O ABC de 2013A. Ano.
Há anos e anos. Alguns deles acabam por destacar-se dos outros. 2013 foi um ano desses pela transformação profunda na Igreja da qual faço parte. Doze meses é pouco? Certamente. Mas dá para abraçar muita mudança.
B. Bíblia.
Na leitura total que fiz da Bíblia este ano destaco o segundo livro de Samuel. É um relato impressionante colocado principalmente em David, na história do seu pecado e consequências dele. Para pessoas religiosas é fácil aceitar o conceito do pecado mas acabar por desvalorizá-lo na prática. A triste ironia é que quando desvalorizamos o pecado acabamos a desvalorizar aquilo que Cristo fez para tratar dele. A Bíblia é o livro errado para quem quer alívio rápido para o mal que fez. A Bíblia faz-nos viver diariamente diante do pecado que cometemos porque o assunto é tão central na nossa vida que mereceu que alguém o resolvesse morrendo. Quem levar Jesus a sério, levará a sério o que levou Jesus à cruz.
C. Cinema
Os filmes que mais gostei este ano foram:
- "Flight" de Robert Zemeckis. Um drama que sabe levantar voo.
- "The Impossible" de Juan Antonio Bayona. Um melodrama que sabe meter água.
- "Prisoners" de Denis Villeneuve. O único thriller realmente decente que vi nos últimos anos.
- "Captain Phillips" de Paul Greengrass. Emocionante até ao fim.
- "World War Z". Is not that good and is not that bad.
- "Monsters University" de Dan Scanlon. Uma história inspiradora de amizade e conquista.
- "Frozen" de Chris Buck. Tão gelado quanto magnífico. A Disney está de volta para fazer com os nossos miúdos o que fez connosco.
- "You're Next" de Adam Wingard. Ando a desintoxicar-me da fase de terror mas este vale a pena.
- "Oblivion" de Joseph Kosinski. Não é preciso ser o "A.I." para ser bom.
- "The Hunt" de Thomas Vinterberg. Mads Mikkelsen é grande num grande filme.
- "All Is Lost" de J. C. Chandor. Robert Redford até como o homem mais condenado do mundo consegue ser o homem mais charmoso dele.
D. Discos.
1. "Introdução a Bruno Morgado" - isto não é para cardíacos. Tinha de escolher este disco (que são oito discos) porque se a FlorCaveira tivesse de existir para publicar apenas um artista, esse artista seria o Bruno. Todos os outros, com mais ou menos esforço, poderiam ser editados noutro lugar. Mas o Bruno é, nesse sentido, o produto mais autêntico da FlorCaveira. Também porque é o mais difícil de amestrar. Ao Bruno não se declara amor, declara-se, quando muito, sobrevivência.
2. "O Grande Medo do Pequeno Mundo" do Sami - tinha-vos avisado já no ano passado.
3. "Yeezus" do Kanye. West é tão insuportável quanto inultrapassável. Reduziu o que faz ainda mais ao osso. Osso do que usa para instrumentos musicais e osso do que escolhe para dizer (apesar de quase sempre detestar o que West quer dizer, reconheço que sabe dizê-lo brilhantemente).
4. "Manuel Fúria Contempla os Lírios do Campo". Dá a ideia que a crítica disse bem do disco do Manel para não ter de se relacionar com ele. Nós, os amantes deste disco, faremos-lhe a justiça que aparentemente a agenda editorial evitou.
5. "Modern Vampires Of The City" dos Vampire Weekend. Não é tão bom quanto o primeiro (e não sei compará-lo bem com o segundo). Mas é um belo disco.
Mais três discos portuguesesque vale a pena referir: o último do Deserto Branco (ainda por editar); "Coração no Chão" do João Só; "Quadro" dos Três Por Cento.
E. Entretenimento.
Uma das descobertas de 2013 é que tenho confundido entretenimento com descanso. São coisas diferentes. Pessoas que levam a sério o trabalho, levam a sério o descanso, como nos ensina a ética judaica. O entretenimento conquistou uma geração, que provavelmente achou que estar relaxada enquanto entretida era descansar. Tenho muito trabalho pela frente para aprender a descansar.
F. Feromona
Os Feromona terminaram. Por que razão uma das melhores bandas de rock no nosso País não sacou do nosso País aquilo que se espera das melhores bandas de rock? Tenho as minhas teorias sobre o assunto. Mas diria apenas que o mais importante ficou, independentemente dos Feromona terem chegado ao fim. As canções estão lá. O que elas fizeram até agora para um número relativamente pequeno de pessoas (que justamente lotaram o Music Box para o concerto derradeiro), pode continuar a ser feito para um número muito maior, desde que tenha o cuidado de descobri-las.
G. Gastronomia.
Este foi um ano de gastronomia na medida em que todos os Domingos (excepto os de Agosto) comi na mesma mesa das pessoas da minha Igreja. Os cristãos também vivem de uma fé de garfo.
H. Henriques.
A Sandra Raquel e o Rui Girão foram os primeiros, dos nossos amigos próximos, a ultrapassarem-nos em número de filhos. Sei que isto diz muito acerca dos evangélicos não serem os procriadores mais briosos mas, aqui e ali, começa a aparecer uma reacção. A Sandra Raquel e o Rui tinham três e no início deste ano a Sandra engravidou de gémeos. Tenho dito que nos ultrapassaram pela direita. Apesar de gostar do estatuto que gozava, é inspirador ver nos outros uma medida maior que a nossa. No outro dia perguntava ao Rui como estava a ser e ele, com muita calma, disse: "Isto é como nos Alcoólicos Anónimos - é um dia de cada vez." Creio que foi a frase mais cheia de graça que ouvi nos últimos tempos.
I. Imoralidade.
A palavra proibida. Ninguém quer ser apanhado a classificar moralmente a realidade. Os cristãos não têm opção. Deus só se preocupa com aqueles que, por serem imorais, precisam de ser salvos. Sou um deles. E por ser um deles não tenho hipótese de não lidar com a realidade naquilo que ela tem de pior: estar cheia de pessoas que, como eu, praticam a imoralidade e não o deviam fazer. Quando as categorias morais desaparecem da discussão pública ficamos rendidos ao pior tipo de pragmatismo: as coisas são apreciadas sobretudo pelo seu funcionamento. Somos seres com funções, certo. Mas temos almas também. Não me lembro de um ano em que a cultura pop vinda dos Estados Unidos fosse tão imoral como a deste. A decadência estética da música, por exemplo, é verdadeiramente assustadora. Uma boa parte das cantoras mais célebres dos Estados Unidos embarcaram numa estética soft-core que deixaria qualquer pessoa de moral e bons costumes de cabelos em pé. Mas espera, isso é aquilo que ninguém quer ser para que todos possamos consumir pornografia em paz de espírito.
J. Justiça.
Poucas coisas têm mudado tanto para mim quanto a visão acerca do que é ou não justo. Muito trabalho de casa pela frente.
K. Keller.
Tenho aconselhado indiscriminadamente o livro "Falsos Deuses". Tim Keller é uma voz verdadeiramente profética. E uma inspiração. Go for him!
L. Livros
- "Center Church" de Tim Keller. O manual para a emoção que é plantar novas igrejas.
- "Canon Revisited" de Michael J. Kruger. Quiseram matar a Bíblia mas a Bíblia não morre.
- "Nenhum Caminho Será Longo" de José Tolentino Mendonça. Num mundo erotizado à força, a amizade é a excitação mais perigosa.
- "História Politicamente Incorrecta do Portugal Contemporâneo" de Henrique Raposo. O Henrique dá cor à nossa cinzenta história política nacional.
- "Every Good Endeavour" de Tim Keller. Descansar é bom porque trabalhar também.
- "A Puritan Theology" de Joel Beeke. Puritanismo só pode ser ofensa para os ignorantes.
- "Explicit Gospel" de Matt Chandler. Ou o evangelho é explícito ou não é evangelho.
M. Mar.
Tenho de reconhecer que fiquei aquém das expectativas. Queria ter ido mais ao mar. Contei 130 dias em que o fiz. O que dá uma média de um encontro com o Oceano por cada quase três dias. A ver se 2014 me traz ainda mais mar. É o nosso futuro nacional, insisto.
N. Natalidade.
A Igreja da qual faço parte, reunida na Lapa, viveu em 2013 uma explosão de natalidade. Cinco bebés já nasceram e esperamos, pelo menos, mais quatro. Quando no princípio do ano, meio a brincar, meio a sério, as nossas mulheres criaram um grupo na internet chamado “Vamos encher a igreja de bebés”, mexeram em pólvora. Por isso estamos agora no meio desta tal explosão. Cuidado com o que dizemos porque Deus, que é omnipresente, ouve. A nossa Igreja tem de ser uma Igreja especialmente dada aos assuntos da paternidade e maternidade porque a nossa vida está a ser transformada por essa maternidade e paternidade.
O. Oliveira, Tiago.
O Tiago Oliveira é o meu cunhado que está a estudar no Reformed Theological Seminary no Mississipi, depois de ter pastoreado a Igreja Baptista da Graça. Uma das coisas mais fascinantes de 2013 é o facto de ter sido um ano em que beneficiei das coisas boas que o Tiago fez em Portugal mesmo estando ele actualmente no EUA. Ou seja, há coisas excelentes a acontecer em Portugal por causa da visão de um homem que agora está na América. Apercebo-me que somos muito precipitados a avaliar o alcance das nossas acções. O nosso tempo não é necessariamente o tempo de Deus e algumas sementes que o Tiago semeou a custo só agora dão fruto. E este fruto relaciona-se com a mudança na vida de pessoas que o meu cunhado pastoreou e com a mudança na vida de pessoas que o meu cunhado não pastoreou mas que lucram do seu empenho. Perceber o que acontece pede alguma espera.
P. Palavra pregada, escrita e cantada.
Preguei cerca de uma centena de vezes (nada de especial tendo em conta o ritmo de muitos Pastores no passado). Agradeço a Deus pelo privilégio de pregar a palavra e pelo prazer de pregar a Palavra. O facto do número de ouvintes ter crescido na Igreja para cerca de duzentos por cento, em relação ao ano passado, e de incluir quase sempre a presença de pessoas que ainda não confessam a fé cristã, torna a tarefa de pregar a Palavra uma aventura mesmo emocionante.
No início de 2013 tinha a ideia que brevemente publicaria o meu primeiro livro, feito de uma colecção de textos de mais de dez anos do blogue. Acabou por não acontecer assim. O "Felizes para Sempre e outros Equívocos Acerca do Casamento", projecto que estava parado há meses, acabou por arrancar graças à persistência aguda do meu inesperado editor, o Fernando Alvim. Não nego que este é um marco simbólico importante para mim, o de publicar um livro. Espero que Deus me ajude a usar essa oportunidade de uma maneira sábia e que sirva o trabalho de falar da minha fé. Defender a fé cristã em livro é hoje uma transgressão na sociedade que mais se desenvolveu à custa do cristianismo ser defendido em livros.
Se contar com a ida ao "5 Para a Meia-Noite", toquei cinco vezes ao vivo este ano. A melhor foi no Coreto da Cordoaria do Porto, com a Xungaria no Céu. A música, continuando a ser uma parte importante da minha vida, assume cada vez mais um papel mais complementar que essencial. Ainda deu para gravar um disco original (o da Xungaria no Céu) e uma mixtape. E tenho planos para 2014 que passam por mais rap xunga, e mais punk rock. Só Deus sabe.
Q. Q&A.
É um americanismo que pode ser irritante. Mas soa melhor que "perguntas e respostas". Começámos a ter um Q&A no final de cada serviço de culto do último Domingo do mês. Tem sido uma experiência formidável. Uma comunidade de fé deve ser um espaço onde o inquérito é bem visto porque o texto sagrado dessa fé também o valoriza. Fazer perguntas e procurar respostas é mais do que debitar opiniões. É levar a sério o que se pensa. O cérebro não se desliga quando se acredita.
R. Reuniões de Pastores.
Foi preciso virem dois Pastores de fora para os Pastores da zona de Lisboa começarem a reunir-se mensalmente. São reuniões razoavelmente informais em que nos juntamos para orar, encorajarmo-nos, ouvir a Palavra. A mim, que serei dos Pastores mais novos e inexperientes do grupo, tem-me impressionado a humildade com que os Pastores mais velhos e experientes partilham das suas necessidades, ansiedades e frustrações. Ser exposto a isto refreia alguns dos excessos naturais dos pastores mais novos, geralmente muito dados a terem soluções simples para todos os problemas que os mais velhos não conseguiram resolver. Precisamos muito uns dos outros. Deus usou o Jónatas Lopes e o Rui Sabino para que isto começasse a acontecer na prática.
S. São Domingos de Benfica.
Este Sábado que passou marcou a última actividade oficial em São Domingos de Benfica da Igreja à qual pertenço. Foram seis anos de SDB, como nos habituámos a resumir-lhe o nome. Não é fácil fazer justiça a tudo o que vivemos naquele lugar. Agora, depois de um ano em que já convivemos com a nossa nova morada - a Lapa, guardamos as melhores recordações de SDB. Naquela cave acanhada fizemos uma toca onde muita coisa aconteceu. Pelos serviços de culto, pelos concertos em condições precárias, pelas palestras de intelectuais ilustres, pelas entrevistas às estrelas do nosso humor, pelo café e bolinhos à chegada, pela visita frequente de reportagens televisivas, pelas nossas crianças a correrem pela rua e a esfrangalharem a paciência dos vizinhos, pela acústica verdadeiramente íntima que agarrava o canto congregacional, pelas canções que lá se gravaram, entre tantas outras coisas. Seremos uma igreja da capital mas o nosso coração não esquecerá SDB.
T. Tavares
Conheci o João Miguel Tavares na Faculdade. Ou melhor, conheci-o a ele mas ele só me conheceu a mim uns anos mais tarde. O João era do ano anterior e já na altura tinha reputação entre os miúdos do curso de Ciências da Comunicação. Fui acompanhando-o depois no DN e depois quando, com o Mexia e o Lombra, integrou a "Geração de Setenta". Fast forward e hoje o João é meritoriamente um nome incontornável na nossa imprensa. Este ano encontrámo-nos umas quantas vezes e nasceu uma amizade entre as nossas famílias. Aliás, mais que uma amizade, nasceu uma admiração dos Cavacos pelos Tavares. A Teresa e o João são o único casal público que conheço que assume a condição da família como exemplo cívico. Não quero teorizar muito sobre isto, até porque eles merecem melhor, mas resumiria desta maneira: os Tavares mostram-se como família sem o pudor imposto por uma cultura que supostamente protege a família não por razões familiares mas por razões individualistas. Com todo o respeito pelos meus amigos que escolhem fazer diferente, creio que esconder as nossas crianças da exibição pública diz mais sobre o que pensamos acerca de nós mesmos do que sobre o que pensamos acerca delas. Pode funcionar como um narcisismo retroactivo, coroados que nos sentimos pelo modo tão sensível como conseguimos separar o privado do público. A partir do momento que somos pais, acreditem, a manutenção da linha que separa o público do privado é seguramente a tarefa menos importante que nos é dada. A partir do momento que somos pais, acreditem, temos uma responsabilidade pública. Se a soubermos viver publicamente faremos muito mais por todas as restantes individualidades. Com isto não sugiro que os pais pespeguem ao segundo a vida das suas criancinhas online, mas que entendam que boa parte da reserva de proteger a família do olho colectivo pode ter mais cinismo que coração. Olhem para o exemplo da Teresa e do João. Sem exagero, é das melhores coisas a acontecer na nossa vida pública. Mostra coragem, uma qualidade muito perdida nos nossos dias tão calculistas.
U. União.
Os Baptistas são mais conhecidos pela divisão que pela união. Durante um ano vivemos na Lapa a união de duas igrejas diferentes. Chegando à fase final desse ano experimental, decidimos confirmar o que o plano apontava: a união numa só comunidade. Muito trabalho foi feito até aqui e muito mais trabalho terá de ser feito daqui em diante. A união não é um sentimento, é um serviço
V. Vaticano.
Roma volta a estar no centro das nossas conversas. Isso é bom na medida em que desperta as pessoas para a importância de falarem acerca dao cristianismo. Tentando fazer justiça à tarefa de acompanhar o Papa em boa-fé, diria que todo este amor por ele não é necessariamente um bom sinal.
W. We're Not Portugal.
Este ano quis ter um blogue em inglês com o meu cunhado, que está nos estados Unidos. Por culpa minha ficámos muito aquém. A ver vamos para o ano.
X. Xungaria no Céu.
Com a XNC concentro-me no muito que é possível fazer com pouco. Basta um micro, um playback e atitude. Não é displicência mas, de algum modo, depuração. Se quisesse fazer música realmente bela aprendia a tocar violino.
Y. You're wrong.
Believe me. Lots of times, we're wrong.
Z. Zeros meus.
A rigor não são zeros porque o zero fala de um estado neutro. A rigor são valores negativos. Em 2014 preciso da ajuda de Deus para ultrapassar as derrotas de 2013. Não as vou enumerar por um misto de vergonha e semi-bom-senso. Lembrem-se de mim nas vossas orações.