da adversidade. As pessoas estão longe; as pessoas estão limitadas ao papel e à tinta; as pessoas não vêem os rostos -  quando se escreve uma carta, todo o cenário é de limites. E, por muito que nos custe admitir, a nossa vida é assim também. Talvez a razão porque escrevemos poucas cartas hoje não seja tanto a facilidade tecnológica das alternativas, mas porque silenciosamente receamos que as cartas nos devolvam às criaturas limitadas que no fundo somos (até no que escrevemos àqueles que mais estimamos). Pode estar muito dito mas fica sempre muito por dizer.
Por outro lado, as cartas ficaram insuportavelmente associadas ao romantismo de há uns séculos. E sabemos de cor a conversa sobre cartas de amor, quem as não tem, e de que são todas ridículas, e bla-bla-blá. A questão é que as cartas de amor fizeram-nos esquecer que cartas também são combates. Do mesmo modo como vemos Lutero a ir ao seu limite retórico para convencer aqueles a quem quer bem a que façam o bem que devem, nas cartas que escrevemos estamos muitas vezes nas maiores trincheiras. É verdade que, neste caso, a Alemanha escolarizou-se sem exemplo igual. Mas ouviram bem o que Lutero teve de dizer para contribuir para isso?

3. O nosso fim é a fala
O telos (o propósito) do cristianismo é falante. A eternidade na Nova Jerusalém é definida também a partir do que fazemos com o verbo. No livro do Apocalipse, no capítulo 22, é-nos dito que no centro de tudo estará “o trono de Deus e do Cordeiro, e os seus servos o servirão, contemplarão a sua face, e na sua fronte está o nome dele”. A lógica é juntar aquilo que foi revelado pela palavra (através do nome) com aquilo que agora se pode ver (face a face). Nesse sentido, podemos ir mais longe e dizer que o Apocalipse é uma correspondência escrita tornada física - cartas que pedem encontro (e não é casual que o livro do Apocalipse comece precisamente com cartas a sete igrejas). Isto não torna o que se escreve menos importante diante do que se vê, a razão triste e geralmente invocada para tornar obsoleta a escrita das cartas. Isto torna aquilo que se escreve parte do gozo naquilo que, finalmente!, se pode ver. O futuro de todas as coisas continua a depender das cartas escritas.



quinta-feira, maio 04, 2017

Being Jacinto Lucas Pires

O programa desta semana é histórico: pela 1ª vez recebemos um convidado. E que convidado! O Jacinto Lucas Pires está connosco e conversa sobre:

- apesar de ser escritor, ele também estaciona carros;
- o turismo como uma bênção que também pode ser um praga;
- apartamento do Jacinto é em África;
- procurar o mistério através da escrita.

This podcast belongs to History: for the very first time we have a guest. And what a guest! Jacinto Lucas Pires joins us and talks about:

- being a writer but also parking cars;
- tourism can be a blessing but also a curse;
- Jacinto's apartement is in Africa;
- going after mystery while writing.

Don't forget that we join for an english-speaking service every last Sunday of the month! Please come!

quarta-feira, maio 03, 2017

Ouvir

O sermão de Domingo passado, que encerra a série de mensagens sobre a Reforma Protestante, pode ser ouvido aqui.