quinta-feira, novembro 30, 2017

Agenda

Duas coisas que me animam: tocar o disco "Bairro Janeiro" (do ano passado, que nunca toquei totalmente) e fazê-lo com um amigo que torna as palavras das canções mais vivas. É daqui a duas semanas e, creio, será especial. A entrada é livre e o lugar é bonito mas pequeno (mesmo junto ao miradouro de S. Pedro de Alcântara). Venham a horas.

quarta-feira, novembro 29, 2017

Ouvir

E com este sermão termina a série mais violenta da minha carreira de pregador. E, sim, chego a uma conclusão: qual é o assunto mais difícil de pregar à Igreja? A Igreja. Deus nos ajude.

terça-feira, novembro 28, 2017

A Babá

A família Cavaco tem o hábito de ao Domingo só ouvir música de louvor. E a regra nasceu também porque não somos de ouvir muita música dita cristã. Mas o Domingo é aquele dia em que desejamos que tudo o que fazemos nos convide e excite a louvar Deus. Logo, um dos automatismos que acontece quando entramos no carro a caminho da igreja é meter um CD no leitor que nos acenda o rastilho para a adoração que vai continuar na Lapa. Durante uns meses interrompemos este hábito. E por causa de uma pessoa.

Não é suposto que nenhuma pessoa interrompa o louvor que devemos a Deus. Se assim acontecer, podemos ter um problema de idolatria, em que alguém (ou alguma coisa) serve de obstáculo para a nossa devida adoração ao Senhor. Mas esta pessoa, que durante uns meses impediu que colocássemos um CD de louvor aos Domingos, não era uma pessoa qualquer e a razão porque impediu que o louvor começasse mais cedo no nosso carro não foi para nos desviar de Deus mas, pelo contrário, nos dar mais dele. Essa pessoa chama-se Bárbara e foi uma espécie de filha adoptiva da família Cavaco durante meio ano.

A Bárbara é brasileira, esteve a terminar os seus estudos na Suiça e depois arranjou um estágio em Portugal. Conhecemo-la porque é amiga de amigos nossos (a Alê, o Alberto e o Calebe) e quando soubemos que tinha arranjado casa perto de nós, tentámos ser-lhe o mais útil que conseguimos. Ela visitou a nossa Igreja, gostou dela e começou a frequentá-la. O mínimo que podíamos fazer por ela era dar-lhe boleia (carona, para os leitores brasileiros). Como podem imaginar, se dávamos boleia à Bárbara ao Domingo de manhã, houve um encontro dela com o nosso hábito de colocar um CD cristão.

Na primeira boleia que lhe demos, e por uma questão de educação, suspendemos o CD que estava a tocar. Afinal, não é muito gentil receber alguém no carro e não oferecer-lhe os nossos ouvidos. E se há dom que a Bárbara mostrou ter é o de saber usar a atenção das pessoas com quem está. Mal entrou, entrou com ela um universo novo que a nossa viatura nunca tinha visto a um Domingo de manhã. Acho que ficámos logo com a ideia, no momento, que aquela miúda estava a trazer um jogo diferente que mudava as regras dominicais do carro mas mudava mais ainda.

Durante meio ano não foram só os nossos Domingos que foram tomados pelo furacão Bárbara. Foram feriados, fins-de-semana, e outros dias. Gradualmente a Bárbara conquistou não só a nossa companhia, como também a nossa confiança. Em menos de nada a Bárbara tornou-se a Babá, também porque a usámos como baby-sitter das nossas crianças (e em Portugal não se usa "babá" para baby-sitter, mas nós adorávamos fazê-lo). A Bárbara deixou de ser apenas Bárbara para ser também a Babá - tornou-se parte da família Cavaco.

Em muitas das qualidades que trouxe à nossa vida, duas destacaram-se. A Bárbara tem um talento natural para contar episódios em que fez figura. Em Portugal fazer figura também significa aqueles momentos em que damos por nós numa situação meio ridícula - em que a piada somos nós próprios. Com a Bárbara isto acontece frequentemente. O resultado era que em pouco tempo acabávamos a rir da Bárbara graças à Bárbara. Esse humor gracioso trouxe uma dose grande de alegria à nossa família. Nós sabíamos que quando íamos estar com ela, íamos estar mais alegres. Se primeiro era por causa da piada em si, depois já era simplesmente porque estar com ela era estar com a alegria.

A segunda qualidade é que a Bárbara gosta de cidades. Os Cavacos gostam de campo mas gostam muito de cidades também. Nós andamos muito a pé nas cidades porque gostamos da coisa particular que é as pessoas viverem em cidades - uma cidade nunca é um acaso sem valor. Ora, a Bárbara, que já tinha estudado arquitectura, cedo se apaixonou por Lisboa (quando um brasileiro diz que se apaixonou, não vale a pena duvidar). O que chegou ela a fazer? A vir de Carcavelos a pé para Lisboa, só para apreciar a região onde estava, junto ao mar e ao rio. Nesse seu empenho, como podem imaginar, conheceu Lisboa como nunca vimos nenhum amigo nosso estrangeiro conhecer. De tal modo que chegou a acontecer a nossa família ir passear num Sábado ao MAAT e, quando pensámos em convidar a Bárbara para se juntar a nós, onde estava ela? Já a passear em Lisboa, claro. Acabámos juntos e felizes em Belém nessa tarde.

A Bárbara regressou ao Brasil há umas semanas. Nas despedidas propriamente ditas houve muitas lágrimas. Mas não é aí que quero chegar, para neste texto homenagear a Bárbara. No primeiro Domingo depois do seu regresso, voltámos ao velho hábito dominical da família Cavaco. Chegar ao carro e ligar um CD de louvor. À ida e à volta. Foi bom readquirir a prática que tinha sido interrompida. E estamos a gostar de ter novamente aquele lume para acender o rastilho da nossa adoração. Mas há uma diferença. Uma parte do lume da nossa adoração queima agora mais devagar. Sem a Bárbara, a nossa alegria é mais tímida. Claro que continuamos a ser adoradores alegres de Deus, mas a nossa intensidade ficou transformada. De certo modo, a Bárbara, ao suspender a música, tornava-se a nossa própria música de louvor a Deus. Por isso, não caíamos em idolatria ao termos a Bárbara a silenciar o CD cristão porque ela fazia ainda mais vivo o nosso cristianismo.

Um dia, nos novos céus e nova terra, estas coisas que ficam meio quebradas, entre o louvor a Deus e as pessoas, ficarão para sempre concertadas. Teremos a alegria da Bárbara e a alegria da música cristã tudo a cooperar junto e ao mesmo tempo, e sem as tristezas das despedidas provisórias. Saberemos que tudo contribuirá para a alegria sem fim de estarmos rosto a rosto com Jesus.


quarta-feira, novembro 22, 2017

Ouvir

Alguém que não se quer expor à disciplina da Igreja é alguém que na realidade não quer fazer parte dela, ainda que possa não ter consciência disso. Alguém que nunca confessou pecados à igreja (ou em privado a um dos seus membros) é alguém que está numa posição assumida de imaturidade e medo e, como tal, incapaz de exercer uma responsabilidade espiritualmente consistente na Igreja.

O sermão de Domingo passado, chamado "Qual é a responsabilidade do membro de Igreja?", pode ser ouvido aqui.

quinta-feira, novembro 16, 2017

Um sermão salivado

Dois mil e dezassete também vai ficar para a minha história como um dos anos em que, à boleia dos 500 anos da Reforma, tive de gastar muito tempo a dizer mal do catolicismo. O meu dizer mal do catolicismo tenta ser o mais fraterno possível, tendo em conta as circunstâncias possíveis. Para tentar resumir coisas que também são complexas, diria que, apesar de acreditar que Cristo pode salvar dentro do catolicismo, o catolicismo é um sério obstáculo a que Cristo salve. Se assim não pensasse, naturalmente seria católico romano (e, provavelmente, dos católicos romanos mais chatos que podem imaginar).

Mas neste texto quero começar por dar a mão à palmatória e concordar que o catolicismo tem alguma razão quando critica o excesso de individualismo protestante. É verdade que eu não acredito que a ligação à Igreja (como ela é entendida por Roma) é a ligação a Cristo. É possível estarmos na Igreja de um modo que não é igual a estar em Cristo - Lutero tinha razão quando descrevia a coisa em termos de "Cativeiro Babilónico da Igreja". Mas tenho de concordar com os católicos romanos quando eles olham para os evangélicos como uma anémica demonstração da importância que Cristo dá à Igreja. Nós, evangélicos, estamos tão preocupados com a salvação do indivíduo que esquecemos que essa salvação individual serve um propósito colectivo que é sermos Igreja. A Igreja não é uma extra dado a quem é salvo: a Igreja é a razão para que fomos salvos.

Logo, uma das tristezas de pregar o evangelho no Século XXI a uma Igreja Evangélica é ter de lhe lembrar a importância da Igreja. Se a vida cristã for um parque aquático evangélico, a soteriologia é aqueles incríveis escorregas labirínticos em que as pessoas fazem fila para andar, e a eclesiologia é um lava-pés. Os evangélicos, balofos em insistir na salvação pessoal, acham que a Igreja e o modo como ela funciona é à vontade do freguês porque não é assim tão importante. Quero aumentar ainda mais a minha acusação aos meus irmãos evangélico: nós não amamos a Igreja. Nós separámos tanto a salvação individual do seu destino colectivo que aturamos a Igreja como uma fatalidade burocrática. Nesse sentido, quero elogiar os católicos romanos (os sérios, óbvio): ao menos para eles a Igreja vale alguma coisa.

Uma das maneiras mais pelintras que os evangélicos têm de não amar a Igreja é preferirem falar em reino de Deus, como se reino de Deus e Igreja fossem realidades concorrentes. Pior ainda: há evangélicos que preferem falar em reino de Deus como quem insinua que quem fala em Igreja permanece numa espécie de farisaísmo, obcecado em regras e regrinhas para pesar o povo de Deus. Eles, pertencentes a uma elite de iluminados que vai onde os burros dos institucionais não chegam, vêem o mundo a três dimensões onde os outros vêem a preto e branco. Os evangélicos, guiados por este triste desfile de visionários auto-diplomados, vive a Igreja sem amor e compromisso, relativizando a pertença a uma comunidade local de carne e osso. É sempre mais fácil ser fiel a um amor platónico. Preferir falar do reino de Deus em vez da Igreja local é optar por pornografia em vez de dormir com a mulher. Fui duro no que disse? Acho que sim.

Isto para chegar ao último sermão da série de eclesiologia que estamos a dar na Lapa. Não é revelador que os sermões mais duros que tenha pregado nos últimos anos sejam acerca de defender a importância da Igreja diante da minha Igreja local? Conseguem topar alguma aparente contradição nisto? Nem tanto, se tivermos em conta o triste desamor que as igrejas evangélicas foram ensinadas a sentir pela Igreja nas últimas gerações. Sim, as igrejas evangélicas foram ensinadas a não amar a Igreja e a prova disso é que quando um pastor prega o valor da Igreja e o modo como a Palavra ilumina o seu funcionamento, ele parece um monstro. Mas, azar. Deus não me chamou para pregar o evangelho do "Jesus salvou-me e a Igreja é um ketchup que, se eu quiser, acrescento ao meu hamburger". Não. Deus chamou-me para pregar o evangelho de Jesus que produz uma comunidade de pessoas chamada Igreja que nem as forças do Inferno conseguem destruir. Porque prego Cristo, prego a Igreja.

Se há uns meses escrevi acerca de "Pastores que são Papas", agora fui ao outro lado da questão. Com alguma justiça o Paulo Pascoal e o João Saramago, pastores meus amigos, tinham dito que a maior dificuldade nas igrejas baptistas não é pastores déspotas mas pastores gato-sapato. Apesar de achar que as duas coisas não são mutuamente exclusivas, concordo com a crítica do Paulo e do João. Este sermão chama-se "Não tires a coroa ao pastor" e, sim, é a partir da Bíblia. Basicamente, o que o apóstolo Pedro nos ensina é que a Igreja precisa de pastores como um reflexo de precisar de Jesus. O modelo que serve para os pastores é o modelo de Jesus. Pela negativa, podemos aplicar esta lição sabendo que uma Igreja que desvaloriza o papel dos pastores, desvaloriza o próprio papel de Jesus.

Este foi um sermão que preguei a cuspir-me, a babar-me, e a urrar feito um cão raivoso. Não preguei ferozmente a importância dos pastores porque sou pastor. Céus, não! É o contrário: a importância dos pastores só faz com que eu, pastor, tenha de viver em temor e tremor. Não estou atemorizado porque vou dar contas do meu pastorado a uma geração de cristãos que desvaloriza o papel do pastor; estou atemorizado porque vou dar contas do meus pastorado ao Pastor Supremo que se chama Jesus Cristo. Mas esse temor só me faz querer ser sério com a importância que os pastores têm na Palavra.

Sei que estou a simplificar muito mas simplificar muito também é necessário quando se prega o evangelho. Topem esta simplificação: no meio baptista em Portugal há pouco respeito pela Igreja e há pouco respeito pelo pastor. Boa parte dos pastores vivem como empregados mal pagos de congregações caprichosas e sem fé, que lhes fazem a cabeça em água pela cor da carpete e pelo vaso de flores do átrio de entrada. Ao mesmo tempo, tento evitar a auto-comiseração de vir para a internet dizer que a minha vida de pastor é difícil porque, se precisar de me queixar, é a Deus e não ao ciber-pardieiro das redes sociais. E sei que, comparando com heróis da fé espalhados pelo mundo neste tempo, a minha vida não é difícil.

Dito tudo isto, deixo o sermão para ouvirem. Não tirem a coroa ao pastor. Amem a Igreja. Corram para o rosto de Cristo.

terça-feira, novembro 07, 2017

Ouvir

O sermão de Domingo passado, chamado "Enquanto bebia cerveja a Palavra fez tudo", pode ser ouvido aqui.

É um sermão duro e arriscado. Ficar firme na palavra nunca foi fácil.