sábado, maio 25, 2019

Ouvir

Como é que Jesus justifica a situação aparentemente absurda de impedir que gente que faz coisas boas, gente aparentemente boa!, tenha comunhão com ele? Precisamente demonstrando que até as coisas boas podem ser, aos olhos de Deus, coisas más. Como assim? É isso que Jesus faz quando revela àqueles grandes faladores e fazedores que, na realidade, as maravilhas que andam a falar e a fazer eram, no fim de contas, “iniquidade”. O que este texto nos mostra é que é Jesus que avalia o que é bom, e não os que se julgam bons que avaliam Jesus. Os que se julgam bons podem ir parar ao Inferno porque Cristo está num lugar onde a bondade deles não chega, que é o de juiz.

O sermão de Domingo passado, chamado "O perigo da fé fundada no bem que falamos é fazemos", pode ser ouvido aqui e no Spotify.

sexta-feira, maio 17, 2019

Videozinho (final) de Sexta-Feira

Da minha experiência no YouTube cresce a convicção de que a plataforma é menos acerca da amizade provada e mais acerca da amizade que se quer provar. O que quero dizer com isto? Para pessoas ruins como eu, o YouTube torna-nos mais insatisfeitos com os amigos que já temos e faz-nos desejar amigos que dificilmente serão reais mas que nos gratificam imediatamente em likes e visualizações. Ainda não estou convencido de que a internet é a besta do Apocalipse mas que ela serve também o sistema da Babilónia, isso não duvido.

Também por causa disto, sinto sempre uma grande ambiguidade quando invisto no meu canal do YouTube. Por um lado, vejos bênçãos. Por outro, vejo maldições. Reconheço que quando acabo uma temporada, chega um alívio. E eis que hoje termino a segunda temporada do meu canal de Youtube, a de 2019. Finaliza a temporada azul, a blue season (ou seria melhor a blues season?).

Deixo-vos com uma canção acerca do meu amigo Tiago Ramos. Tenho pelo menos duas canções para o meu amigo Tiago porque mais de 30 anos de amizade dá para aquele tipo de gratidão que facilmente inspira canções. Uma das lições que trago dos anos do punk e hardcore da adolescência é que canções do contra podem mudar uma época mas canções de amizade podem durar uma eternidade (quem se recorda do "Amigo" dos Human Beans?). Cada vez gosto mais das últimas e de poder cantar as minhas.

Não quero terminar com uma murmuração mas não resisto: em tantos anos de música cada vez encontro menos amizade nos seus palcos. Há sobretudo calculismo e uma falta de coragem que abandona aqueles que, se cantarem fora da harmonia da maioria, serão colocados de parte. Não me quero fazer de coitadinho mas sei que o futuro das canções sinceras feitas em Portugal, e em qualquer outro lugar do mundo, exigirá resistência. Por outro lado, quero assumir sem auto-comiseração que realmente acredito que canto karaoke no mundo das trevas. Aguentem-se e encontramo-nos novamente no YouTube em 2020, se Deus quiser. See ya in the pit!

quarta-feira, maio 15, 2019

Ouvir

Na fala do falso profeta, que gosta de tornar folgado o que é estreito, há muito pouco do fogo das palavras de Cristo e muita felicidade no seu lugar. O falso profeta nem se dará ao luxo de ser claro porque ser claro é o contrário de ser subtil e a subtileza é o seu negócio. A cautela que precisamos de ter com os falsos profetas passa por sabermos detectar na conversa que lhes é típica como tornam o acesso a Cristo o oposto do que é difícil, estreito e apertado – por natureza, o falso profeta declara, com um discurso cheio de lã e fofura (não quisesse ele mostrar a qualidade de uma ovelha verdadeira!), que chegar a Cristo é, basicamente, para todos e de qualquer maneira. Do caminho estreito com que poucos acertam, passamos a ter uma estrada larga para a maioria.

O sermão de Domingo passado, chamado "Alargar o que Jesus diz estreito", pode ser ouvido aqui (e no Spotify!).

segunda-feira, maio 13, 2019

Efeitos da Secularização na Cultura

[Quarta-Feira passada houve uma conferência muito importante na Assembleia de Deus de Benfica acerca de novas conclusões sociológicas acerca da religião na Área Metropolitana de Lisboa. Esta foi uma das minhas participações no evento.]

Quero tornar a minha participação neste Seminário “A Fé na Cidade - As Extraordinárias Constatações do Estudo sobre Religiosidade na área Metropolitana de Lisboa”, falando sobre “Efeitos da Secularização na Cultura”, num eco do pensamento de pessoas que percebem do assunto mais do que eu e que, na pior das hipóteses, ao terem-me persuadido, espero que possam persuadir mais. O mais importante que tenho para dizer é dizer o que já disseram pessoas como a Helena Vilaça, James K. A. Smith e, sobretudo Charles Taylor.
Ter de falar na importância da cultura é um pouco como, na presença de várias palavras, constatar que provavelmente estamos na presença de um texto. Se for o caso de se partir do princípio que foi a palavra de Deus que criou tudo, como nos explica Génesis 1, e que a palavra se fez carne em Jesus, como nos explica João 1, então devemos assumir que não é muito prestigiante que tantos cristãos precisem de ser despertados para a relação entre a fé e a cultura. Neste sentido, a cultura é também o texto que as nossas vidas, em conjunto com as vidas dos outros, todas elas criadas pela palavra divina, vão escrevendo. Não é possível viver sem que algo se escreva, e uma cultura é o texto que redigimos colectivamente, com mais ou menos consciência disso. Se os evangélicos querem manter-se o povo da palavra, não é possível cultivarem uma ignorância acerca da cultura porque a cultura é o texto que acontece sempre que palavras se juntam.
Ao dizer isto, não sugiro que um cristão precisa de ser um especialista em cultura. Mas creio que é difícil, por exemplo, ser um pastor eficaz e, portanto, um ministro da palavra, sem fazer uma exegese do mundo à nossa volta, à semelhança do que fazemos com o texto bíblico, como afirma James K. A Smith. Temos de ler o texto da realidade bíblica e temos de ler, a partir da Bíblia, o texto da realidade. Em “You Are What You Love”, Smith coloca a questão deste modo: “os pastores precisam de ser etnógrafos do dia-a-dia, ajudando os paroquianos a ver o seu próprio ambiente como formador e, demasiadas vezes, deformador”. Correndo o risco de alguma simplificação, diria que se não sabemos ler o texto da realidade à nossa volta, é porque não sabemos ler a própria Bíblia assim tão bem como julgamos.
Já que começo com uma nota mais crítica, acerca de algum alheamento cultural que frequentemente nos caracteriza, como evangélicos em Portugal, também me parece correcto elogiar o que neste alheamento pode ser elogiável. Parte da ousadia cultural que os cristãos evangélicos podem ter em Portugal (e acredito que tenham mesmo!), e noutros países culturalmente católicos onde nunca alcançaram destaque, deve-se a não darem assim tanta importância à sua performance cultural. A partir do momento em que os cristãos se preocupam demais em serem culturalmente conscientes, perdem grande parte da pertinência do seu testemunho. O sal da terra e a luz do mundo, como o Nosso Senhor nos ensina no Sermão do Monte, resultam de uma identidade proveniente de sermos totalmente felizes em Jesus, bem-aventurados nele – o objectivo de a nossa luz brilhar diante dos homens é para que eles glorifiquem Deus e não nós. Não somos sal e terra quando estamos preocupados em que os outros assim nos considerem. Jesus tinha explicado que o resultado de sermos felizes nele era perseguição e não aplauso. Daí que creio que se apropria dizer que, se por um lado o alheamento cultural pode demonstrar o pecado de indiferença aos que precisam de ouvir o evangelho, por outro, uma excessiva preocupação com a cultura pode demonstrar o pecado de procurarmos a nossa felicidade no reconhecimento dos outros. Não há soluções mágicas para este dilema – tem de ser o próprio evangelho a calibrar-nos.
Para entrar no assunto propriamente dito, nos efeitos da secularização da cultura, começo por um exemplo. No livro “The Changing Soul Of Europe”, Helena Vilaça, escrevendo sobre a experiência religiosa das comunidades do leste europeu em Portugal, nota como a Igreja Católica Romana, para integrá-las, contextualizou a ajuda que lhes presta em termos de “solidariedade”, uma palavra mais compreensível numa época secular, do que a tradicional e bíblica “caridade”. A secularização da nossa cultura também se vê no modo como nos sentimos levados a usar novas palavras para velhos significados. É uma questão também delicada de palavras, sentimentos e significados.
No livro “A Secular Age”, Charles Taylor, um filósofo católico, afirma que a secularização não é apenas uma subtracção, uma perda da crença em Deus; é sobretudo a adição de uma nova maneira de viver: essa nova maneira é o que ele chama de humanismo exclusivo, que significa que todos deixámos de precisar do transcendente para encontrar sentido para a nossa existência. Até os crentes já não crêem como os crentes no passado. Os crentes podem até continuar a acreditar num Deus transcendente, mas a convicção que têm nele fundamenta-se essencialmente numa base imanente, do descanso subjectivo que extraem dessa crença sobrenatural. Por isso, nem é tanto que hoje, com uma sociedade secularizada, haja uma grande luta entre acreditar e duvidar; é mais que hoje, numa sociedade secularizada, todos acreditamos ao mesmo tempo que duvidamos – somos todos Tomés. O lugar onde encontramos significado para as nossas vidas deixou de estar no mundo que nos é externo, com realidades objectivamente transcendentes, e passou a estar na nossa mente. No mundo pré-moderno as coisas tinham um poder espiritual independentemente de se acreditar nelas ou não, estivesse esse poder em objectos como as relíquias ou a hóstia. Agora o poder fica dependente na nossa capacidade de o reconhecermos – as coisas espirituais só funcionam se acreditarmos nelas.
Permitam-me uma nota mais filosófica e histórica, assinalando a ironia, segundo Charles Taylor, de que aquilo que contribuiu fundamentalmente para o processo de secularização não foi uma vontade de expulsar Deus do mundo. Foi precisamente o seu oposto: dar mais mundo a Deus, no final da Idade Média. Parte da mudança mais revolucionária que contribuiu para a actual secularização, com a Reforma Protestante, deu-se porque se queria mais devoção – queria-se um mundo em que era também o comum que se santificava, e não apenas o sagrado. Parte da modernidade de Lutero, se quisermos aqui usá-lo como referência moderna, é compreender que o monge alemão sabia que santo precisava de ser tanto o padre como o sapateiro. A partir do momento em que há a expectativa que até os sapateiros sejam santos, colocando-lhes a Bíblia nas mãos, parte da Idade Moderna nasce ao respeitar-lhes a consciência. Uma era mais secular também é o que acontece quando o religioso sai dos limites do religioso. Em Roma a santidade arruma tudo bem arrumadinho; na Reforma a santidade mistura tudo. O mundo que vingou foi claramente o segundo, com todos os pontos positivos e negativos que daí saem.
Voltemos a Taylor e às suas três noções de “secular”:
1) O secular1, que é o secular enquanto algo temporal, mundano. Exemplo: o padre é sagrado, o padeiro (ou sapateiro, para um exemplo mais luterano!) secular.
2) O secular2, que é o secular enquanto algo neutro, não-religioso, por contraste ao que é confessional. É este secular2 que dá origem ao termo secularismo.
3) O secular3, que é o secular enquanto algo que numa sociedade permite a crença em Deus como uma opção entre outras (neste contexto, geralmente a opção menos fácil). É neste secular3 que Taylor quer trabalhar.
Taylor fala ainda sobre pressões cruzadas, um sentido generalizado na nossa cultura de que, com o eclipse da transcendência, alguma coisa se perdeu. Isto vê-se, por exemplo, na reacção que temos com momentos como o nascimento, o casamento ou a morte, continuando a atribuir-se-lhes a embalagem religiosa do rito.
No trabalho de contestar a secularização2, importa reconhecer que o que se tornou implausível não é tanto acreditar no sobrenatural; o que se torna implausível é um modo de vida que não valoriza o natural como o mais importante. A nossa época pode ser chamada de Era da Autenticidade, em que vivemos de acordo com o que descobrimos acerca de nós, sem qualquer imposição do exterior. A prática religiosa que hoje é abraçada tem de justificar nos termos do desenvolvimento espiritual de cada um. O espiritual persiste, as regras é que parecem ter mudado: “cada um tem de achar a sua fé (ou falta dela)”.
Como nota de rodapé, vale a pena mencionar a atracção que hoje muitos sentem pelo catolicismo, como uma espécie de resolução dos males da nossa Era Secular, ou da nossa Era da Autenticidade – Taylor, como católico, reconhece esta atracção que vem em modo de nostalgia. Pessoalmente, gosto de chamar este novo charme romano de Neo-Tomismo-Trinfalista, um regresso a um suposto mundo encantado anterior aos estragos que são apontados aos protestantes, que possa até “re-territorializar” espiritualmente a Europa e o mundo ocidental, atenuando ou mesmo eliminando a actual “cacofonia religiosa” (para usar dois termos de Enzo Pace). O problema é que o Neo-Tomismo-Trinfalista idealiza o passado (como se a fé dos pré-modernos fosse mais fé do que a nossa), e idealiza o presente (como se a nossa fé fosse mais fé se se livrasse do nosso contexto contemporâneo). Neste sentido, permitam-me a opinião de que as conversões ao catolicismo, mais do que serem a favor de Cristo, são contra o mundo moderno. Taylor diz que estas conversões ao catolicismo são “uma receita para um tipo de conservadorismo que enfatiza que as fontes mais profundas da cultura europeia estiveram no Cristianismo”. Esta receita funciona como uma espécie de antídoto para o relativismo moderno, podendo na sua forma mais radical demonstrar hostilidade até ao próprio sistema democrático. É um pacote sedutor mas muito perigoso, diz Taylor. Porque até esta nostalgia é um produto da modernidade que quer criticar – estamos a fazer um buffet moderno do passado.
O interesse em compreender Taylor não é, neste sentido, munir o cristão, mas ver onde o secularista já não tem munições. Na Era Secular o sentido está de tal modo no monopólio do que sentimos, do que nos é imanente, que temos grande dificuldade em exercer a nossa imaginação fora deste enquadramento. Em termos práticos, isto significa que, como raramente este enquadramento imanentista é formulado, raramente é questionado. A moldura da imanência acaba por fechar-se mais que se abrir (“it’s something we reasom from and not something we reason to”). Passamos a ter um mundo de estruturas fechadas mais fechadas que julgávamos. Como não exprimimos formalmente que construímos as nossas convicções a partir do que sentimos, não sentimos a fragilidade desta forma como vivemos. Parece muito flexível viver-se a partir do que sente, mas é bem mais rígido do que parece.
O humanismo exclusivo da nossa Era Secular monta uma dicotomia entre religião e humanismo ou, se preferirmos, fé e raciocínio. Parte-se do princípio que, como estamos aqui sozinhos, o único sentido tolerável tem de ser aquele que nós próprios criámos – como somos tudo o que existe, só pode existir o que somos, sem espaço para Deus. Aquilo que é tido como científico ganha a capacidade moral máxima, tornando irresponsável fundamentar decisões noutra base que não aquela que um pensamento científico, supostamente incontestável, nos permite. A verdade é que a ciência não nos convence por nos explicar tudo tim-tim por tim-tim (a maior parte das vezes nós vivemos perfeitamente bem sem termos coisas essenciais explicadas tim-tim pot tim-tim); a ciência convence-nos pela força com que condena que nós possamos viver sem podermos exigir que tudo nos seja explicado tim-tim por tim-tim. São coisas diferentes.
Preciso de terminar esta longa digressão. Até porque ela não traz nenhuma conclusão redonda que possa acalmar-nos hoje. Relembro duas recomendações: a secularização traz-nos provavelmente mais mudanças nas condições de crença do que propriamente na crença em si; e cuidado com as conversões! Espero que, pelo menos, nos ajude a, como criaturas do texto divino que somos, ganharmos olhos para lermos os outros textos à nossa volta.

Videozinho de Sexta-Feira

Pode um protestante ser fiel a uma católica? Sim, se for Tiago Cavaco e Flannery O'Connor.

sexta-feira, maio 03, 2019

Videozinho de Sexta-Feira

Há uns dias não me contive e chamei pateta a uma pessoa que, contra dois mil anos de consenso cristão, se insurgiu contra a ideia de que a crucificação de Jesus serve para Deus perdoar os nossos pecados. Repensando um pouco, aquela pessoa não foi assim tão pateta. Pelo contrário, foi sensata. O mais racional, quando se olha para a cruz, é, sem dúvida, tomá-la como absurda.

Por isso, não é de estranhar que as Escrituras façam depender de uma revelação divina a compreensão do que estava a acontecer na crucificação de Jesus. Só é possível encontrar na cruz algo mais do que um absurdo através de uma verdadeira intromissão transcendente - ou Deus nos mostra, ou não vemos. Não é curioso, então, que aquela pessoa estivesse a observar a crucificação de um modo tão semelhante ao modo como olharam os transeuntes, os ladrões na cruz e os escribas e sacerdotes - dizendo não com a cabeça, zombando e injuriando? Quem quiser deter o discurso mais articulado diante da cena macabra da execução de Cristo, o indicado é decretá-la como despida de sentido. A praga do cinismo também nasce daqui.

Que Deus me livre de ter um discurso confiante diante da cruz. Peço por admiração. O vídeo de hoje serve para ilustrar isto.

quarta-feira, maio 01, 2019

Ouvir

O sermão de Domingo passado, chamado "Saudável Individualismo Cristão", pode ser ouvido aqui (e agora também no Spotify!).