Quietude na Quarentena (newsletter de Março)
[English version down below! Amigos, eis a newsletter de Março. Desta vez envio um texto acerca dos dias inescapavelmente diferentes que vivemos. Se quiserem receber as seguintes, enviem o vosso e-mail para tiagooliveiracavaco@gmail.com . Sou grato pelo feedback que têm dado. Um abraço!]
Há uns dias li um grande texto do meu amigo Jacinto Lucas Pires que dizia: “O coronavírus assenta bem demais na doença do tempo de que já padecíamos coletivamente antes de dezembro de 2019. É quase como se, de um momento para o outro, tivessem sido cunhados termos médicos, científicos, para o que já estava em marcha. Sim, de certa forma, a quarentena de “isolamento voluntário” já existia. Não sou dado a tiradas apocalípticas, mas a facebookização da vida está a levar-nos para aí a passos largos. Vivemos cada vez mais em quarentena: quarentenas mentais, afetivas, políticas, espirituais.” Podem lê-lo todo aqui (https://pontosj.pt/opiniao/ha-um-espaco-vazio-no-ceu/).
Sabemos que o mundo está a mudar quando o dentro se torna fora e o fora se torna dentro. Há uns anos, Jordan Monson escreveu um grande texto chamado “Caminha de Oração Privada” (https://www.desiringgod.org/articles/private-prayer-walk). Deixem-me dar-vos a citação mais quente: “Durante 2000 anos o lugar mais privado era dentro, agora o fora distrai menos.” Agora imaginemos esta grande mudança com outra grande mudança em cima chamada Corona Vírus: estamos em tempos exigentes, tendo de ficar em casa quando isso nos pode parecer uma distracção irreversível e imbatível.
A quarentena que estamos a viver agora dá-nos tempo com a família, o que é uma bênção. Mas, ao mesmo tempo, desafia-nos a conseguir manter a concentração. Quarentena dupla: ficamos longe das pessoas fora da nossa casa, e sentimos que ficamos longe do nosso trabalho (até as pessoas mais produtivas a trabalhar agora a partir de casa sabem disto). Mas deixem-me tentar enquadrar a questão do modo mais esperançoso que consigo: não há real quietude sem alguma medida de quarentena, e isto sobretudo quando a quietude é o que parece ameaçado com a quarentena. Deixem-me dizer que há um tipo de quarentena voluntária para todos os que procuram a verdadeira quietude - a quietude diante de Deus. E isto são boas notícias.
Há quase dez anos estudámos na nossa Igreja o Evangelho de Marcos. Preguei nele quase por dois anos e escrevi um livro acerca dele. A acção é tão avassaladora em Marcos que acho que podemos sumarizar o seu enredo assim: há alguém, o Nosso Senhor Jesus, a tentar descansar e a não ser propriamente bem sucedido (e, colocado assim, é um eufemismo). Para isso, ele pratica uma quarentena voluntária logo no primeiro capítulo: acorda cedo e foge de tudo e de todos para estar em paz com o seu Pai Celeste.
Saber disso ajuda-me: a quarentena não tem de fazer sentir-me perdido, longe das pessoas e do trabalho, mas pode trazer-me quietude diante de Deus. O tipo certo de quarentena, praticado por Jesus, significa o Pai a orientar-nos, e isso ensina-nos a saber lidar com a família (com as pessoas) e a saber manter o foco (a produtividade). Talvez o nosso pouco à-vontade com tempo que passamos sozinhos esteja ligado ao facto de pensarmos que nos compete a nós achar a maneira certa de lidar com as pessoas e com a produtividade. Que tal enfrentar a quarentena antes a partir da possibilidade de sermos nós achados por Deus? Mais ainda: que tal se o homem que aqui não encontrou descanso se tornar o Deus que no-lo dá?
***
[Dear friends, here’s my March newsletter. This time I’m sending you a text about these days, unavoidably different from everything we’ve lived before. If you want to receive the newsletters to come, send me a message saying so to tiagooliveiracavaco@gmail.com . Thank your for all the feedback you’ve been sending. Um abraço!]
Some days ago I read something that my friend Jacinto Lucas Pires wrote: “Corona virus fits too well in the disease we had already before December 2019. It is like, suddenly, we got medical and scientific names for what was already moving. Yes, in a way, the kind of “voluntary confinement” quarantine already existed. I’m not into apocalyptical pronouncements, but the facebookization of existence is quickly taking us there. We live increasingly in quarantine: mental quarantines, affective quarantines, political quarantines, spiritual quarantines.” It is a great text about the wrong kind of spiritual quarantines happening to us, specially when we are not aware of them. But is there some kind of good spiritual quarantine we should take hold of?
You know that the world is changing when in becomes out and out becomes in. Some years ago Jordan Monson wrote a great text called “Private Prayer Walk”(https://www.desiringgod.org/articles/private-prayer-walk). Let me get you the money quote: “For 2000 years the most private place was in, now outdoors is less distracting.” Now picture this big change plus another big change called the Corona Virus: we’re in for demanding times, having to stay in when that can seem utter and unbeatable distraction.
The kind of quarantine we are experiencing right now brings time with family and that is a blessing. But, at the same time, it’s a challenge to keep focus. Double quarantine: we’re away from people outside our home, and we feel away from our own work (even the more effective people working from their homes right now acknowledge this). But let me try to frame the issue stressing hope: there is no true quietness without some measure of quarantine, even if quietness is what seems at risk when in quarantine. Let me say that there is a kind of self-imposed quarantine for everyone looking for real quietness - to be quiet before God. This is good news.
Almost ten years ago we studied at our church the Gospel of Mark. I preached on it for a little less than 2 years and I wrote a book about it. Action is so overwhelming in Mark’s Gospel that I think we can summarize its plot like this: there is someone, Our Lord Jesus, trying to rest and he is not completely successful (to put it mildly). To do that he practises self-quarantine as soon as chapter one: he wakes up early and runs away from everyone and everything to be quiet with his Heavenly Father.
Knowing that helps me: quarantine does not have to make me feel lost, away from people and away from work, but can give me quietness before God. The right kind of quarantine, practised by Jesus, means the Father leading us, and that teaches us how to deal with family (people) and how to deal with focus (productivity). Maybe our unease with time alone is connected to the fact that we think it’s up to us to find the right way to handle people and productivity. What about embracing quarantine mainly as a chance to be found by God? Even more: what if the man who could not rest here becomes the God who gives it to us?
[English version down below! Amigos, eis a newsletter de Março. Desta vez envio um texto acerca dos dias inescapavelmente diferentes que vivemos. Se quiserem receber as seguintes, enviem o vosso e-mail para tiagooliveiracavaco@gmail.com . Sou grato pelo feedback que têm dado. Um abraço!]
Há uns dias li um grande texto do meu amigo Jacinto Lucas Pires que dizia: “O coronavírus assenta bem demais na doença do tempo de que já padecíamos coletivamente antes de dezembro de 2019. É quase como se, de um momento para o outro, tivessem sido cunhados termos médicos, científicos, para o que já estava em marcha. Sim, de certa forma, a quarentena de “isolamento voluntário” já existia. Não sou dado a tiradas apocalípticas, mas a facebookização da vida está a levar-nos para aí a passos largos. Vivemos cada vez mais em quarentena: quarentenas mentais, afetivas, políticas, espirituais.” Podem lê-lo todo aqui (https://pontosj.pt/opiniao/ha-um-espaco-vazio-no-ceu/).
Sabemos que o mundo está a mudar quando o dentro se torna fora e o fora se torna dentro. Há uns anos, Jordan Monson escreveu um grande texto chamado “Caminha de Oração Privada” (https://www.desiringgod.org/articles/private-prayer-walk). Deixem-me dar-vos a citação mais quente: “Durante 2000 anos o lugar mais privado era dentro, agora o fora distrai menos.” Agora imaginemos esta grande mudança com outra grande mudança em cima chamada Corona Vírus: estamos em tempos exigentes, tendo de ficar em casa quando isso nos pode parecer uma distracção irreversível e imbatível.
A quarentena que estamos a viver agora dá-nos tempo com a família, o que é uma bênção. Mas, ao mesmo tempo, desafia-nos a conseguir manter a concentração. Quarentena dupla: ficamos longe das pessoas fora da nossa casa, e sentimos que ficamos longe do nosso trabalho (até as pessoas mais produtivas a trabalhar agora a partir de casa sabem disto). Mas deixem-me tentar enquadrar a questão do modo mais esperançoso que consigo: não há real quietude sem alguma medida de quarentena, e isto sobretudo quando a quietude é o que parece ameaçado com a quarentena. Deixem-me dizer que há um tipo de quarentena voluntária para todos os que procuram a verdadeira quietude - a quietude diante de Deus. E isto são boas notícias.
Há quase dez anos estudámos na nossa Igreja o Evangelho de Marcos. Preguei nele quase por dois anos e escrevi um livro acerca dele. A acção é tão avassaladora em Marcos que acho que podemos sumarizar o seu enredo assim: há alguém, o Nosso Senhor Jesus, a tentar descansar e a não ser propriamente bem sucedido (e, colocado assim, é um eufemismo). Para isso, ele pratica uma quarentena voluntária logo no primeiro capítulo: acorda cedo e foge de tudo e de todos para estar em paz com o seu Pai Celeste.
Saber disso ajuda-me: a quarentena não tem de fazer sentir-me perdido, longe das pessoas e do trabalho, mas pode trazer-me quietude diante de Deus. O tipo certo de quarentena, praticado por Jesus, significa o Pai a orientar-nos, e isso ensina-nos a saber lidar com a família (com as pessoas) e a saber manter o foco (a produtividade). Talvez o nosso pouco à-vontade com tempo que passamos sozinhos esteja ligado ao facto de pensarmos que nos compete a nós achar a maneira certa de lidar com as pessoas e com a produtividade. Que tal enfrentar a quarentena antes a partir da possibilidade de sermos nós achados por Deus? Mais ainda: que tal se o homem que aqui não encontrou descanso se tornar o Deus que no-lo dá?
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[Dear friends, here’s my March newsletter. This time I’m sending you a text about these days, unavoidably different from everything we’ve lived before. If you want to receive the newsletters to come, send me a message saying so to tiagooliveiracavaco@gmail.com . Thank your for all the feedback you’ve been sending. Um abraço!]
Some days ago I read something that my friend Jacinto Lucas Pires wrote: “Corona virus fits too well in the disease we had already before December 2019. It is like, suddenly, we got medical and scientific names for what was already moving. Yes, in a way, the kind of “voluntary confinement” quarantine already existed. I’m not into apocalyptical pronouncements, but the facebookization of existence is quickly taking us there. We live increasingly in quarantine: mental quarantines, affective quarantines, political quarantines, spiritual quarantines.” It is a great text about the wrong kind of spiritual quarantines happening to us, specially when we are not aware of them. But is there some kind of good spiritual quarantine we should take hold of?
You know that the world is changing when in becomes out and out becomes in. Some years ago Jordan Monson wrote a great text called “Private Prayer Walk”(https://www.desiringgod.org/articles/private-prayer-walk). Let me get you the money quote: “For 2000 years the most private place was in, now outdoors is less distracting.” Now picture this big change plus another big change called the Corona Virus: we’re in for demanding times, having to stay in when that can seem utter and unbeatable distraction.
The kind of quarantine we are experiencing right now brings time with family and that is a blessing. But, at the same time, it’s a challenge to keep focus. Double quarantine: we’re away from people outside our home, and we feel away from our own work (even the more effective people working from their homes right now acknowledge this). But let me try to frame the issue stressing hope: there is no true quietness without some measure of quarantine, even if quietness is what seems at risk when in quarantine. Let me say that there is a kind of self-imposed quarantine for everyone looking for real quietness - to be quiet before God. This is good news.
Almost ten years ago we studied at our church the Gospel of Mark. I preached on it for a little less than 2 years and I wrote a book about it. Action is so overwhelming in Mark’s Gospel that I think we can summarize its plot like this: there is someone, Our Lord Jesus, trying to rest and he is not completely successful (to put it mildly). To do that he practises self-quarantine as soon as chapter one: he wakes up early and runs away from everyone and everything to be quiet with his Heavenly Father.
Knowing that helps me: quarantine does not have to make me feel lost, away from people and away from work, but can give me quietness before God. The right kind of quarantine, practised by Jesus, means the Father leading us, and that teaches us how to deal with family (people) and how to deal with focus (productivity). Maybe our unease with time alone is connected to the fact that we think it’s up to us to find the right way to handle people and productivity. What about embracing quarantine mainly as a chance to be found by God? Even more: what if the man who could not rest here becomes the God who gives it to us?