Coisas que o jejum ensina
Temos estado a fazer um pequeno jejum às quintas-feiras para na Igreja da Lapa nos dedicarmos mais à evangelização e oração. Sou um fraco jejuador apesar da forte aparência de o ser. Qualquer escanzelado passa por beato quando o assunto é jejum. A minha experiência em jejuar é ténue mas tem-me ensinado algumas coisas.
Ainda ontem o Filipe Sousa partilhava que, estranhamente, o jejum lhe complica o tempo de oração mas que isso o faz orar com mais intensidade e sinceridade. Portanto, o jejum atrapalha-o mas essa atrapalhação faz com que ele precise mais de Deus e se comporte de acordo com essa necessidade.
E isso leva-nos a um paradoxo interessante do jejum. O jejum quebra a normalidade de sermos pessoas alimentadas. Pessoas por alimentar são pessoas sem futuro. Sem comida morremos. Mas a verdade também é que essa normalidade de estarmos alimentados esconde algumas coisas essenciais acerca de nós. Sem comida temos de nos encarar como gente carente, à rasca, condenada. E quando nos descobrimos gente sem futuro procuramos por um que nos mantenha além do mantimento.
Precisamos de comer mas também somos além do que comemos. Quando uma coisa tão essencial como a comida me falta, o que descubro acerca de mim? Esfomeado sou tudo o que existe além do meu apetite saciado—e há muito que existe em mim além da barriga cheia. O paradoxo do jejum passa por descobrir a vida que existe independentemente de estar alimentado. A tradição cristã ensina que há um conhecimento de nós próprios que só existe na fome.
O jejum mostra-nos que um apetite saciado não tem monopólio sobre a nossa identidade. Não é, por isso, por acaso que a oração do Pai Nosso assuma tão frontalmente que somos criaturas absolutamente dependentes do Criador, não só porque as nossas barrigas precisam de se encher, como até o seu enchimento depende dele. Se sentimos mais que precisamos de Deus no jejum, até a ausência de jejum só acontece porque, precisando do Pai, ele nos dá o pão de cada dia. O paradoxo do jejum é assumires-te nele como mais carente de Deus e, consequentemente, assumires que até quando tens a barriga cheia careceste de Deus para que pão te chegasse.
O jejum alerta-nos. Pão pão mesmo só Deus é. Pão da vida. Desta vida aqui que mesmo saciada é uma fome crescente de Deus. Não é à toa que vamos em direcção a um grande banquete na eternidade.