Ouvir
O sermão de Domingo passado, chamado "Um mundo que tropeça no vestido precisa da verdade à cintura", pode ser ouvido aqui (ou no Spotify).
Religião e Panque-Roque. De Tiago de Oliveira Cavaco.
O sermão de Domingo passado, chamado "Um mundo que tropeça no vestido precisa da verdade à cintura", pode ser ouvido aqui (ou no Spotify).
E pela primeira vez, Cabanas de Tavira faz-se difícil. Temos tido praia, é certo. Mas é uma praia com céu por abrir, com um vento que, mesmo quando não sopra muito, torna a permanência no areal uma prova de resistência. Depois de mais de uma década a chegar, ver e vencer, Cabanas escolheu testar-nos.
Mas estamos muito satisfeitos. Porque, com todas estas pequenas contrariedades veraneante, estamos rodeados da beleza deste lugar em modo de descanso. E, quando estamos em modo de descanso diante da beleza, comunhão com o Criador pode acontecer.
Há comunhão com o Criador na tentativa de grelhar peixe (em que irremediavelmente me demonstro um fracasso total, vale-me a persistência da Ana Rute), na leitura do Camilo (como é que me permito passar tanto tempo sem ler o Camilo?) e do Kierkegaard (como é que me permito não ler Kierkegaard, pelo menos, todas as semanas?), na audição continuada do Bieber para espanto hesitante dos miúdos, nas caminhadas de quilómetros pela secura floridamente murada do Sotavento algarvio. E depois também há o Europeu e as idas pela manhã cedo com a Rute ao mercado ou ao pão, novidade de 2021.
Descansar: a coisa mais difícil de fazer e a mais importante. Só sei atrapalhar mas sou todo a favor.
Deus chamou o Pastor João Serafim Regueiras. Cresci a ouvir falar dele como um amigo dos meus pais. Também por isso, dei por mim amigo dele, mesmo que nos víssemos pouco. Como era cunhado do Pastor Leal, que foi meu Pastor quando era miúdo, o Pastor Regueiras, mesmo não sendo Leal, era parte desta família importante para mim (sou especialmente amigo do João, um dos seus sobrinhos).
O Pastor Regueiras abriu-me a porta da sua comunidade, a Igreja Baptista de Morelena, que sempre foi para mim tão generosa como ele era. Preguei naquele púlpito várias vezes ao longo de mais de vinte anos, e era emocionante fazê-lo também porque o meu avô, Joaquim Lopes de Oliveira, foi lá Pastor. Não esqueço que quando fui consagrado ao pastorado, o Pastor Regueiras integrou o grupo de ministros que impôs as mãos sobre mim (guardo a assinatura deles na Bíblia que me ofereceram e ainda ontem espreitei a do Pastor Regueiras com saudade).
Há cerca de duas décadas, eu e os meus amigos da FlorCaveira tínhamos redescoberto umas gravações que o Pastor Regueiras tinha feito quando regressou da Guerra do Ultramar. Passámos para CD uma dúzia de canções despojadas e sinceras que, à falta de melhor comparação, nos sugeria uma espécie de Zeca Afonso em modo evangelista, num registo sincero, acústico e analógico raro que tinha embalado os grupos de jovens dos nossos pais mas posteriormente esquecido. Cheguei com o Sami a cantar algumas daquelas canções ao vivo (“Mamã pequenina…”), planeámos uma reedição daquele tesouro pela FlorCaveira, e uma vez, quando encontrei o Pastor Regueiras, sugeri-lhe uma pequena actuação. Ele, com aquele sorriso meigo que tinha, disse-me de uma maneira gentil que o tempo daquelas canções já tinha passado. Temos ainda isto por fazer, creio, de celebrar publicamente as canções do Pastor Regueiras (uma delas foi ontem cantada no funeral pelo Pastor Marco e outros dois membros da Igreja de Morelena no funeral, a “Imortalidade”).
Esteve doente nos últimos anos e aqui há umas semanas, no blogue que os manos Leais mantêm com o meu amigo Jorge Viegas, o Miguel tinha comentado a sua fragilidade. Perguntei ao João na semana passada como estava ele e soube que débil mas tranquilo, cuidado pela sua irmã Teresa. Neste último Domingo, no intervalo dos serviços de culto, o João avisou-me pelo WhatsApp que Deus o tinha chamado. Curiosamente, pregava eu então um sermão acerca da importância dos pastores e confesso que me esforcei para não pensar muito no Pastor Regueiras para não permitir que as emoções tomassem desnecessariamente conta de mim durante a prédica.
Fomos muitos aqueles abençoados pela vida do Pastor João Serafim Regueiras. Sentimos as saudades das suas palavras, do seu sorriso, da sua gentileza, do seu porte elegante, e, sobretudo, do seu testemunho acerca da eternidade do amor de Cristo por nós. “O Senhor o deu e o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor!”, Job 1:21.