sexta-feira, setembro 30, 2022
terça-feira, setembro 27, 2022
Carlitos e Nana
Acabar bem, eis algo que a Bíblia elogia várias vezes. Talvez as duas que me impressionem mais sejam quando, na Parábola dos Talentos, o senhor diz a dois dos seus servos: “Muito bem, servo bom e fiel; foste fiel no pouco, sobre o muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor” (Mateus 25:21, 23), e na Segunda Carta que Paulo escreve a Timóteo, toda ela num tom algo sombrio, o apóstolo confessa: “Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé”. É o meu sonho acabar assim—não é o de todos?
Talvez por estes serem tempos em que comunicar é tão fácil, é grande a tentação de os pastores projectarem os seus ministérios como se o maior reconhecimento público fosse o fim quando, na verdade, ainda vamos a meio. Ou seja, por muito agradável que seja as pessoas apreciarem-nos enquanto o pastorado segue viçoso, o maior desafio é chegarmos à sua conclusão sem termos estoirado tudo. Creio que posso dizer que sei do que falo porque tenho tido oportunidades incomuns de grandes montras para o meu ministério. O que precisamos mais não é de reconhecimento mas que orem para chegarmos ao fim em condições.
Por tudo isto, assistir ao fim do pastorado de alguém em estado de bênção é excepcional. E foi isso que aconteceu neste Domingo que passou, com a passagem da presidência do pastorado da Igreja Cristã Manancial de Águas Vivas do Pastor Carlitos Cardoso para o Pastor Henrique Pereira. A rigor, o Carlitos, não tendo terminado a carreira, encerrou a fase importantíssima de presidir aquela equipa pastoral. Nessa medida, o momento de ontem serviu de amostra de uma meta que todos os pastores querem cruzar. Ontem, tive uma inveja santa do Carlitos—quero um dia chegar onde ele já chegou.
A amizade do Carlitos é uma dádiva com menos de uma década. Não nos encontramos tanto como gostava mas cada vez com ele dá-me um depósito durável de alegria e de frases que lhe ouço e passo a repetir. É um cliché entre pessoas que conhecem o Carlitos que confirmo: é impossível estar mal-disposto ao lado dele. E neste humor constante dele (que arrisca onde eu e a maioria não somos capazes de arriscar) encontro uma virtude mais rara que é, num universo pastoral em que parecer sério pode passar por ser santo, o jeito que o Carlitos tem de se assumir o pior dos pastores torna-se uma rejeição corajosa desse jogo de disfarces solenes. Mais ainda: é um gesto puramente Paulino de se colocar fora dos campeonatos típicos dos auto-proclamados super-apóstolos.
O Carlitos não existe num vácuo e a sua Igreja é a prova. A ICMAV tem um impacto que vai muito além daqueles que a ela pertencem. A Família Cavaco sabe disso, também graças ao trabalho extraordinário da Associação de Beneficência Luso-Alemã na escola que providenciou ao longo de décadas para tantas crianças da zona da linha de Cascais (como as nossas quatro). Daí que a festa de ontem não fosse apenas a afirmação de um pastorado mas de toda a comunidade dirigida por ele. Numa época em que é fácil colocar o foco em figuras isoladas, hiper-seguidas, interessa entender na cultura da igreja local o verdadeiro carácter de um Pastor.
Gosto muito desta fotografia. Eu, o Carlitos, a Nana e a Ana Rute. Sem a Nana o Carlitos não teria pastorado—as homenagens de ontem foram naturalmente também para ela. Sem as nossas esposas ao nosso lado, dedicadas ao serviço da Igreja como nós, não haveria maridos que permanecessem pastores. E a homenagem foi também para a restante família Cardoso. Quando a filha, Rute, testemunhou de como a fé do Pai Carlitos a levou à fé do Pai do Céu terão sido poucos a não responder com lágrimas. E depois o Mário Rui pregou um valente sermão acerca da importância da Igreja, como lugar da presença de Deus. A analogia é clássica e impõe-se: que grande banquete que foi!
Carlitos e Nana: Deus vos abençoe e recebam todo o amor da Família Cavaco e da Igreja da Lapa!